Risco de doença inflamatória intestinal (DII) em pacientes com dermatite atópica
Um grupo de pesquisadores americanos publicou um estudo de coorte a partir de um banco de dados do Reino Unido com o objetivo de investigar a associação de dermatite atópica (DA) com o desenvolvimento de doença inflamatória intestinal (DII), incluindo retocolite ulcerativa (RU) e doença de Crohn (DC).
O assunto é controverso no sentido de que publicações anteriores investigaram a associação e tiveram resultados conflitantes. Diante disso, os autores optaram por realizar um estudo com metodologia mais robusta e que considerou dados importantes, como a severidade da DA e a presença de fatores de confusão, como o tabagismo.
Metodologia
O Reino Unido conta com uma rede de prontuários eletrônicos que contempla todos os pacientes atendidos na região por médicos generalistas, que são o primeiro ponto de contato dos pacientes com o atendimento de saúde, considerando o modelo de saúde pública local. Dessa forma, considera-se que o banco seja representativo da população geral do Reino Unido.
Como a severidade da DA não era registrada de forma objetiva no banco de dados, o tratamento foi considerado como indicativo da gravidade da doença em cada indivíduo, sendo considerados portadores de DA grave aqueles em uso de imunossupressor sistêmico, com prescrição de fototerapia ou encaminhamento para dermatologista, já que a maior parte dos casos é tratada pelo médico generalista.
Resultados e Discussão
O estudo contemplou registros desde 1º de janeiro de 1994 até 28 de fevereiro de 2015, incluindo um total de 1.034.514 pacientes com DA (409.431 crianças) e 4.487.917 controles pareados (1.809.029 crianças) após serem considerados os critérios de inclusão, como diagnóstico de DA e disponibilidade de controles pareados, e exclusão, como ausência de dados de seguimento.
Na coorte pediátrica, 93,2% apresentavam DA leve, 5,5% DA moderada e apenas 1,3% foram identificados como portadores de DA grave. As medianas de idade para cada um dos grupos foi de 4, 9 e 5 anos, respectivamente. Já a mediana de idade dos controles foi de 4 anos de idade.
A taxa de incidência de DII e DC foi maior em todos os grupos de DA (0,18-0,95 para DII e 0,10-0,91 para DC) quando comparados aos controles (0,15-0,16 para DII e 0,07-0,08 para CD). Com relação à RU, a taxa de incidência foi semelhante entre os controles (0,07-0,08) e aqueles com DA leve (0,06-0,09), e maior nos pacientes com DA moderada (0,13-0,23) e grave (0,16-0,41).
Em comparação com os controles, a DA foi associada a um aumento de risco de 44% (hazard ratio [HR], 1,44; intervalo de confiança de 95% [IC 95%], 1,31-1,58) para DII e 74% para DC (HR 1,74; IC 95%, 1,54-1,97), mas não para RU (HR 1,09; IC 95%, 0,94-1,27). Os pesquisadores também notaram que o aumento de risco para DII e DC foi maior conforme aumentava a gravidade da DA. Por fim, o risco de DII permaneceu estatisticamente relevante mesmo quando se considerou múltiplas análises de sensibilidade a partir da consideração de variáveis de confusão.
Os autores sugerem que essa associação pode ser explicada pela sobreposição de fatores genéticos e ambientais que fazem parte da fisiopatologia da DA e da DII, além da ativação do sistema imune e da disbiose, tanto da pele quanto do trato gastrointestinal (TGI). Um dado que chama a atenção é o aumento de risco para DC, mas não para RU. No entanto, os motivos para essas diferenças ainda não estão claros para os pesquisadores.
Conclusões
O estudo sugere que há aumento do risco de DII e DC em crianças com DA e que esse risco aumenta conforme aumenta a gravidade da DA, o que pode indicar uma associação causal. Estudos considerando maior diversidade de população ajudarão a validar estes achados.
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Comentários sobre DII e DA
Esse é um estudo muito interessante e, de fato, tem uma metodologia robusta, até mesmo pelo seu desenho: sendo um estudo de coorte, é capaz de acompanhar os pacientes de forma longitudinal, trazendo mais clareza sobre relações de causa e efeito.
Considerando que tanto a DA quanto a DII têm em comum uma desregulação imune e cursam com prejuízo de barreira (pele e TGI), faz sentido a hipótese de que a DII possa ser mais comum em pacientes com DA, que tende a um surgimento mais precoce que a DII.
Resta saber até que ponto o tratamento da DA, especialmente no que tange ao uso de imunobiológicos, seria capaz de impactar na evolução destes pacientes para um quadro de DII.
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