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Clínica Médica30 julho 2025

Ustekinumabe na Doença de Crohn: funciona?

Revisão da Cochrane mostra que ustekinumabe reduz falha na indução de remissão em Crohn moderada a grave, com boa segurança.
Por Leandro Lima

A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória intestinal crônica atrelada à sintomatologia debilitante e que incide predominantemente sobre uma população jovem. 

As suas principais manifestações clínicas incluem dor abdominal, diarreia e desnutrição, além da possibilidade de evolução com complicações estruturais, como as estenoses e fístulas, bem como eventos adversos relacionados ao tratamento, sobretudo a farmacotoxicidade e infecções oportunistas.  

O avanço da terapia biológica, por sua vez, tem contribuído muito para a melhora do controle da inflamação intestinal e, por conseguinte, da qualidade de vida desses pacientes.  

Um dos pilares terapêuticos da DC moderada a grave nas últimas décadas têm sido os anti-TNF: infliximabe, adalimumabe e certolizumabe. Entretanto, cerca de 10-40% dos pacientes expostos à terapia anti-TNF apresentam falha terapêutica primária (ausência de resposta desde o início do tratamento), enquanto metade dos respondedores iniciais desenvolvem falha secundária em virtude da produção de anticorpos antidroga.  

Nesse cenário, novas opções farmacológicas são sempre bem-vindas, e um dos destaques é o ustekinumabe, um anticorpo monoclonal da classe IgG1κ, totalmente humanizado e direcionado à subunidade p40 compartilhada pelas interleucinas 12 e 23 (anti-IL-12/23p40). 

doença de crohn

Farmacodinâmica do Ustekinumabe 

A ativação desregulada dos linfócitos T desempenha um importante papel fisiopatológico na DC: 

  • A IL-12 estimula a diferenciação dos linfócitos T CD4+ em células Th1, com aumento da produção de INF-γ e ativação das células NK, centrais na resposta imune celular; 
  • A IL-23 prolonga a sobrevida das células Th17, contribuindo para a inflamação crônica.  

Ao se ligar à subunidade p40, o ustekinumabe impede que a IL-12 e IL-23 interajam com o receptor comum na superfície das células imunes, bloqueando as vias de sinalização JAK-STAT e, portanto, inibindo a ativação de células Th1 e Th17, o que reduz a produção de citocinas inflamatórias e freia o processo inflamatório crônico.  

Revisão da Cochrane  

Uma revisão sistemática da Cochrane, publicada em maio de 2025, avaliou a eficácia e segurança do ustekinumabe na indução de remissão clínica (CDAI < 150) entre pacientes com DC ativa moderada a grave.  

Os estudos foram extraídos das bases de dados CENTRAL, PubMed, MEDLINE e EMBASE até fevereiro de 2024. 

Foram incluídos 8 RCTs multicêntricos, duplo-cegos e em paralelo (N = 3.224), triados a partir de um montante que superou 1.200 estudos, com tempo de seguimento mínimo de 4 semanas e com análise por intenção de tratamento.  

As comparações do ustekinumabe se deram com o placebo, outros medicamentos (adalimumabe) e com o próprio medicamento em regimes de doses diferenciadas (3, 6 e 9 mg/kg ou doses fixas de 90 ou 130 mg). 

A média de idade dos participantes variou entre 33 e 46 anos, como uma leve predominância masculina (51 a 56%) e tempo de diagnóstico de DC até a alocação entre 6 e 13 anos. Foram incluídas amostras da América do Norte, Europa, Oceania e Israel.  

O desfecho primário foi falha na indução de remissão na semana 8, enquanto os secundários foram falha clínica, falha endoscópica, parâmetros de qualidade de vida dos pacientes e eventos adversos. 

Ao término de 8 semanas, observou-se que o ustekinumab reduziu, de modo significativo, o número de falhas terapêuticas, quando comparado ao placebo: 74% (693/938) vs. 87% (421/483), com risco relativo (RR) de 0,85 (IC 95%: 0,81 a 0,89), com alta certeza da evidência, com dados provenientes de 3 estudos (1.424 pacientes).  

Na análise do subgrupo de pacientes experimentados com os anti-TNF que evoluíram com falha primária ou secundária, o benefício do ustekinumabe foi mantido, mas em menor magnitude, com falha terapêutica de 83% (739/888) no grupo ustekinumabe vs. 92% (347/379) no grupo placebo (RR 0,91, IC 95%: 0,87 a 0,95).  

Na comparação com adalimumabe (1 estudo), 50% dos pacientes não atingiram remissão com o ustekinumabe, contra 52% com o adalimumabe, com RR de 0,96, sem alcançar significância estatística (IC 95%: 0,79 a 1,17) e com baixa certeza da evidência.  

Em relação a protocolo de doses pediátricas distintas (1 estudo pequeno – N = 44), não houve diferença clara entre dose alta (9 mg/kg) e dose padrão (3 mg/kg) em crianças, com RR de 1,03 (IC 95%: 0,77 a 1,39) e muito baixa certeza da evidência. 

Em relação aos eventos adversos graves, não houve aumento significativo com ustekinumab (5%) vs. placebo (6%), com moderada certeza da evidência. 

Entre os pontos positivos da revisão sistemática em questão, destacamos o baixo risco de viés dos estudos selecionados, avaliados por meio da ferramenta RoB 2 da Cochrane.  

Já em relação às limitações, pontuamos que: 

  • A baixa incidência de eventos adversos levou à imprecisão dos intervalos de confiança, condicionando uma certeza apenas moderada quanto à segurança do ustekinumabe.  
  • A heterogenidade foi significativa entre os estudos (I2 = 69% para a remissão clínica) e não completamente explicada pelas posologias dos esquemas de indução; 
  • Especificamente em relação à comparação com adalimumabe, a evidência foi de muito baixa certeza, o que limita inferências robustas.  

Conclusão  

  • Ustekinumab reduz o risco de falha na indução de remissão em pacientes adultos com DC ativa, sem aumento significativo de eventos adversos graves. 
  • Evidências em população pediátrica ainda são limitadas, e a superioridade frente a outros biológicos como adalimumabe permanece incerta. 
  • Novos estudos são necessários para definir a dose ótima, os perfis de resposta e a segurança em longo prazo. 

Mensagem prática 

O ustekinumabe se consolida como uma alternativa eficaz e segura para a indução de remissão entre adultos com DC moderada a grave, especialmente em casos de falha à terapia com anti-TNF. No entanto, deve-se realizar a interpretação dos dados apresentados de forma crítica, em virtude da heterogeneidade dos estudos, da escassez de estudos head-to-head com outros biológicos e da lacuna de evidências na população pediátrica. 

Veja também: O papel dos biomarcadores no manejo da doença de Crohn

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Referências bibliográficas

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