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Clínica Médica5 fevereiro 2025

Tuberculose latente no Brasil: cuidados pré-imunossupressão

O Brasil é um país endêmico para tuberculose, ocupando a 20ª posição no ranking mundial. Confira as dicas de como manejar a tuberculose latente.
Por Leandro Lima

A tuberculose (Tb) é a principal causa infecciosa de mortalidade em todo o mundo, afetando mais de 10 milhões de pessoas, entre as quais 80% sob a forma pulmonar.  

A taxa de incidência de Tb no Brasil supera os 30 casos por 100.000 habitantes-ano, sendo ainda mais expressiva nos estados dos Espírito Santo, Amazonas e Pará, onde a incidência é praticamente o dobro. Tais números nos colocam na desconfortável 20ª posição de um ranking mundial liderado pela Índia, Indonésia e China. 

Evolução natural  

Na sequência da exposição ao Mycobacterium tuberculosis, 1 em cada 4 indivíduos se torna infectado. Desse montante, apenas 5% a 10% apresentam reativação da Tb ao longo da vida, principalmente nos primeiros 2 anos. Portanto, em mais de 90% dos casos,  a resposta imunológica é capaz de induzir a um estado latente. Na vigência de terapia imunossupressora, entretanto, esse equilíbrio harmônico pode ser rompido.  

A tuberculose latente (ILTB) ou, em conformidade com a nova nomenclatura sugerida pela OMS em 2021, tuberculose infecção, diferencia-se da tuberculose doença ou tuberculose ativa pela ausência de evidências clínicas (febre, emagrecimento, sudorese noturna, tosse produtiva crônica, hemoptise e linfonodomegalia, entre outros), radiológicas (consolidações, árvore em brotamento, cavitações, derrame pleural) e microbiológicas (BAAR, cultura ou TRM-Tb) de tuberculose ativa.  

 

Mudança de nomenclatura 

Clássica 

OMS (2021) 

Tuberculose latente 

Tuberculose infecção 

Tuberculose doença 

Tuberculose ativa 

 

A dicotomia entre tuberculose latente (infecção) e tuberculose doença (ativa), contudo, tem sido substituída por uma visão mais real e dinâmica, que nos traz os seguintes espectros: 

  1. Tuberculose latente; 
  2. Tuberculose incipiente;
  3. Tuberculose subclínica;
  4. Doença ativa.  

Tuberculose 

Micobactéria viável 

Anormalidade radiológica 

Sintomatologia evidente 

Latente 

X 

X 

X 

Incipiente 

 

X 

X 

Subclínica 

 

 

X ou oligossintomática 

Doença ativa 

 

 

 

  

Triagem baseada na terapia avançada instituída 

A triagem de ILTB no Brasil é fundamental entre os candidatos às terapias avançadas dedicadas às doenças inflamatórias imunomediadas.  

Nesse escopo, lidamos com condições diversas, como as doenças inflamatórias intestinais, hepatite autoimune, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, espondiloartrites, esclerose múltipla, buloses, psoríase e hidradenite supurativa, entre outras.  

Um primeiro passo é definir qual é o risco de reativação da ILTB relacionado às diferentes classes farmacológicas, que é maior quando há interferência nas vias de manutenção do granuloma, que são mediadas pelo fator de necrose tumoral (TNF), interferon-gama, interleucina-12 e via STAT4.  

  • Baixo risco: anti-integrinas específicas do trato gastrointestinal, como o vedolizumabe; e anticorpos anti-CD20, como o Rituximabe, que não afetam diretamente a função das células T. 
  • Médio risco: bloqueadores da IL-12/23 (ustekinumabe), que inibem a produção de interferon-gama; bloqueadores de IL-12 e IL-17 (secukinumabe, ixekinumabe e brodalumabe); e provavelmente os moduladores dos receptores S1P (ozanimode e etrasimode).  
  • Alto risco: Agentes anti-TNF (infliximabe, adalimumabe, etanercepte, certolizumabe e golimumabe) apresentam odds ratio para reativação de tuberculose, em relação a outras terapias, de 1,94 (IC 95%: 1,1 a 3,44, p = 0,02), sendo o risco potencializado na comboterapia com azatioprina ou metotrexato (OR 13,3, IC 95%: 3,7 a 100, p < 0,001); e os inibidores da JAK (tofacitinibe), pela interferência na integridade do granuloma ao reduzirem a produção de interferon-gama.  

Fatores de risco adicionais  

  • Doses elevadas de anti-TNF ou inibidores da JAK tipicamente empregadas nas doenças inflamatórias intestinais;  
  • Desnutrição, mais proeminente nas doenças gastrointestinais;  
  • Etilismo; 
  • Tabagismo;  
  • Convivência com casos de tuberculose ativa. 

 

A triagem universal deve incluir a entrevista médica e exame físico, buscando histórico de diagnóstico prévio e tratamento de tuberculose; evidências radiológicas de tuberculose pregressa ou ativa; exposições a contactantes domiciliares com diagnóstico confirmado ou tossidores crônicos; bem manifestações clínicas compatíveis com tuberculose ativa.   

A propedêutica armada deve incluir, no mínimo: 

  • IGRA ou PPD;  
  • Radiografia de tórax em PA e perfil. 

Diante da necessidade de terapias de alto risco para reativação de tuberculose latente, sugere-se: 

 

  • IGRA + PPD (o teste combinado tende a aumentar a sensibilidade em 20-40%); 
  • Radiografia de tórax;  
  • Consideração sobre TC de tórax (a triagem baseada em TC pode reduzir o risco de reativação de Tb de 17% para 2%) 

 

O IGRA, apesar de ser menos sensível, de uma forma geral é considerado superior ao PPD no diagnóstico da ILTB em termos de valor preditivo positivo (4,5% vs. 2,3%) e acurácia na vigência de imunossupressão ou histórico de imunização com a vacina BCG.  

O PPD avalia a resposta in vivo à micobactéria por meio de reação de hipersensibilidade tardia após a instilação de 5 a 10 unidades da tuberculina na face volar do antebraço, com interpretação em 48 a 72 horas. 

O IGRA, por sua vez, avalia a atividade de células T in vitro diante da exposição a antígenos micobacterianos. O teste é baseado no montante de liberação de interferon-gama em tubo de ensaio e é pautado em três amostras: controle negativo (amostra não estimulada), controle positivo (estímulo policlonal) e a amostra de células mononucleares sob estímulo antigênico específico micobacteriano. 

Acompanhamento dos casos com triagem inicial negativa 

A triagem inicial negativa para ILTB deve dar lugar à testagem anual (IGRA + radiografia de tórax) para os indivíduos expostos às terapias avançadas associadas a alto risco de reativação da Tb.  

Tratamento da tuberculose latente e introdução da terapia avançada 

O risco adicional de progressão para doença ativa entre os imunossuprimidos é de, pelo menos, 5 a 10%, sendo que o tratamento da ILTB o reduz em 60%, sem o eliminar por completo.  

O Ministério da Saúde, em seu protocolo de ILTB de 2022, recomenda o tratamento diante de PPD ≥5 mm ou IGRA positivo na presença de alterações fibróticas sugestivas de sequela de Tb (fibroatelectasias, nódulos de Ghon e complexo de Ranke) ou de indivíduos expostos a doses elevadas de corticoide (equivalente a >15 mg/dia de prednisona por mais de 1 mês) ou terapia anti-TNF.  

 

O esquema preferencial é o 3HP, constituído por isoniazida (300 mg/comprimido) e rifapentina (150 mg/comprimido): 

 

  • >50kg: 900 mg de isoniazida + 900 mg de rifapentina, uma vez por semana, por três meses, totalizando 12 doses; 
  • <50kg: 750 mg de isoniazida + rifapentina, uma vez por semana, por três meses, totalizando 12 doses.  

O momento da introdução da terapia avançada dependerá da gravidade da doença de base.  

O ideal seria completar o tratamento da ILTB antes de instituir a imunossupressão, mas nem sempre isso é possível. Dessa forma, quando há urgência para a imunossupressão, recomenda-se aguardar ao menos 1 mês de tratamento da tuberculose latente. Diante de situações emergenciais, ambos tratamentos podem ser iniciados simultaneamente. Se houver alternativas viáveis, as drogas associadas a alto risco de reativação de Tb devem ser evitadas. 

A evolução para tuberculose ativa deve levar à pausa da terapia imunossupressora, com reintrodução idealmente somente após seis meses de tratamento, mas em casos urgentes, recomenda-se o intervalo mínimo de 2 meses, preferencialmente com a retomada condicionada à documentação da negativação microbiológica.  

Conclusão e mensagens práticas 

  • A tuberculose é a principal causa de mortalidade por infecção em todo o mundo. O Brasil é um país endêmico para tuberculose, ocupando a 20ª posição no ranking mundial. Em nosso meio, portanto, a triagem para tuberculose latente (ILTB) entre os candidatos à imunossupressão deve ser universal.  
  • Recomenda-se, além da entrevista e exame físico, a realização de radiografia de tórax, além do PPD ou IGRA. A necessidade de introdução de terapias de alto risco para reativação de tuberculose (anti-TNF ou inibidores de JAK) deve levar a consideração de tomografia computadorizada de tórax e realização simultânea de PPD e IGRA.  
  • A triagem inicial negativa deve ser acompanhada por checagem anual (radiografia de tórax + PPD) entre os indivíduos expostos às terapias de alto risco. Uma vez diagnosticada a ILTB, o tratamento preferencial é com rifapentina + isoniazida, com doses semanais por um período de 3 meses, totalizando 12 doses.  
  • A liberação da terapia imunossupressora deve se dar preferencialmente após a conclusão do tratamento da ILTB. Entretanto, em casos urgentes pode ser introduzida em 4 semanas e, em emergências, de forma simultânea ao tratamento da ILTB.  
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Referências bibliográficas

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