O câncer do trato biliar, uma neoplasia maligna considerada rara, é muito agressivo e com prognóstico desfavorável na maioria dos casos. Cerca de 70% dos pacientes são diagnosticados em estágios avançados, quando a cirurgia (única opção potencialmente curativa) já não é mais possível de ser feita. Mesmo nos casos em que a ressecção do tumor ainda é possível, as taxas de recorrência são altas, especialmente quando há comprometimento linfonodal ou margens cirúrgicas positivas.
A quimioterapia adjuvante surge então como uma estratégia para tentar reduzir o risco de recidiva e melhorar a sobrevida global do paciente, mas sua eficácia ainda é controversa na literatura. Estudos anteriores apresentaram resultados inconsistentes, e as diretrizes clínicas frequentemente se baseiam em dados limitados, como estudos retrospectivos e meta-análises que incluem poucos estudos randomizados. Esse artigo busca preencher esse hiato ao realizar uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados, oferecendo evidências mais robustas para orientar a prática médica.
Além disso, o câncer do trato biliar engloba subtipos distintos e heterogêneos (como o colangiocarcinoma intra-hepático, o perihilar e o distal, além do câncer de vesícula biliar), cada um com características biológicas e prognósticas individuais. Compreender se a quimioterapia adjuvante beneficia todos esses subtipos ou apenas subgrupos específicos é crucial para personalizar o tratamento e evitar terapias desnecessárias e tóxicas.
Método do estudo
Os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-análise seguindo protocolos rigorosos e em bases de dados abrangentes, como MEDLINE, EMBASE e registros de ensaios clínicos. Foram selecionados apenas ensaios clínicos randomizados que compararam quimioterapia adjuvante com observação em pacientes submetidos à ressecção curativa do câncer do trato biliar.
- Critérios de inclusão:
– Pacientes adultos com diagnóstico histológico confirmado.
– Ensaios que relataram pelo menos um desfecho primário (sobrevida global ou sobrevida livre de doença).
– Apenas a publicação mais recente foi considerada quando havia múltiplos relatos do mesmo estudo.
- Critérios de exclusão:
– Estudos sobre câncer periampular (que tem comportamento distinto).
– Terapias neoadjuvantes ou combinadas com radioterapia ou imunoterapia.
A qualidade metodológica foi avaliada usando o escore de Jadad, que pontua aspectos como randomização, cegamento duplo e descrição de retirada de pacientes do estudo.
População envolvida
A meta-análise incluiu cinco ensaios clínicos randomizados, totalizando 1406 pacientes (703 em cada braço: quimioterapia adjuvante vs. observação).
As características basais dos pacientes variaram entre os estudos:
– Subtipo de tumor: a maioria dos estudos incluiu múltiplos subtipos (colangiocarcinoma intra-hepático, perihilar, distal e câncer de vesícula biliar), mas um estudo focou exclusivamente em câncer de vesícula biliar.
– Status linfonodal: cerca de 50% dos pacientes tinham linfonodos positivos.
– Margens cirúrgicas: a maioria dos estudos teve alta proporção (mais de 85%) de ressecções a R0 (margens negativas), mas um estudo apresentou apenas 62% de R0.
Os regimes de quimioterapia variaram: três estudos usaram esquemas baseados em gemcitabina (isolada ou combinada com alguma platina) e dois estudos testaram fluoropirimidinas orais (capecitabina ou S-1 – esse último indisponível no mercado brasileiro).
Resultados
Os principais achados foram:
– Sobrevida global (SG): não houve benefício significativo da quimioterapia adjuvante na população geral (HR 0,89; p=0,12). Entretanto, em subgrupos específicos, os resultados foram mais promissores, como nos pacientes com linfonodos positivos, que tiveram melhora na sobrevida global (HR 0,76; p=0,009) e naqueles tratados com fluoropirimidinas orais (como S-1 ou capecitabina), que também apresentaram benefício (HR 0,78; p=0,009).
– Sobrevida livre de doença (SLD): houve benefício global da quimioterapia adjuvante (HR 0,84; p=0,01), principalmente nos pacientes com linfonodos positivos (HR 0,74; p=0,02) e naqueles que receberam fluoropirimidinas orais (HR 0,81; p=0,01).
Limitações do estudo:
– Heterogeneidade entre os estudos, especialmente em relação aos subtipos de tumor e regimes de quimioterapia.
– O benefício da quimioterapia no subgrupo de linfonodos positivos foi influenciado principalmente por um único estudo (Kohei et al. – um estudo japonês), o que reduz a robustez da conclusão.
– A qualidade metodológica dos estudos foi moderada (escore de Jadad 3/5), pois nenhum era duplo-cego.
Mensagem prática
– Para quem a quimioterapia adjuvante é útil?
Pacientes com linfonodos positivos são os que mais se beneficiam, com melhora observada tanto na sobrevida global quanto na livre de doença. Isso reforça a importância da avaliação histopatológica cuidadosa da peça cirúrgica pelo patologista.
– Qual regime quimioterápico escolher?
Fluoropirimidinas orais (como S-1 ou capecitabina) parecem ser uma opção eficaz e bem tolerada, mas a evidência ainda é limitada. Vale destacar que esquemas baseados em gemcitabina não mostraram vantagem significativa.
– O que ainda não está claro?
A quimioterapia não demonstrou benefício em pacientes com margens negativas (R0) ou linfonodos negativos, o que sugere que nem todos precisam de tratamento adjuvante.
Para a prática futura:
São necessários mais ensaios clínicos com boa qualidade metodológica e analítica para confirmar esses achados, especialmente focando nos subgrupos específicos. Enquanto isso, a decisão sobre quimioterapia adjuvante deve ser individualizada caso a caso, considerando fatores como status linfonodal, margens comprometidas, subtipo tumoral e performance status do paciente.
Esse estudo é um passo importante para entender o papel da quimioterapia adjuvante no câncer do trato biliar, mas também mostra como a oncologia é um campo em constante evolução, onde respostas definitivas muitas vezes exigem mais pesquisa e tempo e muitas respostas que considerávamos certas no passado, podem não ser mais na prática atual.
Veja também: Como diferenciar colangiocarcinoma de doenças benignas do trato biliar?
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.