Clínica Médica27 março 2024
Quais as novidades na abordagem da trombose venosa cerebral?
Revise seus conhecimentos sobre diagnóstico, tratamentos e orientações que devem ser passadas aos pacientes.
A trombose venosa cerebral (TVC) é uma rara apresentação do acidente vascular encefálico (AVC), respondendo por uma incidência de 12 casos por milhão de habitantes ao ano.
A população pediátrica e as mulheres jovens (3: 1) são os grupos mais frequentemente acometidos, observando-se um pico de incidência na 4ª década de vida, embora tenha se identificado uma tendência de aumento entre os homens e idosos.
Os principais fatores de risco incluem a gestação, exposição a contraceptivos orais, obesidade, infecções (COVID-19), imunizações (principalmente as vacinas que têm como vetor o adenovírus, expressando-se por meio da síndrome de trombocitopenia trombótica induzida por vacina ou, simplesmente, VITT), anemia e trombofilias.
A maioria dos pacientes se apresenta com síndromes agudas ou subagudas, com destaque para a hipertensão intracraniana isolada, síndromes focais e encefalopatia. A cefaleia é o sintoma inicial mais frequente (90%) e até um quarto dos indivíduos evoluiu com deterioração neurológica na fase aguda.
Os achados diretos à TC de crânio são de baixa sensibilidade: sinal do triângulo denso, sinal da corda ou hiperatenuação de seios venosos. A venografia por TC traz o desafio de diferenciar variações anatômicas mimetizadoras: atresia ou hipoplasia de seios ou granulações aracnóides proeminentes.
As alterações no parênquima cerebral oscilam entre edema vasogênico leve, hemorragias justacorticais, veias perimedulares hipointensas e hemorragias parenquimatosas graves. Na ressonância magnética (RM) as áreas de restrição à difusão, diferentemente do que ocorre no core isquêmico dos eventos arteriais, podem ser reversíveis, sugerindo uma janela terapêutica mais longa.
Prognóstico
O prognóstico está atrelado ao diagnóstico precoce e ao alcance da recanalização, ao menos parcial, nos primeiros 8 dias de anticoagulação terapêutica. Um biomarcador dinâmico promissor da recuperação da patência venosa é a queda dos níveis circulantes da metaloproteinase-9 na matriz (MMP-9). A ausência de recanalização, por sua vez, está associada a piores desfechos funcionais, aumento da incidência de cefaleia crônica e da taxa de recorrência da TVC.Tratamentos
O tratamento durante a fase aguda segue pautado na anticoagulação parenteral com heparina de baixo peso molecular. O estudo SECRET avaliou a possibilidade de introdução imediata de rivaroxabana, mas no período de pré-randomização quase todos os pacientes foram pré-tratados com anticoagulação parenteral, com mediana de 4 dias. A cirurgia descompressiva, seja a hemicraniectomia ou drenagem de hematomas, são condutas incertas, mas potencialmente salvadoras de vida diante de herniação cerebral iminente, estando associadas a melhores desfechos funcionais em estudos retrospectivos e no DECOMPRESS-2. Em relação ao tratamento endovascular, seja a trombectomia mecânica ou a trombólise in situ, embora considerado promissor, apresentou dados neutros no único RCT que alocou 67 pacientes, mostrando a necessidade de refinamento dos critérios de inclusão em estudos futuros. A evidência para o emprego de DOACs na anticoagulação de longo prazo tem ganhado corpo a partir de dados dos estudos RESPECT CVT (Dabigatrana vs. varfarina), ACTION-CVT (DOACs vs. varfarina), EINSTEIN JF e SECRET (os dois últimos envolvendo a rivaroxabana). O compilado sugere que eles têm o potencial de eficácia dos antagonistas da vitamina K e tendência de menor incidência de complicações hemorrágicas. As diretrizes recomendam a anticoagulação por 3 a 12 meses entre os indivíduos que não apresentam indicação de anticoagulação de longo prazo. Entretanto, a evidência suportiva é de baixa qualidade e os dados do estudo EXCOA-CVT são aguardados (the benefit of extending oral anticoagulation after CVT).Orientações a passar
Os pacientes devem ser educados para que possam reconhecer precocemente os sinais e sintomas indicativos de recorrência, viabilizando a retomada do tratamento em tempo hábil. Em relação às mulheres em idade fértil com histórico de TVC, a heparina de baixo peso molecular deve ser considerada durante a gestação e puerpério. Nas últimas décadas a mortalidade da TVC tem declinado substancialmente, sendo de 5% na fase aguda e 10% em longo prazo, quando metade dos óbitos se relacionam a patologias de base, como as malignidades. Vários marcadores e ferramentas prognósticas encontram-se em desenvolvimento, mas ainda carecem de validação externa. Oitenta por cento dos paciente evoluem com escala de Rankin modificada de 0 ou 1. A cefaleia persistente, alterações neuropsiquiátricas e depressão são relatadas com frequência, de forma que até 40% dos indivíduos acometidos são incapazes de retomar a atividade laborativa basal. Outras consequências de longo prazo envolvem a amaurose, epilepsia, fístulas durais e recorrência de eventos trombóticos.Conclusão e mensagens práticas
- A trombose venosa cerebral (TVC) é uma condição rara, acometendo preferencialmente mulheres jovens e a população pediátrica.
- Os fatores de risco incluem a gestação, uso de anticoncepcionais orais, obesidade, anemia e trombofilia.
- As apresentações agudas e subagudas são majoritárias, com destaque para a hipertensão intracraniana, síndromes focais e encefalopatia. Noventa por cento dos pacientes relatam cefaleia.
- Os achados à neuroimagem são de baixa sensibilidade e limitada especificidade, trazendo desafios adicionais - ressaltamos a necessidade de prosseguir com venografia por TC ou RM em casos suspeitos.
- A anticoagulação parenteral com heparina de baixo peso molecular é recomendada na fase aguda. Na fase de manutenção, o emprego de DOACs (rivaroxabana e dabigatrana) tem ganhado cada vez mais evidências, com tempo de tratamento variável entre 3 a 12 meses na ausência de indicação de anticoagulação de longo prazo.
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