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Clínica Médica13 janeiro 2025

Neuropatia autonômica em pacientes com diabetes

Estudo abordou a neuropatia autonômica cardiovascular (NAC), uma das complicações microvasculares mais graves do diabetes mellitus (DM)

Pouco lembrada na prática clínica, a neuropatia autonômica cardiovascular (NAC) é uma das complicações microvasculares mais graves do diabetes mellitus (DM), associada à alta morbidade e mortalidade. Caracterizada pela disfunção progressiva do sistema nervoso autonômico cardiovascular, a NAC contribui significativamente para a mortalidade por causas cardíacas. Estima-se que a mortalidade de pacientes com NAC avançada seja de 25 a 50% em cinco anos, superando por exemplo a mortalidade do câncer de próstata e de mama. Além disso, a CAN está correlacionada a um aumento da taxa de eventos cardiovasculares, como arritmias, isquemia miocárdica silenciosa e insuficiência cardíaca​.

Embora sua prevalência, hoje estimada em torno de 20%, varie de acordo com os estudos e a população analisada, a CAN frequentemente é subdiagnosticada, mesmo em pacientes com evidências clínicas de complicações autonômicas. Isso ocorre devido à sua apresentação inicial insidiosa e à falta de uso rotineiro de ferramentas diagnósticas sensíveis na prática clínica. No entanto, avanços em biomarcadores e tecnologias digitais, como dispositivos vestíveis para monitoramento da variabilidade da frequência cardíaca (HRV), têm o potencial de revolucionar o diagnóstico precoce e o manejo da CAN​.

Devido a importância de um tema frequentemente esquecido, trazemos para a discussão uma revisão recentemente publicada no periódico Diabetologia, jornal da European Association for the Study of Diabetes (EASD), principal sociedade europeia de diabetes.

neuropatia

Fisiopatologia da neuropatia autonômica cardiovascular (NAC)

A fisiopatologia da neuropatia autonômica cardiovascular (NAC) resulta de um processo multifatorial e complexo que envolve tanto alterações metabólicas quanto inflamatórias, tendo vias diferentes em indivíduos com DM1 ou DM2, a exemplo da neuropatia diabética periférica.

A hiperglicemia crônica é o fator principal que leva a lesão nervosa em pacientes com diabetes tipo 1, contribuindo para a disfunção neuronal via mecanismos de estresse oxidativo, formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs) e inflamação. Já nos indivíduos com diabetes tipo 2, a resistência à insulina e síndrome metabólica desempenham um papel mais significativo, acentuando a disfunção endotelial e a lesão neuronal​. Além disso, fatores como disfunção mitocondrial e alterações no metabolismo lipídico (disfunções em fosfatidilcolinas e esfingomielinas) também estão associadas à progressão da NAC, sugerindo um papel crítico dos lipídios na manutenção da função neuronal​.

A interação entre esses fatores culmina na degeneração das fibras nervosas autonômicas, resultando na perda progressiva do controle simpático e parassimpático sobre o sistema cardiovascular.

Diagnóstico da neuropatia autonômica cardiovascular (NAC)

Em primeiro lugar, a identificação precoce da NAC é essencial para prevenir complicações. Contudo, a falta de sintomas específicos em estágios iniciais, como a disfunção autonômica subclínica, torna o diagnóstico desafiador. Ferramentas avançadas de avaliação, como dispositivos digitais de ECG contínuo, estão emergindo como métodos sensíveis e acessíveis para detectar alterações precoces​. Atualmente, o diagnóstico da NAC depende de uma combinação de métodos clínicos e tecnológicos, sendo que a SBD preconiza o uso de testes de reflexo autonômico cardiovascular como o padrão ouro.

– Testes de Reflexo Autonômico Cardiovascular: Considerados padrão-ouro, os testes avaliam a resposta do sistema nervoso autônomo a estímulos, como variação da frequência cardíaca (HRV) durante respiração profunda, manobra de Valsalva e alterações posturais. A diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), em seu posicionamento de 2021, traz os testes com o epônimo de “testes de Ewig”.

Variabilidade da Frequência Cardíaca: Indicador sensível da função autonômica, medido por dispositivos de ECG portáteis ou vestíveis. Alterações precoces na HRV são frequentemente detectáveis antes de sintomas clínicos evidentes​.

– Hipotensão Ortostática: Definida por uma queda ≥20 mmHg na pressão sistólica ou ≥10 mmHg na pressão diastólica ao se levantar, essa é uma manifestação tardia, mas significativa, da CAN.

– Intervalo QT no ECG: Prolongamento do intervalo QT pode indicar disfunção autonômica e aumento do risco de morte súbita​.

– Microscopia Confocal de Córnea: Uma técnica emergente que avalia a densidade e a morfologia das fibras nervosas da córnea, correlacionando-se com a gravidade da CAN.

Recentemente, dispositivos como relógios inteligentes e sensores corporais com capacidade de monitorar a variabilidade da frequência cardíaca em tempo real estão ganhando destaque pela capacidade de detecção contínua e não invasiva. Além disso, o uso da inteligência artificial (IA) através de modelos baseados em aprendizado de máquina aplicados a dados de ECG têm mostrado acurácia crescente na identificação de disfunção autonômica em pacientes assintomáticos​, o que pode auxiliar na detecção subclínica da condição. Contudo, tais métodos ainda carecem de validação diagnóstica.

Tratamento

Infelizmente, ainda carecemos de medidas específicas para o tratamento da NAC, porém o enfoque deve ser o controle intensivo da glicemia, de fatores de risco como a dislipidemia, controle de sintomas e a associação de medidas não farmacológicas.

  • Controle glicêmico

Evidências robustas de estudos como o DCCT/EDIC mostram que o controle glicêmico intensivo em pacientes com DM1 pode reduzir a incidência de NAC em até 6%, principalmente nos primeiros 5 anos após o diagnóstico​. Já em indivíduos com DM2, os benefícios do controle glicêmico na prevenção da NAC são mais modestos, reforçando a importância de uma abordagem multifatorial.

  • Terapias Farmacológicas

Novos estudos mostram que terapias específicas para o DM podem ter um impacto adicional no controle e tratamento da NAC. Nesse sentido, o destaque vai mais uma vez para os inibidores de SGLT-2 e agonistas de GLP-1. Os iSGLT2 podem ter efeitos benéficos indiretos na função autonômica devido à redução de fatores inflamatórios e metabólicos, enquanto os agonistas de GLP-1 melhoram os desfechos cardiovasculares, embora possam aumentar a frequência cardíaca, potencialmente exacerbando sintomas em casos avançados​. O uso de antioxidantes, como o ácido alfa-lipoico, têm demonstrado benefícios na redução do estresse oxidativo e melhora dos sintomas autonômicos.

  • Intervenções Não Farmacológicas

Programas de exercícios aeróbicos e de resistência têm mostrado melhora nos índices de variabilidade da frequência cardíaca e função autonômica em pacientes com diabetes tipo 2​. Vale destacar que intervenções nutricionais que promovem a redução da resistência à insulina e a perda de peso estão associadas a uma melhor função autonômica também.

  • Manejo de Sintomas Específicos

Quanto ao tratamento direcionado aos sintomas, destacam-se medidas para controle da hipotensão ortostática e de arritmias. Em relação ao primeiro, o tratamento pode incluir medidas posturais, como elevação da cabeceira da cama, hidratação intensiva e, em casos graves, medicamentos como midodrina ou fludrocortisona. Já no caso das arritmias, é importante a consulta e opinião do cardiologista no manejo, mas os autores da revisão pontuam sobre o uso de beta bloqueadores para controlar taquicardia, embora com cautela em casos avançados.

Perspectivas 

O futuro do manejo da NAC reside no avanço das tecnologias de diagnóstico e na personalização das intervenções terapêuticas. Para tanto, ainda necessitamos de ensaios clínicos que avaliem a eficácia de novas terapias alvo, além do desenvolvimento amplo de dispositivos vestíveis e análises baseadas em inteligência artificial com o potencial de permitir o monitoramento contínuo e intervenções.

A neuropatia autonômica cardiovascular representa um desafio significativo no manejo de pacientes com diabetes, dado seu impacto substancial na morbidade e mortalidade. Apesar de não haver terapias modificadoras da doença amplamente aceitas, intervenções multifatoriais, combinando controle glicêmico intensivo, manejo de fatores de risco e uso tecnologias emergentes podem ser a chave para a detecção precoce e prevenção de complicações graves.

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Referências bibliográficas

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