Em outubro de 2015, a partir de nosso artigo “Fosfoetanolamina : A cura do câncer, entre a fé e a ciência”, relatamos a polêmica envolvida no uso da suposta milagrosa droga, sinalizando para a possível trama que estava por se formar, entre instituições governamentais, instituições médicas e científicas e a sociedade civil. Meses depois e com a trama formada, estamos diante de uma situação ainda mais grave e polêmica, com a iminente liberação do uso da substância sem nenhuma comprovação de eficácia ou segurança.
Projeto de lei aprovado pelo Senado federal libera fabricação, distribuição e uso da fosfoetanolamina sintética, popularmente conhecida como a pílula do câncer, devido a sua promessa de cura de tumores malignos.
No entanto, apesar da permissão do legislativo, projeto de lei precisa ser assinado pela presidente da República, e a ANVISA deve recomendar que Dilma vete a liberação da fosfoetanolamina, visto que sua eficácia e segurança ainda estão sendo colocadas a teste, e a mesma não pode ser nem mesmo considerada como medicação, por não apresentar registro na ANVISA.
O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que coordena a pesquisa com a substância, divulgou relatório parcial do estudo, demonstrando que os primeiros experimentos in vitro com a substância não foram nada animadores. Dos três componentes da cápsula de fosfoetanolamina fabricada pela USP, apenas a monoetanolamina apresentou potencial antitumoral, e, ainda assim, bem abaixo da magnitude observada por outras drogas antitumorais já disponíveis no mercado.
Os mesmos relatórios do MCTI, no entanto, também apontam para a necessidade de se testar in vivo a cápsula, visto que o potencial antitumoral pode ser maior nestas condições, dada a necessidade de ativação de alguma via metabólica para potencialização de seu efeito.
Desconsiderando os relatórios da pesquisa e até mesmo a posição da Anvisa, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Celso Pansera recomendou que a fosfoetanolamina seja legalizada como suplemento alimentar pelo órgão, categoria na qual a substância dispensaria dos testes de aprovação de medicamentos.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica condena este posicionamento, afirmando a gravidade em se administrar uma subtância cuja segurança não foi colocada a prova. Oncologistas relatam que são constantemente questionados sobre a prescrição da substância para seus pacientes, e comumente os pacientes ficam insatisfeitos pelo posicionamento do profissional, que se nega a prescrever a substância por questões éticas e falta de evidência.
Alguns pacientes, dado o desespero e a promessa milagrosa de cura, chegam a abandonar os tratamentos convencionais para adotar o tratamento experimental sem autorização médica alguma. A aprovação da comercialização da substância, mesmo que não enquadrada como medicamento, seria de uma total irresponsabilidade das autoridades, por estarem fomentando o desespero dos pacientes com falsas promessas e colocando os mesmos contra seus médicos. Aguardemos os próximos episódios dessa novela.
Referências Bibliográficas:
- Relatos de cura não provam eficácia da fosfoetanolamina, alertam médicos: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/10/relatos-de-cura-nao-provam-eficacia-da-fosfoetanolamina-alertam-medicos.html
- Fosfoetanolamina: testes iniciais apontam baixo potencial contra tumor: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/03/fosfoetanolamina-testes-iniciais-apontam-baixo-potencial-contra-tumor.html
- Ministro quer que fosfoetanolamina seja legalizada como suplemento: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/03/ministro-quer-que-fosfoetanolamina-seja-legalizada-como-suplemento.html
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