De acordo com a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente um em cada sete adolescentes têm algum problema de saúde mental. A saúde mental pode ser entendida como um estado de bem-estar, no qual os indivíduos podem ativamente se engajar nas atividades diárias enquanto mantém um balanço entre emoções positivas e negativas, tendo como elementos chaves a competência social e autoestima.
A competência social se refere a habilidade de lidar de forma eficaz com interações sociais, incluindo construir e manter relacionamentos próximos, além de responder de maneira adaptativa em diversos contextos sociais. Ela é um fator essencial para o desenvolvimento da saúde mental, contribuindo para o aumento do bem-estar dos adolescentes, apoiando seu crescimento emocional, cognitivo e social. A maior competência social em adolescentes está associada a menores níveis de sintomas internalizantes como ansiedade e depressão.
Nos últimos anos a atividade física tem sido destacada como uma intervenção para saúde mental capaz de reduzir a ansiedade, depressão, estresse e melhorar a autoestima. Pesquisas têm mostrado que a atividade física desempenha um papel central no desenvolvimento da competência social em adolescentes. A participação em esportes propicia interações sociais diversas, ampliando as redes de relacionamentos. Além disso, a atividade física melhora tanto os aspectos comportamentais quanto cognitivos da competência social, contribuindo para melhorias gerais na saúde.
Nesse sentido, o estudo de Quan Fu e colaboradores buscou investigar os efeitos da atividade física na saúde mental de crianças e adolescentes com desenvolvimento típico, focando no seu impacto na competência social. No estudo, foram consideradas “crianças e adolescentes com desenvolvimento típico” indivíduos saudáveis entre 5-18 anos que não tenham diagnóstico de transtornos mentais, comportamentais ou do neurodesenvolvimento.
Método
O estudo foi realizado de acordo com as diretrizes Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Artigos em inglês publicados entre 01 de janeiro de 2020 e 01 de julho de 2024 foram buscados nas seguintes bases de dados: CNKI, EBSCOhost, PubMed, Scopus, e Web of Science.
Os critérios de inclusão com base no modelo PICOS foram os seguintes:
(1) População: crianças e adolescentes com desenvolvimento típico. (2) Intervenção: diversas formas de atividade física (exercício aeróbico, exercício anaeróbico e treinamento de condicionamento físico). (3) Controle: indivíduos da mesma população que não participaram de exercícios físicos estruturados, incluindo aqueles em grupos regulares de educação física, grupos de controle em lista de espera ou grupos sem intervenção de atividade física. (4) Desfechos: estudos que relataram saúde mental positiva (por exemplo, autoestima, autoeficácia, ajustamento social, desempenho social, habilidades sociais) e saúde mental negativa (por exemplo, depressão, ansiedade, estresse) como desfechos primários ou secundários, tanto na linha de base quanto após a intervenção. (5) Desenho do estudo: foram incluídos estudos com grupo de intervenção e controle, abrangendo tanto ensaios clínicos randomizados quanto ensaios clínicos não randomizados.
Resultados
30 estudos foram incluídos no trabalho. O tamanho da amostra variou de 19-662 participantes, com idades de 5-17 anos. 11 estudos foram conduzidos nos EUA, 4 no Reino Unido, 4 na Índia, 3 na Austrália, 2 no México, 1 na China, 1 na Grécia, 1 na Polônia, 1 na Coreia do Sul e 1 na Turquia.
A duração da intervenção foi de 1 semana a 4 anos, com durações que iam de 10 a 90 minutos por sessão, e frequências que variaram de 1 a 10 sessões. As intensidades das intervenções variaram de baixa a alta. A maioria das intervenções era predominantemente aeróbica ou uma combinação de atividades aeróbicas e anaeróbicas. A maioria dos estudos envolveu intervenções realizadas em aulas de educação física no ambiente escolar.
O grupo que participou de atividades físicas apresentou uma melhora significativa em comparação ao grupo controle (DMP (diferença média padronizada) = 0,37, IC 95%: 0,20 a 0,53, p < 0,01), indicando que a atividade física melhora significativamente a saúde mental em crianças. A atividade física foi mais eficaz para meninos e adolescentes do sexo masculino (DMP = 1,11, IC 95%: 0,34 a 1,88, p < 0,01) em comparação com as meninas (DMP = 0,22, IC 95%: 0,08 a 0,36, p > 0,05), sendo particularmente benéfica no ensino secundário (DMP = 0,45, IC 95%: 0,23 a 1,69, p < 0,01).
Intensidade e Frequência
As intervenções com menos de 10 semanas foram as mais benéficas (DMP = 0,49, IC 95%: 0,28 a 0,70, p < 0,01), com os efeitos positivos diminuindo à medida que a duração aumentava. Intervenções com mais de 20 semanas apresentaram efeitos significativamente mais fracos (DMP = 0,05, IC 95%: -0,1 a 0,19, p > 0,05). Quanto à frequência, intervenções realizadas mais de três vezes por semana foram as mais eficazes, com o aumento da frequência das sessões levando a maiores benefícios (DMP = 1,63, IC 95%: 1,03 a 2,22, p < 0,01). Sessões de 15 a 45 minutos (DMP = 0,40, IC 95%: 0,17 a 0,63, p < 0,01) foram mais eficazes do que aquelas com mais de 45 minutos (DMP = 0,30, IC 95%: 0,05 a 0,50, p < 0,01), com a eficácia diminuindo conforme aumentava a duração de cada sessão. Quanto à intensidade, exercícios de intensidade moderada apresentaram os melhores resultados (DMP = 0,79, IC 95%: 0,44 a 1,15, p < 0,05), enquanto intensidades mais baixas (DMP = 0,08, IC 95%: -0,16 a 0,27, p < 0,01) e mais altas (DMP = 0,13, IC 95%: -0,06 a 0,31, p < 0,01) foram menos eficazes.
Tipos de Atividade Física
Atividades aeróbicas, de resistência e mistas tiveram impacto positivo na saúde mental, sendo os exercícios aeróbicos os que apresentaram os melhores resultados (DMP = 0,56, IC 95%: 0,34 a 0,77, p < 0,01). Além disso, tanto as intervenções com atividade física após o horário escolar quanto as realizadas em aulas de educação física tiveram impacto positivo na saúde mental, mas as intervenções após o horário escolar (DMP = 0,34, IC 95%: 0,17 a 0,50, p < 0,01) foram mais eficazes do que as aulas tradicionais de educação física (DMP = 0,49, IC 95%: 0,03 a 0,94, p < 0,01).
Desfechos em Saúde Mental
Para a depressão, oito estudos relataram um impacto significativo do exercício, com um DMP de 0,46 (IC 95%: 0,01 a 0,92, p < 0,01). Onze estudos encontraram uma redução significativa na ansiedade, com um DMP de 0,29 (IC 95%: 0,03 a 0,62, p < 0,01). Em relação à autoestima, quatorze estudos demonstraram um efeito positivo, com um DMP de 0,10 (IC 95%: 0,09 a 0,28, p < 0,01). A competência social também foi expressivamente melhorada, conforme indicado por seis estudos, com um DMP de 0,56 (IC 95%: 0,07 a 1,06, p < 0,05). Sete estudos revelaram que o exercício foi particularmente eficaz na redução do estresse, apresentando um DMP de 0,86 (IC 95%: 0,15 a 1,56, p < 0,01).
Discussão
Os participantes dos grupos de intervenção com atividade física tiveram resultados expressivamente melhores que o grupo controle. A atividade física melhora múltiplas dimensões da saúde mental incluindo ansiedade, depressão, estresse, autoestima e competência social. A atividade física foi particularmente benéfica para homens e estudantes secundaristas, a despeito de melhorar a saúde mental de crianças e adolescentes de diferentes gêneros e idade. Entre os diferentes tipos de intervenção, o exercício aeróbico de intensidade moderada na forma de atividade física após as aulas, com sessões ocorrendo três ou mais vezes por semana, cada uma com duração de 15 a 60 minutos e abrangendo 1 a 10 semanas, provou ser o mais benéfico para melhorar a saúde mental em crianças e adolescentes. Vale destacar que intervenções excessivamente frequentes podem resultar em irritabilidade e agressão, o que pode piorar emoções negativas e diminuir a efetividade da atividade física.
A atividade física melhorou significativamente a competência social das crianças (a atividade física frequentemente envolve interação entre pares, o que desempenha um papel crucial no desenvolvimento das habilidades sociais das crianças). Para adolescentes, participar de atividades com colegas oferece oportunidades de praticar habilidades sociais, desenvolver empatia e aprender a compreender as perspectivas dos outros, promovendo a competência social. O efeito da atividade física na saúde mental de pré-escolares não alcançou significância estatística.
Limitações
- Inclusão de artigos somente em língua inglesa;
- Baixa qualidade geral das evidências devido às limitações metodológicas dos estudos incluídos (muitos estudos não-randomizados e poucos duplo-cegos);
- A adesão dos adolescentes a atividade física não foi investigada.
Impactos para a Prática Clínica
- Houve uma melhora expressiva na saúde mental de crianças e adolescentes com desenvolvimento típico com a prática de atividade física;
- A atividade física modificou significativamente vários aspectos da saúde mental (ansiedade, depressão, estresse, autoestima e competência social);
- A atividade física melhorou significativamente a competência social das crianças;
- Os achados reforçam a importância de incorporar a atividade física regular às rotinas diárias dos adolescentes como uma estratégia preventiva para melhorar a saúde mental.
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