A síndrome de Behçet (SB) é uma doença inflamatória crônica que pode evoluir com vasculite de vasos de calibres variáveis. As características mais marcantes da doença são as úlceras orais e genitais recorrentes, que podem se associar a manifestações cutâneas, musculoesqueléticas, oculares, neurológicas, cardiovasculares, gastrointestinais, entre outras.
Apesar de o tratamento padrão para a doença ser a imunossupressão, eventualmente procedimentos cirúrgicos são necessários. Os desfechos desses procedimentos, no entanto, não são amplamente conhecidos.
Nesse sentido, Jung et al. conduziram um estudo cujo objetivo foi avaliar a proporção dos pacientes com SB que apresentaram complicações pós-operatórias em diferentes procedimentos cirúrgicos e compará-los com controles.
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Métodos
Foram analisados 389 pacientes com SB que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos no Hospital Universitário Nacional de Seoul entre janeiro/2003 e dezembro/2019. Foram incluídos controles na proporção de 1:1, pareados por idade no momento da cirurgia, sexo e tipo de cirurgia. As complicações cirúrgicas foram definidas como complicações da ferida operatória e das anastomoses (deiscência e/ou estenose); para cirurgia oftalmológica, foram investigados hifema, hemorragia intravítrea, deiscência de ferida operatória, descolamento de retina e endoftalmite.
Resultados
Foram incluídos 389 pacientes com diagnóstico de SB (60,4% preencheram os critérios ISG e 88,7% preencheram os critérios ICBD), que contribuíram com 632 cirurgias. A idade média foi de 42,9±12,1 anos, sendo 45% do sexo masculino; a duração média de doença foi de 7,0±7,0 anos. O acometimento cardíaco, vascular, gastrointestinal e neurológico estava presente em 4,6%, 1,18%, 19,8% e 4,4% dos pacientes.
Dentre as cirurgias realizadas, as oftalmológicas foram as mais frequentes (n=276, 43,6%), seguidas das abdominais (n=64), ortopédicas (n=55), ginecológicas/obstétricas (n=42), vasculares (n=36), cardíaca (n=30), de partes moles (n=26), urológicas (n=25), otorrinolaringológicas (n=25), tireoidianas (n=15), neurológicas (n=14), torácicas (n=13) e mamárias (n=11).
Os pacientes com SB eram menos frequentemente hipertensos (15,7% vs. 29,3%, p<0,001) e diabéticos (7,6% vs. 19,0%, p<0,001) do que os controles, mas usaram corticoide (47,9% vs. 4,4%, p<0,001) e imunossupressores (31,0% vs. 0,9%, p<0,001) no período perioperatório mais frequentemente. As provas inflamatórias foram mais elevadas nos pacientes com SB do que nos controles.
Os autores identificaram 36 complicações, dentre os 632 procedimentos cirúrgicos realizados nos pacientes com SB (5,7%). As mais frequentes foram deiscência de sutura (38,9%), deiscência de anastomose (22,2%), sangramento (13,9%), infecções (8,3%) e estenoses (5,6%). O tempo médio até a ocorrência de complicação foi de 12 (IQR 7,8-22,0) dias. As complicações foram mais frequentes nas cirurgias cardíacas (33,3%) e vasculares (22,2%), mas foram raras nas cirurgias oftalmológicas (1,5%). Dentre os casos complicados, 17 (2,7%) necessitaram de nova abordagem cirúrgica com a mediana de 15 dias; 4 pacientes morreram com a mediana de 21 dias. Após ajuste para fatores de confundimento, pacientes com SB apresentaram uma chance aumentada de complicações do sítio operatório (OR 3,4, IC95% 1,4-8,0) e reabordagem (OR 5,2, IC95% 1,2-22,8) após cirurgia cardiovascular. No entanto, essas diferenças não foram identificadas em outros tipos de cirurgia.
Comentários
Esse estudo nos mostra que os pacientes com SB apresentam um risco aumentado de complicações após cirurgias cardiovasculares. Por esse motivo, é fundamental que exista uma cooperação próxima entre os reumatologistas e cirurgiões cardiovasculares para melhorar os desfechos desses casos.
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