Os eventos adversos gastrointestinais relacionados aos inibidores checkpoint (ICPs) são uma importante interface entre a oncologia e a gastroenterologia.
Atualmente, os ICPs têm sido empregados em um número crescente de malignidades, como os cânceres de mama, colorretal, bexiga, linfoma Hodgkin e melanoma, entre outros, ampliando as possibilidades terapêuticas nesses cenários.
Os ICPs tornam mais eficaz a resposta imunológica antitumoral ao atuarem como anticorpos direcionados aos seguintes alvos:
- Antígeno 4 associado aos linfócitos T citotóxicos (CTLA-4);
- Receptor de morte celular programa 1 (PD-1);
- Ligante de morte celular programada 1 (PD-L1).
Os efeitos adversos imunomediados dos ICPs, entretanto, geram morbidade significativa, tendo o trato gastrointestinal (TGI) como o segundo principal sítio, logo após o envolvimento cutâneo. A distribuição de acometimento no TGI, por sua vez, não é uniforme, conforme ilustrado na tabela abaixo.
Epidemiologia dos efeitos adversos gastrointestinais dos ICPs | |||
Comuns |
Menos comuns |
Infrequentes |
Raros |
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Entre todos os eventos adversos gastrointestinais mencionados, a colite imunomediada (CIM) é o principal por sua maior prevalência, gravidade e corpo de literatura a ela dedicada.
A colite imunomediada
O principal sintoma da CIM é a diarreia, acometendo quase 40% de todos os usuários de imunoterapia. Cerca de 10% dos pacientes expostos aos ICPs desenvolvem a colite, caracterizada por dor abdominal em cólica, febre e disenteria, com a presença de sangue e muco nas fezes.
Os principais fatores de risco, além da imunoterapia combinada (anti-CTLA-4 + anti-PD-1/L1), incluem a exposição a outros fármacos, como:
- Inibidores da tirosina quinase (imatinibe e nilotinibe, entre outros);
- Inibidores da bomba protônica;
- AINEs;
- Antibióticos.
Outras condições basais que amplificam o risco são a obesidade e histórico pregresso de doença inflamatória intestinal.
Graduando os sintomas
A gradação dos sintomas deve ser realizada com o sistema CTCAE (Common Terminology Criteria for Adverse Events), embora o prognóstico seja melhor definido a partir de dados endoscópicos e anatomopatológicos.
Gradação da Diarreia pelo sistema CTCAE | |
Grau | Características |
1 | Aumento do número de evacuações diárias (NED) < 4 em relação ao basal ou aumento leve do débito de ostomia. |
2 |
Aumento do NED entre 4 e 6 em relação ao basal ou aumento moderado do débito de ostomia, limitando as atividades instrumentais de vida diária. |
3 | Aumento do NED ≥ 7 em relação ao basal ou aumento importante do débito de ostomia, indicação de internação e/ou limitação do autocuidado. |
4 | Consequências ameaçadoras à vida, com indicação de intervenção urgente. |
5 |
Morte. |
Gradação da Enterocolite pelo sistema CTCAE | |
Grau | Características |
1 | Assintomático. |
2 | Dor abdominal, muco ou sangue nas fezes. |
3 | Dor abdominal intensa ou persistente, febre, íleo ou sinais de irritação peritoneal. |
4 | Consequências ameaçadoras à vida, com indicação de intervenção urgente. |
5 | Morte. |
Principais diagnósticos diferenciais
O diagnóstico diferencial da CIM contempla as coinfecções, como Clostridioides difficile, Giardia duodenalis, EBV e CMV, frequentemente atreladas a maior gravidade clínica. É importante considerar a dosagem de toxina A e B e GDH, bem como incluir a pesquisa de CMV à imuno-histoquímica.
A condução clínica
Os sintomas de grau 1 devem ser manejados com medidas conservadoras: modificações dietéticas, uso de analgésicos e antidiarreicos, a exemplo da loperamida.
Os sintomas de grau 2 ou superior, associados ao aumento de lactoferrina ou calprotectina fecal, exigem a avaliação endoscópica. Nesse quesito, como o envolvimento do cólon esquerdo está presente em 98% dos casos, a retossigmoidoscopia flexível, com biópsias seriadas, costumeiramente é suficiente. Nesses casos, recomenda-se também a corticoterapia.
A evidência mais robusta é para a prednisona, na dose de 0,5 a 1 mg/kg/dia, evitando-se doses diárias superiores a 60 mg/dia. A redução gradual deve se dar ao longo de 4 a 6 semanas a partir da regressão dos sintomas para o grau 1. A budesonida, por sua vez, é uma alternativa aos corticoides sistêmicos, embora a evidência seja mais limitada.
A internação hospitalar deve ser indicada nos pacientes com sintomas de grau 3 ou superior.
Na ausência de resposta satisfatória à corticoterapia em 72 horas, bem como na presença de preditores endoscópicos de alto risco (úlceras com profundidade < 2 mm, extensão > 1 cm ou processo inflamatório difuso), deve-se considerar a terapia imunossupressora com infliximabe ou vedolizumabe.
A resposta clínica é mais rápida com infliximabe, embora o vedolizumabe se associe a menor duração da corticoterapia e a menor taxa de hospitalizações.
A refratariedade à terapia imunossupressora deve motivar a troca de agente ou a discussão sobre transplante de microbiota fecal (TMF), uma estratégia promissora tanto na primeira linha de tratamento como medida de resgate.
As complicações e o papel do cirurgião do aparelho digestivo
As complicações são raras, mas potencialmente graves, a exemplo de distúrbios hidroeletrolíticos, megacólon tóxico, obstrução e perfuração intestinal. Diante de evolução desfavorável, é fundamental o acompanhamento conjunto por cirurgião do aparelho digestivo.
A colectomia subtotal pode se fazer necessária em casos de perfuração ou megacólon tóxico e a ileostomia pode ser considerada no manejo sintomático de colite aguda grave.
Prognóstico
A despeito da morbidade da fase aguda, o prognóstico é bom, com 90% de remissão livre da corticoide após a administração de infliximabe ou vedolizumabe. Nos casos de doença refratária, a taxa de sucesso do TMF é de 85%.
Aproximadamente metade dos pacientes pode ter a imunoterapia retomada, com taxa de recorrência entre 17% e 36%, sendo mais provável com a reintrodução de agentes anti-CTLA-4.
Um dado interessante é o de que a CIM é um fator de melhor prognóstico da doença oncológica de base.
Conclusão e mensagens práticas
- Os inibidores checkpoint (ICPs) representam um grande avanço no tratamento oncológico, mas estão atrelados a eventos adversos de grande morbidade.
- A colite imunomediada se destaca por ser o evento adverso gastrointestinal mais prevalente, grave e estudado relacionado aos ICPs.
- A abordagem terapêutica passa por tratamento sintomático (antidiarreicos), corticoterapia e terapia imunossupressora, com destaque para o infliximabe e vedolizumabe.
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