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Clínica Médica11 outubro 2025

CBCM 2025: Hábitos sem sentido na Clínica Médica

Veja os destaques da Conferência sobre Medicina Interna, conduzida pelo Dr. Christopher Winney, médico norte-americano da Cleveland Clinic. 
Por Leandro Lima

Na cobertura do 18° Congresso Brasileiro de Clínica Médica, realizado em Olinda/PE, entre 09 e 11 de outubro de 2025, destacamos a Conferência sobre Medicina Interna, conduzida pelo Dr. Christopher Winney, médico norte-americano da Cleveland Clinic. 

Foram escolhidos 4 elementos-chave no cotidiano da Clínica Médica:  

  • Ecocardiograma transtorácico (ECOTT) universal no tromboembolismo pulmonar (TEP); 
  • Suspensão de anticoagulação oral em decorrência de quedas em idosos; 
  • Suspensão da dieta a partir de meia-noite para procedimentos ou cirurgias; 
  • Mensuração de dados vitais durante a madrugada para pacientes de baixo risco. 

Embolia Pulmonar é igual a Ecocardiograma? 

O TEP, como qualquer outra entidade clínica, logo após o seu diagnóstico, deve ser submetido à estratificação de gravidade. Nesse aspecto, a ferramenta mais convencional é o PESI (Índice de gravidade da Embolia Pulmonar) ou a sua versão simplificada (sPESI). 

O ECOTT somente está indicado nas categorias III a V (risco intermediário ou alto), sendo útil diante choque circulatório (pressão arterial sistólica < 90 mmHg) ou sinais de disfunção do ventrículo direito à angiotomografia de tórax, cenários em que o método realmente tem potencial de auxiliar na tomada de decisão quanto à trombólise. Na categoria de risco intermediário e pacientes normotensos, valores elevados de BNP, NT pró-BNP ou troponina, podem ser considerados com gatilhos para a avaliação da função do ventrículo direito ao ECOTT. 

O recado é claro: não há indicação de ECOTT nos pacientes estáveis e sem suspeita de disfunção do ventrículo direito (PESI I ou II), pois é muito improvável que traga qualquer modificação adicional de conduta nesses casos. 

Quedas em idosos: Motivo suficiente para suspender a anticoagulação? 

A idade é um fator de risco adicional para a ocorrência de eventos cardioembólicos em pacientes com fibrilação atrial (FA), ao passo que também incrementa o risco de quedas.  

É natural que o histórico de quedas frequentes ligue um sinal de alerta ao médico assistente sobre a segurança da anticoagulação. O receito é principalmente quanto ao risco de hemorragias maiores em sistema nervoso central (hematoma epidural, subdural e intraparenquimatoso, bem como hemorragia subaracnóidea traumática. 

A Medicina Baseada em Evidências traz um certo sossego em relação ao ímpeto desprescritivo: a relação de risco vs. benefício da anticoagulação na FA somente se tornaria desfavorável com um número estupendo de quedas anuais, da ordem de 295 para os usuários de varfarina e 458 para os usuários de DOACs.   

É tão verdade que as quedas não devem ser consideradas como protagonistas da decisão de não anticoagular que nenhum dos principais escores preditivos de sangramento (HAS-BLED, ORBIT e DOAC score) contemplam essa variável.  

Isso significa que nunca vamos desprescrevê-los na FA? Não! A medida em que a fragilidade avança e que a funcionalidade decai, o benefício da anticoagulação se dissipa, e a suspensão deve ser considerada em um processo de decisão compartilhada com o paciente e os seus familiares. 

Jejum para quê? 

A famosa “dieta zero” é um dos principais motivos de insatisfação dos pacientes e familiares durante a estadia hospitalar e, na maioria das vezes, é exagerada ou completamente desnecessária.  

Para se ter uma ideia, a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA), uma especialidade que classicamente é vista como excessivamente defensiva, é clara em seu posicionamento quanto aos tempos de suspensão pré-operatória da dieta com o intuito de minimizar o risco de broncoaspiração: 

  • Alimentos gordurosos ou fritos: 8 horas; 
  • Alimentos leves e leite não humano: 6 horas; 
  • Líquidos: 2 horas (água, chá, café preto, sucos sem polpa e líquidos claros com carboidrato, com ou sem proteína).  

O significado é de que, na prática, a maioria das ordens de interrupção da dieta à meia-noite é desnecessária.  

O esclarecimento sobre esse aspecto crucial no âmbito da medicina interna deve ser compartilhado por todos os envolvidos, desde nutricionistas e enfermeiros, até anestesiologistas e cirurgiões, para que todos falem a mesma linguagem.   

Desculpe acordá-la, dona Maria, mas preciso aferir a sua pressão arterial 

A aferição dos sinais vitais durante a madrugada pode ser evitada em pacientes internados com condições de baixo risco, desde que a estabilidade clínica seja confirmada.  

Estudos recentes, incluindo ensaios clínicos randomizados e modelos preditivos, demonstram que a suspensão dos controles noturnos em pacientes estáveis e de baixo risco não aumenta o risco de eventos adversos, como transferências para UTI ou alarmes de emergência, e resulta em menos interrupções do sono, melhorando a experiência hospitalar e potencialmente a recuperação. 

De fato, a monitorização frequente de sinais vitais no cenário descrito carece de evidência robusta de benefício, podendo ser individualizada. A decisão deve ser baseada em protocolos institucionais, avaliação clínica e, quando disponível, ferramentas preditivas validadas para identificar pacientes elegíveis à redução da monitorização noturna.

Obviamente, a ideia é não negligenciar casos graves ou identificar tardiamente intercorrências ominosas como insuficiência respiratória, neutropenia febril, parada cardiorrespiratória ou óbito, mas utilizar do bom senso.  

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A prática da Medicina Interna deve ser reflexiva. Velhos hábitos não são necessariamente benéficos, mas podem estar tão arraigados ao cotidiano que muitas vezes se tornam quase imperceptíveis. O antídoto é a revisão periódica da forma como exercemos a nossa profissão, mantendo o olhar atento para os motivos de insatisfação relatados por nossos pacientes.   

Confira a cobertura completa do Congresso Brasileiro de Clínica Médica 2025!

Autoria

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Leandro Lima

Editor de Clínica Médica da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ⦁ Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019) ⦁ Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

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Referências bibliográficas

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