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Clínica Médica5 setembro 2024

Carcinoma hepatocelular: o que o clínico deve saber?

Os critérios de Milão versam sobre a elegibilidade para o transplante hepático e estão associados às dimensões e número de lesões. Confira no artigo.
Por Leandro Lima

O câncer de fígado representa a terceira causa mais prevalente de mortalidade oncológica em todo o mundo, sendo o carcinoma hepatocelular (CHC) o principal representante das neoplasias hepáticas primárias.  

O fator de risco mais proeminente para o seu desenvolvimento é a doença hepática crônica avançada (DHCA ou, simplesmente, “cirrose”), substrato que perfaz aproximadamente 80% de todos os casos. Logo, 1 em cada 5 pacientes acometidos por CHC não apresentam DHCA, cenário em que se destacam a infecção crônica pelo HBV, doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (MASLD), etilismo,  tabagismo e exposição à aflatoxina B1. 

O momento atual é de redução do impacto da HBV e HCV enquanto causas de CHC, por conta dos programas de imunização em massa, em que a primeira dose da vacina da hepatite B costumeiramente é administrada ao nascimento; e as potentes e cada vez mais disponíveis terapias antivirais direcionadas ao HCV. Por outro lado, os casos de CHC relacionados à MASLD e etilismo encontram-se em ascensão, motivo pelo qual ênfase deve ser direcionada à adoção de hábitos de vida saudáveis, como reeducação alimentar e prática regular de atividade física, na mitigação dos riscos.  

Carcinoma hepatocelular na doença hepática gordurosa não alcoólica com ou sem cirrose

Quando há indicação para rastreamento de CHC? 

Destacamos abaixo os grupos de paciente de alto risco para o desenvolvimento de CHC, em que há indicação para o rastreamento com a combinação entre ultrassonografia abdominal (US) e dosagem de alfafetoproteína (AFP) a cada seis meses: 

  • DHCA (“cirrose”): risco de CHC ≥ 1%/ano;  
  • Infecção crônica pelo HBV: risco de CHC ≥ 0,2%/ano, especialmente entre homens > 40 anos e mulheres > 50 anos;  
  • História familiar de CHC;  
  • Escore PAGE-B ≥ 10 pontos (contempla idade, sexo e contagem da plaquetas).  

 

Os programas de rastreamento reduzem a mortalidade específica por CHC (RR 0,63 – IC 95%: 0,41 a 0,98, em um RCT que envolveu quase 19.000 chineses portadores de HBV), associando-se com aumento da taxa de detecção precoce, possibilidade de tratamento curativo e melhora da sobrevida geral.  

A melhor sensibilidade é alcançada com a combinação entre US e dosagem de AFP: 63%, enquanto o uso isolado do US se associa a maior especificidade. Dessa forma, apesar de recomendações dúbias de sociedades, em nosso meio, o mais consensual é a adoção do rastreio com ambas as ferramentas. 

O rastreamento positivo é estabelecido pela presença de uma nova lesão hepática ≥ 1 cm identificada ao US, AFP ≥ 20 ng/mL ou valores crescentes de AFP. Nessas condições, a recomendação é prosseguir com estudo seccional de imagem trifásico, como a TC ou RM de abdome.  

O rastreamento não deve ser recomendado em pacientes com expectativa de vida limitada a menos que 1 ou 2 anos ou com doença hepática descompensada inelegível para o transplante.  

Os estudos por imagem podem definir o diagnóstico em cenários clínicos apropriados, como na presença de DHCA de etiologia não vascular, HBV crônica com PAGE-B ≥ 10 pontos ou histórico prévio de CHC. É sempre desejável que o laudo radiológico siga a padronização do LI-RADS, interpretado da seguinte maneira:   

Como interpretar o LI-RADS? 

LR-1 

Lesão definitivamente benigna. 

LR-2 

Lesão provavelmente benigna.  

LR-3 

Probabilidade de CHC entre 20 e 40%. 

LR-4 

Probabilidade de CHC entre 60 e 70%. 

L4-5 

Probabilidade de CHC de 95%. 

 Os casos suspeitos de CHC devem ser discutidos por equipes multidisciplinares, envolvendo hepatologistas, cirurgiões transplantadores e hepatobiliares, radiologistas intervencionistas, radioterapeutas e oncologistas. Essa forma estruturada de abordagem relaciona-se com redução da mortalidade (HR 0,63 – IC 95%: 0,45 a 0,88 – em dados de uma meta-análise que envolveu mais de 14.000 pacientes) e permite o refinamento das decisões sobre as melhores estratégias terapêuticas, que nos estágios iniciais incluem:  

Estratégia 

Sobrevida 

Recorrência de CHC em 5 anos 

Ressecção cirúrgica 

Superior a 70% em 5 anos 

50 a 60% 

Ablação 

 

50 a 60% 

Transplante hepático 

Mediana de 10 anos 

10% 

Os critérios de Milão versam sobre a elegibilidade para o transplante hepático e estão associados às dimensões e número de lesões: 1 lesão ≤ 5 cm ou 2 a 3 lesões ≤ 3 cm, podendo-se recorrer ao down-staging por meio de terapias locorregionais, como a quimioembolização transarterial (TACE), radioembolização transarterial (RACE) e radioterapia externa.  

 

Conclusão e mensagens práticas 

O câncer de fígado é a terceiro principal causa de mortalidade oncológica em todo o mundo, sendo que o carcinoma hepatocelular (CHC) é o principal representante das malignidades hepáticas primárias. Os programas de rastreamento devem ser direcionados às populações de alto risco: cirrose, infecção crônica pelo vírus B (PAGE-B > 10 pontos) e história familiar de CHC. O método combinado (ultrassonografia do abdome + alfafetoproteína) fornece a melhor sensibilidade.  

O rastreio positivo é definido pela presença de 1 lesão hepática nova ≥ 1 cm, AFP ≥ 20 ng/mL ou em curva de ascensão. Nesses casos, deve-se prosseguir com estudos seccionais trifásicos de imagem. Os laudos radiológicos devem ser padronizados em conformidade com a classificação de LI-RADS e os casos devem ser discutidos por equipes multidisciplinares, com objetivo de traçar a melhor estratégia diagnóstica e terapêutica.

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Referências bibliográficas

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