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Clínica Médica5 dezembro 2024

Candida auris: um perigo real

A Candida auris tipicamente é identificada em surtos hospitalares, que já foram documentados em mais de 45 países, incluindo o Brasil
Por Leandro Lima

A Candida auris, descrita de forma inédita em 2009 no Japão, é um fungo oportunista que raramente forma hifas ou pseudo-hifas.  

O epíteto auris tem origem no latim e significa orelha, remontando ao sítio anatômico em que a infecção foi primeiramente identificada. 

Algumas características tornam o patógeno particularmente preocupante sob o âmbito da saúde pública mundial, entre as quais:  

  • A ampla resistência antifúngica; 
  • Resiliência ao calor e ao estresse osmótico; 
  • Adesão intensa à pele humana e à superfície de objetos inanimados, às custas de uma adesina específica: a Scf1 (surface colonization factor).  

A C. auris tipicamente é identificada em surtos hospitalares, que já foram documentados em mais de 45 países, incluindo o Brasil. Entretanto, o fungo já foi isolado em águas costeiras da Colômbia, superfície de maçãs e mucosas de cães, o que demonstra o seu amplo potencial de propagação.  

O sequencialmente genômico permitiu a distinção de 5 clados que guardam correlação geográfica e podem ser assim descritos: 

 

 

Clado 

 

Nomenclatura  

Maior potencial de resistência antifúngica 

Fluconazol 

Anfotericina 

I 

Sul asiático 

  

II 

Leste asiático 

 

 

III 

Africano 

 

 

IV 

Sul-americano 

  

V 

Iraniano 

 

 

  

Os fatores de risco para a colonização por esse patógeno não são distintos das outras espécies do gênero:  

  • Idade avançada; 
  • Pós-operatórios complicados; 
  • Exposição a antibióticos de amplo espectro ou antifúngicos; 
  • Presença de invasões (acessos venosos centrais, cateteres vesicais, ventilação mecânica e hemodiálise);  
  • Nutrição parenteral total; 
  • Imunossupressão (neutropênicos, transplantados, usuários crônicos de corticoides e exposição à terapia biológica anti-IL-17);  
  • Infecção grave por COVID-19; 
  • Estadia em unidades de internação prolongada, especialmente aquelas que acomodam pacientes em ventilação mecânica. 

A colonização se dá primariamente na pele, incluindo as narinas, axilas e região inguinal, notadamente na topografia dos folículos pilosos. O trato gastrointestinal e urogenital, ao contrário do que ocorre em espécies como a C. albicans e C. glabrata, não é sede frequente de colonização pela C. auris, motivo pelo qual as mucosites, esofagites e vulvovaginites serem infrequentes. 

Leia mais: Candida auris: o que fazer diante de um caso?

A contenção de surtos hospitalares exige a rápida identificação da C. auris, bem como a realização de exames de vigilância point of care e adoção de precaução de contato dos casos suspeitos. As acomodações individuais ou criação de pequenas coortes de casos confirmados são recomendadas. Os instrumentos e as equipes de saúde devem ser preferencialmente exclusivas para o atendimento desses pacientes, como forma de atenuar a propagação nosocomial.  

As infecções invasivas têm na candidemia a sua apresentação mais frequente, sendo que essa complicação se instala em um quarto dos indivíduos colonizados e pode se associar à sepse, disseminação hematogênica e alta mortalidade, estimada entre 30 e 60%. 

Sítios de disseminação hematogênica da C. auris 

  • Líquor e meninges;  
  • Endoftalmite e infecções otológicas; 
  • Pleura, pericárdio e miocárdio;  
  • Fluido peritoneal, biliar, fígado e baço; 
  • Ossos e feridas operatórias. 

As culturas convencionais de ágar-dextrose Sabouraud permitem a cultura da C. auris, mas as suas características morfológicas são indistintas de outras espécies. Dessa forma, o CDC recomenda a submissão das culturas a altas temperaturas (40 a 42°C) e concentrações salinas elevadas de 10%. 

Meios de cultura especiais, mais específicos, podem ser utilizados, como o novo ágar cromogênico: CHROMagar Candida Plus e HardyCHROM Candida+.  

A identificação acurada e rápida pode ser obtida por espectrometria de massa, a exemplo do método MALDI-TOF, disponível em alguns laboratórios centrais públicos brasileiros. Outras possibilidades de identificação incluem o sequenciamento parcial do DNA ribossômico e técnicas de PCR  

O tratamento das infecções deve ser realizado prioritariamente com as equinocandinas, que inibem a produção de β-glucano da parede celular fúngica. Embora a resistência à classe seja alarmante, tendo triplicado nos últimos anos, atualmente ela ainda se limita a 5% das cepas isoladas.  

Nas crianças menores do que 2 meses, a primeira opção é a anfotericina, em virtude da maior propensão à meningoencefalite e à baixa penetração das equinocandinas no sistema nervoso central. 

A resistência aos azólicos, como o fluconazol, voriconazol e posaconazol, é de 90%, sendo mediada principalmente por mutações no gene ERG11, que codifica a enzima lanosterol 14α-demetilase, motivo pelo qual somente devem ser considerados na terapia sequencial para cepas suscetíveis em casos selecionados.  

A anfotericina, tida como um último reduto na maioria das infecções fúngicas, apresenta resistência em 30% dos casos de C. auris 

A taxa de falha terapêutica é elevada, motivando o monitoramento próximo, bem como a realização de hemoculturas de controle. A resistência primária à equinocandina é rara, mas pode se desenvolver secundariamente em algumas cepas.  

Nos casos de candidemia, o tratamento deve ser mantido por 2 semanas após o clareamento das hemoculturas, podendo ser ampliado na presença de infecções metastáticas para sítios específicos. As invasões suspeitas devem ser removidas e avaliação oftalmológica deve ser aventada, sobretudo na presença de sintomas oftalmológicos, embora a concordância entre a candidemia e a endoftalmite seja baixa.  

A positividade das hemoculturas por mais de 5 dias, a despeito do uso de equinocandinas, deve motivar a substituição por formulação lipídica da anfotericina.  

As novas perspectivas de abordagem da C. auris incluem o desenvolvimento de vacinas, avaliação da eficácia de novos antifúngicos já disponíveis em alguns países, como a rezafungina e ibrexafungerp, e a análise da performance do promissor fosmanogepix, que se encontra em estudo de fase 3.  

candida auris

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A Candida auris representa um perigo real para a saúde pública mundial.  
  • Destaca-se das outras espécies do gênero pela ampla resistência aos antifúngicos e maior capacidade de adesão à pele humana e às superfícies inanimadas.  
  • Os principais fatores de risco incluem a idade avançada, imunossupressão, exposição à terapia antimicrobiana de amplo espectro, presença de invasões e nutrição parenteral. 
  • A candidemia é a apresentação invasiva mais frequente, atrelada à mortalidade de até 60%.  
  • As equinocandinas, em geral, são o tratamento de primeira linha, com resistência estimada em 5%.  
  • A anfotericina deve ser a alternativa para crianças menores do que 2 meses ou casos refratários, a exemplo de hemoculturas persistentemente positivas.  
  • Os azólicos somente podem ser considerados com terapia sequencial nas cepas suscetíveis, o que ocorre em menos de 10% dos casos.   

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Referências bibliográficas

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