As estenoses esofágicas benignas, como aquelas de etiologia péptica, cáustica, actínicas e pós-operatórias, geralmente são controláveis com dilatação endoscópica convencional, seja por meio do emprego de velas ou balões hidrostáticos, com taxa de resposta satisfatória superior aos 90%.
As estenoses refratárias, entretanto, são complexas e impõe a necessidade de intervenções endoscópicas frequentes, com recidiva sintomática precoce (disfagia, dor retroesternal pós-alimentar, regurgitação e impactação alimentar) e comprometimento do status nutricional.
As principais definições das estenoses esofágicas refratárias, caracteristicamente fibróticas e cicatriciais, incluem:
- A necessidade de dilatação a cada duas semanas;
- A inviabilidade de se alcançar o diâmetro mínimo de 14 mm após a dilatação;
- E a incapacidade de manutenção da patência luminal após 5 sessões de dilatação endoscópicas.
As alternativas terapêuticas para esses casos incluem, em conjunto com a dilatação endoscópica seriada, a administração por cateter injetor de corticoides (triancinolona, por exemplo) ou mitomicina C na topografia da estenose, bem como a terapia incisional (needle-knife) ou a implantação de stents esofágicos temporários.
A terapia de autodilatação esofágica (TADE), que em uma primeira vista pode gerar repulsa e remeter à prática circense de engolimento de espadas, pode, em termos práticos, estender, de modo significativo, o tempo entre as dilatações endoscópicas, com extensão do intervalo entre as sessões para até um ano.
Trata-se de uma modalidade primariamente descrita na década de 1970 e com potencial de conferir maior autonomia e melhorar a qualidade de vida do paciente, minimizando a dependência dos serviços de endoscopia. Ademais, o procedimento pode se associar à redução da morbidade, dos custos hospitalares e do montante de dias produtivos perdidos.
O estudo
O Dr. Halland e colaboradores publicaram em 2024 um estudo sobre o tema no periódico Digestive Diseases and Sciences.
Foram alocados 25 pacientes com idade maior ou igual a 18 anos, triados entre 2018 e 2021, em dois estudos que avaliaram a eficácia da TADE:
- Um randomizado e controlado (RCT), contemplando 12 pacientes: seis no grupo TADE e seis no grupo de terapia endoscópica;
- Outro observacional e prospectivo, que englobou 13 pacientes alocados à TADE.
O pequeno número amostral é um fator limitante, mas compreendido na perspectiva da baixa incidência das estenoses refratárias e a alocação de pacientes oriundos de apenas dois centros de endoscopia digestiva da clínica Mayo (Rochester e Arizona), fatos que, sem dúvidas, limitam a generalização dos achados.
A inclusão no programa se deu após a realização de um tratamento convencional de dilatação endoscópica até um diâmetro luminal esofágico ≥ 10 mm e a realização de um treinamento dedicado à TADE em uma a três sessões.
Como é feita a autodilatação esofágica? |
|
Na presença de disfagia recorrente ou dificuldades técnicas com a TADE, o tratamento endoscópico deve ser retomado, sendo considerada a falha da autodilatação a demanda ≥ duas dilatações endoscópicas no primeiro trimestre da terapia.
Os critérios de exclusão, muito importantes da seleção da casuística, foram os seguintes:
- Estenoses malignas;
- Estenoses anguladas com insegurança à TADE;
- Falha em alcançar o diâmetro luminal mínimo de 10 mm;
- Incapacidade de aprendizado da técnica por questões cognitivas, sensoriais ou motoras;
- Vigência de anticoagulação terapêutica.
Os desfechos analisados incluíram o número de dilatações endoscópicas, tempo até a primeira dilatação endoscópica, evolução da disfagia, eventos adversos e complicações do procedimento.
A mediana de idade foi de 63 anos, sendo metade da amostra composta por homens, com predomínio das estenoses proximais e da etiologia actínica ou anastomótica.
No estudo randomizado, a demanda por dilatação endoscópica foi de 100% no grupo controle, como o programado, e de apenas 50% no grupo da TADE (P = 0,02). O intervalo mediano para a primeira dilatação foi maior no grupo da TADE em relação ao grupo controle: 43 vs. sete dias (P = 0,03). O relato de ausência de dificuldades de deglutição foi maior no grupo TADE do que no grupo controle: 66% vs. 0%. Em termos de segurança, houve um caso de perfuração esofágica, associada à fístula traqueobrônquica, nos primeiros dias da auto-dilatação. Não houve sangramento no grupo intervenção.
Já no estudo observacional, o número mediano de dilatações caiu de sete no período pré-TADE para um nos primeiros seis meses após o procedimento (P < 0,001). Seis pacientes (42%) não demandaram dilatação endoscópica nos primeiros 6 meses após o início da terapia. A mediana para a primeira dilatação endoscópica, por recorrência de disfagia, foi de 46 dias. A dificuldade de deglutição no momento inicial do estudo foi relatada por 90% dos pacientes, com queda para 50% após a introdução da intervenção.
A capacidade de aprendizado da técnica de autodilatação foi de 88%. Entre os pacientes que tiveram recorrência de disfagia e necessidade de retomada da dilatação endoscópica, quatro apresentavam recorrência de malignidade, uma importante consideração.
Em consonância com a temática abordada, um abstract publicado por Ioannidis e colaboradores no American Foregut Society em setembro de 2024 alocou 43 pacientes do University College Hospital London, um grande centro terciário europeu.
Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo e que demonstrou que o intervalo mediano sem dilatação saltou de 60 para 405 dias entre os pacientes treinados na autodilatação.
A demanda por dilatação endoscópica, por outro lado, declinou de sete para uma por ano.
A taxa de complicações foi baixa, com um caso da hematêmese e um caso de estenose actínica que evoluiu com perfuração esofágica e demanda por intervenção cirúrgica. Ressalta-se que o número de complicações não foi superior ao esperado com as convencionais intervenções endoscópicas.
Conclusão e mensagens práticas
- A terapia de autodilatação esofágica (TADE) desponta como uma estratégia eficaz e segura para o manejo de indivíduos com estenoses esofágicas benignas e refratárias ao tratamento endoscópico convencional.
- O número amostral modesto, com pacientes provenientes de poucas instituições, entretanto, traz a necessidade de estudos adicionais, prospectivos e multicêntricos, antes que essa promissora intervenção possa ser adotada de maneira mais ampla.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.