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Clínica Médica7 fevereiro 2025

Autodilatação na estenose esofágica benigna

As estenoses esofágicas benignas, como aquelas de etiologia péptica, cáustica, actínicas e pós-operatórias, geralmente são controláveis ​​com dilatação endoscópica convencional
Por Leandro Lima

As estenoses esofágicas benignas, como aquelas de etiologia péptica, cáustica, actínicas e pós-operatórias, geralmente são controláveis ​​com dilatação endoscópica convencional, seja por meio do emprego de velas ou balões hidrostáticos, com taxa de resposta satisfatória superior aos 90%.  

As estenoses refratárias, entretanto, são complexas e impõe a necessidade de intervenções endoscópicas frequentes, com recidiva sintomática precoce (disfagia, dor retroesternal pós-alimentar, regurgitação e impactação alimentar) e comprometimento do status nutricional.  

As principais definições das estenoses esofágicas refratárias, caracteristicamente fibróticas e cicatriciais, incluem: 

  • A necessidade de dilatação a cada duas semanas;  
  • A inviabilidade de se alcançar o diâmetro mínimo de 14 mm após a dilatação;  
  • E a incapacidade de manutenção da patência luminal após 5 sessões de dilatação endoscópicas.  

As alternativas terapêuticas para esses casos incluem, em conjunto com a dilatação endoscópica seriada, a administração por cateter injetor de corticoides (triancinolona, por exemplo) ou mitomicina C na topografia da estenose, bem como a terapia incisional (needle-knife) ou a implantação de stents esofágicos temporários. 

A terapia de autodilatação esofágica (TADE), que em uma primeira vista pode gerar repulsa e remeter à prática circense de engolimento de espadas, pode, em termos práticos, estender, de modo significativo, o tempo entre as dilatações endoscópicas, com extensão do intervalo entre as sessões para até um ano.   

Trata-se de uma modalidade primariamente descrita na década de 1970 e com potencial de conferir maior autonomia e melhorar a qualidade de vida do paciente, minimizando a dependência dos serviços de endoscopia. Ademais, o procedimento pode se associar à redução da morbidade, dos custos hospitalares e do montante de dias produtivos perdidos. 

estenose esofágica

O estudo

O Dr. Halland e colaboradores publicaram em 2024 um estudo sobre o tema no periódico Digestive Diseases and Sciences. 

Foram alocados 25 pacientes com idade maior ou igual a 18 anos, triados entre 2018 e 2021, em dois estudos que avaliaram a eficácia da TADE: 

  • Um randomizado e controlado (RCT), contemplando 12 pacientes: seis no grupo TADE e seis no grupo de terapia endoscópica; 
  • Outro observacional e prospectivo, que englobou 13 pacientes alocados à TADE. 

O pequeno número amostral é um fator limitante, mas compreendido na perspectiva da baixa incidência das estenoses refratárias e a alocação de pacientes oriundos de apenas dois centros de endoscopia digestiva da clínica Mayo (Rochester e Arizona), fatos que, sem dúvidas, limitam a generalização dos achados.  

A inclusão no programa se deu após a realização de um tratamento convencional de dilatação endoscópica até um diâmetro luminal esofágico ≥ 10 mm e a realização de um treinamento dedicado à TADE em uma a três sessões.  

 

Como é feita a autodilatação esofágica? 

  1. Anestesia tópica em orofaringe (spray de lidocaína);  
  1. Posicionamento neutro da cabeça (olhar direcionado para frente);  
  1. Introdução oral de um dilatador esofágico de polivinil (Maloney®) com diâmetro progressivo de até 14 ou 18 mm.  
  1. A respiração relaxada e pausada auxilia na inibição do reflexo do vômito.  
  1. A deglutição deve ser estimulada ao se alcançar, com a extremidade distal do dilatador, o esfíncter esofágico superior. 
  1. Uma vez alcançado o esôfago, o paciente deve assumir a posição de extensão da cabeça e avançar o dilatador em velocidade confortável.  
  1. A topografia do alvo estenótico é sinalizada por meio de marcador tátil na extremidade proximal do dilatador, confeccionada com base nos dados endoscópios prévios, que uma vez na topografia dos dentes incisivos, deve desencadear a rápida retirada do dilatador.  
  1. O procedimento deve ser repetido duas vezes ao dia, por uma semana. Uma vez que a disfagia tenha sido controlada e não seja mais perceptível resistência à passagem do dilatador, a frequência é reduzida para uma vez ao dia.  

 

Na presença de disfagia recorrente ou dificuldades técnicas com a TADE, o tratamento endoscópico deve ser retomado, sendo considerada a falha da autodilatação a demanda ≥ duas dilatações endoscópicas no primeiro trimestre da terapia.  

Os critérios de exclusão, muito importantes da seleção da casuística, foram os seguintes: 

  • Estenoses malignas;  
  • Estenoses anguladas com insegurança à TADE; 
  • Falha em alcançar o diâmetro luminal mínimo de 10 mm;  
  • Incapacidade de aprendizado da técnica por questões cognitivas, sensoriais ou motoras; 
  • Vigência de anticoagulação terapêutica.   

Os desfechos analisados incluíram o número de dilatações endoscópicas, tempo até a primeira dilatação endoscópica, evolução da disfagia, eventos adversos e complicações do procedimento.  

A mediana de idade foi de 63 anos, sendo metade da amostra composta por homens, com predomínio das estenoses proximais e da etiologia actínica ou anastomótica.  

No estudo randomizado, a demanda por dilatação endoscópica foi de 100% no grupo controle, como o programado, e de apenas 50% no grupo da TADE (P = 0,02). O intervalo mediano para a primeira dilatação foi maior no grupo da TADE em relação ao grupo controle: 43 vs. sete dias (P = 0,03). O relato de ausência de dificuldades de deglutição foi maior no grupo TADE do que no grupo controle: 66% vs. 0%. Em termos de segurança, houve um caso de perfuração esofágica, associada à fístula traqueobrônquica, nos primeiros dias da auto-dilatação. Não houve sangramento no grupo intervenção.   

Já no estudo observacional, o número mediano de dilatações caiu de sete no período pré-TADE para um nos primeiros seis meses após o procedimento (P < 0,001). Seis pacientes (42%) não demandaram dilatação endoscópica nos primeiros 6 meses após o início da terapia. A mediana para a primeira dilatação endoscópica, por recorrência de disfagia, foi de 46 dias. A dificuldade de deglutição no momento inicial do estudo foi relatada por 90% dos pacientes, com queda para 50% após a introdução da intervenção.  

A capacidade de aprendizado da técnica de autodilatação foi de 88%. Entre os pacientes que tiveram recorrência de disfagia e necessidade de retomada da dilatação endoscópica, quatro apresentavam recorrência de malignidade, uma importante consideração.  

Em consonância com a temática abordada, um abstract  publicado por Ioannidis e colaboradores no American Foregut Society em setembro de 2024 alocou 43 pacientes do University College Hospital London, um grande centro terciário europeu.  

Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo e que demonstrou que o intervalo mediano sem dilatação saltou de 60 para 405 dias entre os pacientes treinados na autodilatação.  

A demanda por dilatação endoscópica, por outro lado, declinou de sete para uma por ano.  

A taxa de complicações foi baixa, com um caso da hematêmese e um caso de estenose actínica que evoluiu com perfuração esofágica e demanda por intervenção cirúrgica. Ressalta-se que o número de complicações não foi superior ao esperado com as convencionais intervenções endoscópicas. 

Conclusão e mensagens práticas 

  • A terapia de autodilatação esofágica (TADE) desponta como uma estratégia eficaz e segura para o manejo de indivíduos com estenoses esofágicas benignas e refratárias ao tratamento endoscópico convencional.  
  • O número amostral modesto, com pacientes provenientes de poucas instituições, entretanto, traz a necessidade de estudos adicionais, prospectivos e multicêntricos, antes que essa promissora intervenção possa ser adotada de maneira mais ampla. 

 

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Referências bibliográficas

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