Um dos grandes argumentos favoráveis à utilização da dosagem de amônia arterial entre pacientes críticos com insuficiência hepática recai sobre aqueles sedados e em ventilação mecânica. Nesse contexto, a inviabilidade de realização de um exame neurológico mais detalhado e, dessa maneira, as dificuldades do acompanhamento evolutivo da encefalopatia hepática, tornam as informações prognósticas dessa ferramenta especialmente relevantes.
A insuficiência hepática aguda (IHA) e a insuficiência hepática crônica agudizada (ACLF) são duas emergências associadas à mortalidade hospitalar elevada, de até 50%, e trazem a demanda frequente pelo transplante hepático.
O aumento dos níveis séricos de amônia na insuficiência hepática está, sabidamente, associado a desfechos neurológicos mais graves, a saber:
- Encefalopatia hepática avançada (grau 3 e 4 de West-Haven);
- Edema cerebral;
- Crises convulsivas;
- Hipertensão intracraniana;
- Herniação em tronco cerebral;
- Morte encefálica.
Além da neurotoxicidade intrínseca à molécula, a hiperamonemia está implicada em disfunção imunológica e, por conseguinte, em risco de infecções secundárias, um gatilho proeminente para a disfunção multiorgânica.
A amônia chega ao fígado predominantemente pela circulação portal, sendo derivada, de forma igualitária, da conversão de glutamina endógena pelos enterócitos e da degradação de substratos nitrogenados bacterianos e dietéticos.
Uma vez nos hepatócitos, a amônia pode seguir três caminhos: conversão à ureia (ciclo da ureia); conversão à glutamina (glutamina sintetase) ou se manter inalterada.
Veja também: Doença hepática associada ao álcool
Além do fígado, outros órgãos desempenham um papel importante no metabolismo da amônia, como o cérebro, músculos e rins, sendo que os últimos também participam da sua excreção.
A hiperamonemia decorre principalmente da perda de hepatócitos viáveis, um evento costumeiramente mais rápido e intenso na IHA, e que gera a penetração no sistema nervoso central (SNC), acúmulo nos astrócitos e, dessa forma, edema cerebral. Na ACLF, os mecanismos osmóticos compensatórios cerebrais têm tempo de se estabelecer, protegendo contra esse fenômeno. Por outro lado, na ACLF a sarcopenia é muito mais prevalente, contribuindo para o aumento dos níveis séricos de amônia pela redução da depuração muscular.
Amônia arterial |
|
As terapias destinadas à hiperamonemia, que visam a melhora da encefalopatia hepática e do edema cerebral, podem ser sintetizadas conforme exposto na tabela abaixo:
O benefício das estratégias de modulação da hiperamonemia na insuficiência hepática | ||
Estratégia |
IHA |
ACLF |
Laxativos (lactulose, lactitol e PEG) |
Incertos |
Efetivos |
Rifaximina (antibiótico oral não absorvível) |
Incerta |
Efetiva |
LOLA (L-ornitina-L-aspartato) |
Incerta |
Efetiva |
Terapia renal substitutiva (modalidade contínua) |
Efetiva |
Incerta |
Modalidades de diálise hepática (Prometheus® e MARS®) |
Incertas |
Incertas |
Plasmaférese de alto volume (8-12L) |
Efetiva |
Incerta |
IHA: Insuficiência hepática aguda. ACLF: Insuficiência hepática crônica agudizada; PEG: Polietilenoglicol.
Leia mais: Entenda o que é insuficiência hepática crônica agudizada
Conclusão e Mensagens práticas
- A insuficiência hepática aguda (IHA) e a insuficiência hepática crônica agudizada (ACLF) são emergências de alta mortalidade.
- A dosagem de amônia arterial apresenta grande valor negativo preditivo para encefalopatia hepática quando abaixo de 50 a 70 µmol/L.
- Por outro lado, valores acima de 150 µmol/L são preditores de evolução para graus avançados de encefalopatia hepática, bem como edema cerebral e suas complicações.
- Os métodos mais amplamente utilizados para atenuar a hiperamonemia na IHA são a hemodiálise contínua e a plasmaférese; enquanto na ACLF destacam-se a lactulose, rifaximina e LOLA.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.