Os adoçantes não nutritivos (ANN) — também chamados de adoçantes não calóricos (ANC) — dão sabor doce a alimentos e bebidas sem acrescentar calorias e sem provocar picos glicêmicos. Por isso, costumam ser considerados aliados em dietas de restrição calórica e no controle de peso.
Por outro lado, o consumo crescente de produtos com ANN tem sido associado a síndrome metabólica e a outras doenças crônicas. Uma síntese recente de ensaios clínicos randomizados indica que, quando comparados a adoçantes calóricos (p. ex., açúcar), os ANN se relacionam a pequena perda ponderal de curto prazo (−0,14 kg/m²; baixa certeza da evidência) e nenhuma alteração mensurável — para melhor ou pior — na composição corporal, pressão arterial, perfil lipídico e marcadores de diabetes tipo 2.
Em 2025, uma revisão publicada na Immunometabolism reuniu o que se sabe até aqui sobre como os ANN podem afetar a saúde por meio da modulação do microbioma intestinal.
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Métodos
Trata-se de uma revisão de estudos em humanos, combinando ensaios intervencionais e observacionais que avaliaram ANN, microbioma e desfechos cardiometabólicos. Os autores também consideraram experimentos ex vivo com comunidades microbianas derivadas do intestino humano expostas a ANN.
Foram compiladas evidências publicadas até 2024 contemplando diferentes adoçantes (sacarina, sucralose, aspartame, acesulfame-potássio, estévia, entre outros).
Resultados
Foram identificados nove ensaios com 14 braços de intervenção desta revisão, o N variou de 7 a 27 (média de 16,6 participantes por braço). O panorama é heterogêneo: oito braços detectaram mudanças na microbiota após o uso de ANN; um encontrou efeito limitado; cinco não observaram diferenças relevantes.
Comparando sacarina, sucralose e estévia, não houve consenso quanto ao efeito de cada composto sobre o microbioma. Ainda assim, a direção dos achados metabólicos e microbianos caminhou, em geral, lado a lado: em três braços houve alteração da homeostase da glicose; em três, verificou-se correlação entre microbioma e parâmetros metabólicos; um estudo descreveu mudanças de expressão em vias inflamatórias do tecido adiposo; outro não reportou desfechos metabólicos além do peso, que não mudou de forma significativa.
Sete estudos coorte/transversais sugerem que o uso regular de ANN se associa a mudanças de composição microbiana e a maior frequência de síndrome metabólica, HbA1c elevada e alterações de enzimas hepáticas. Em alguns trabalhos, consumidores de ANN apresentaram assinaturas taxonômicas distintas, com maior prevalência de Proteobacteria e de Enterobacteriaceae/Escherichia — sobretudo E. coli — em grupos com diabetes tipo 2.
Modelos com microbiota fecal humana cultivada em biorreatores (ambiente que tenta mimetizar o intestino) reforçam parte do quadro: há estudos relatando aumento de Enterobacteriaceae e, em vários casos, elevação de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) — acetato, propionato e butirato — embora esse último achado oscile entre trabalhos.
Convém temperar a leitura: são sistemas artificiais, sujeitos a diferenças de dose, meio de cultivo, pH e fluxo de metabólitos, além da ausência do hospedeiro (sem o qual parte do “crosstalk” microbiano não aparece). Mesmo assim, esses modelos ajudam a explicar mecanismos e dialogam com observações em humanos.
Considerações
O conjunto das evidências — humanas, observacionais e pré-clínicas — aponta que ANN podem alterar a microbiota intestinal; se isso ajuda ou atrapalha o metabolismo depende do contexto. Muitos ensaios foram pequenos (≤ 27 participantes), de curta duração (1–12 semanas) e incluíram usuários habituais de adoçantes, o que pode diluir efeitos. Em estudos que excluíram consumidores regulares, as mudanças microbianas tendem a ser mais nítidas.
Não parece haver um “culpado único” por tipo de adoçante. O efeito varia conforme dose, padrão alimentar, tempo de uso e, sobretudo, o perfil individual do microbioma. Dada essa variabilidade, faz sentido individualizar a recomendação: considerar composição e função da microbiota e o estado metabólico do paciente. Existem ainda hipóteses de modulação de paladar e de vias neurometabólicas pelos ANN; são plausíveis, mas carecem de confirmação.
Conclusão e mensagem prática
Em resumo: os ANN podem modificar a microbiota intestinal em humanos, porém os resultados são irregulares e sensíveis ao desenho do estudo, à dose, à forma de apresentação (sachê, gota, cápsula) e ao microbioma de base. Em linhas gerais, quando não há efeito microbiano detectável, tampouco se veem pioras metabólicas; já em observacionais, consumidores habituais aparecem com HbA1c e enzimas hepáticas mais altas com maior frequência.
A OMS atualmente não recomenda ANN para perda de peso ou prevenção de doenças. Até que surjam ensaios maiores e mais longos, a prática mais sensata é a moderação, avaliação caso a caso e atenção ao padrão alimentar e a sintomas gastrointestinais.
É importante ressaltar também a quantidade reduzida de estudos que foram analisados, sendo necessários novos comparativos com uma amostra maior para mais embasamento. Para o futuro, o ideal são estudos robustos, com estratificação por microbiota e por exposição prévia/prolongada, para sabermos quem se beneficia e quem se prejudica — abrindo espaço a recomendações personalizadas em vez de diretrizes genéricas.
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