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Oncologia16 junho 2025

Quimioterapia adjuvante no câncer do trato biliar

Revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados avalia o real impacto da quimioterapia adjuvante no câncer do trato biliar

O câncer do trato biliar, uma neoplasia maligna considerada rara, é muito agressivo e com prognóstico desfavorável na maioria dos casos. Cerca de 70% dos pacientes são diagnosticados em estágios avançados, quando a cirurgia (única opção potencialmente curativa) já não é mais possível de ser feita. Mesmo nos casos em que a ressecção do tumor ainda é possível, as taxas de recorrência são altas, especialmente quando há comprometimento linfonodal ou margens cirúrgicas positivas. 

A quimioterapia adjuvante surge então como uma estratégia para tentar reduzir o risco de recidiva e melhorar a sobrevida global do paciente, mas sua eficácia ainda é controversa na literatura. Estudos anteriores apresentaram resultados inconsistentes, e as diretrizes clínicas frequentemente se baseiam em dados limitados, como estudos retrospectivos e meta-análises que incluem poucos estudos randomizados. Esse artigo busca preencher esse hiato ao realizar uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados, oferecendo evidências mais robustas para orientar a prática médica. 

Além disso, o câncer do trato biliar engloba subtipos distintos e heterogêneos (como o colangiocarcinoma intra-hepático, o perihilar e o distal, além do câncer de vesícula biliar), cada um com características biológicas e prognósticas individuais. Compreender se a quimioterapia adjuvante beneficia todos esses subtipos ou apenas subgrupos específicos é crucial para personalizar o tratamento e evitar terapias desnecessárias e tóxicas. 

Quimioterapia

Método do estudo 

Os autores realizaram uma revisão sistemática e meta-análise seguindo protocolos rigorosos e em bases de dados abrangentes, como MEDLINE, EMBASE e registros de ensaios clínicos. Foram selecionados apenas ensaios clínicos randomizados que compararam quimioterapia adjuvante com observação em pacientes submetidos à ressecção curativa do câncer do trato biliar. 

  • Critérios de inclusão:

– Pacientes adultos com diagnóstico histológico confirmado. 

– Ensaios que relataram pelo menos um desfecho primário (sobrevida global ou sobrevida livre de doença). 

– Apenas a publicação mais recente foi considerada quando havia múltiplos relatos do mesmo estudo. 

  • Critérios de exclusão:

– Estudos sobre câncer periampular (que tem comportamento distinto). 

– Terapias neoadjuvantes ou combinadas com radioterapia ou imunoterapia. 

A qualidade metodológica foi avaliada usando o escore de Jadad, que pontua aspectos como randomização, cegamento duplo e descrição de retirada de pacientes do estudo.  

População envolvida 

A meta-análise incluiu cinco ensaios clínicos randomizados, totalizando 1406 pacientes (703 em cada braço: quimioterapia adjuvante vs. observação).  

As características basais dos pacientes variaram entre os estudos: 

Subtipo de tumor: a maioria dos estudos incluiu múltiplos subtipos (colangiocarcinoma intra-hepático, perihilar, distal e câncer de vesícula biliar), mas um estudo focou exclusivamente em câncer de vesícula biliar. 

Status linfonodal: cerca de 50% dos pacientes tinham linfonodos positivos. 

Margens cirúrgicas: a maioria dos estudos teve alta proporção (mais de 85%) de ressecções a R0 (margens negativas), mas um estudo apresentou apenas 62% de R0. 

Os regimes de quimioterapia variaram: três estudos usaram esquemas baseados em gemcitabina (isolada ou combinada com alguma platina) e dois estudos testaram fluoropirimidinas orais (capecitabina ou S-1 – esse último indisponível no mercado brasileiro). 

Resultados 

Os principais achados foram: 

Sobrevida global (SG): não houve benefício significativo da quimioterapia adjuvante na população geral (HR 0,89; p=0,12). Entretanto, em subgrupos específicos, os resultados foram mais promissores, como nos pacientes com linfonodos positivos, que tiveram melhora na sobrevida global (HR 0,76; p=0,009) e naqueles tratados com fluoropirimidinas orais (como S-1 ou capecitabina), que também apresentaram benefício (HR 0,78; p=0,009). 

Sobrevida livre de doença (SLD): houve benefício global da quimioterapia adjuvante (HR 0,84; p=0,01), principalmente nos pacientes com linfonodos positivos (HR 0,74; p=0,02) e naqueles que receberam fluoropirimidinas orais (HR 0,81; p=0,01).

Limitações do estudo:

– Heterogeneidade entre os estudos, especialmente em relação aos subtipos de tumor e regimes de quimioterapia. 

– O benefício da quimioterapia no subgrupo de linfonodos positivos foi influenciado principalmente por um único estudo (Kohei et al. – um estudo japonês), o que reduz a robustez da conclusão. 

– A qualidade metodológica dos estudos foi moderada (escore de Jadad 3/5), pois nenhum era duplo-cego.  

Mensagem prática 

– Para quem a quimioterapia adjuvante é útil?  

Pacientes com linfonodos positivos são os que mais se beneficiam, com melhora observada tanto na sobrevida global quanto na livre de doença. Isso reforça a importância da avaliação histopatológica cuidadosa da peça cirúrgica pelo patologista. 

– Qual regime quimioterápico escolher?  

Fluoropirimidinas orais (como S-1 ou capecitabina) parecem ser uma opção eficaz e bem tolerada, mas a evidência ainda é limitada. Vale destacar que esquemas baseados em gemcitabina não mostraram vantagem significativa. 

– O que ainda não está claro?  

A quimioterapia não demonstrou benefício em pacientes com margens negativas (R0) ou linfonodos negativos, o que sugere que nem todos precisam de tratamento adjuvante. 

Para a prática futura: 

São necessários mais ensaios clínicos com boa qualidade metodológica e analítica para confirmar esses achados, especialmente focando nos subgrupos específicos. Enquanto isso, a decisão sobre quimioterapia adjuvante deve ser individualizada caso a caso, considerando fatores como status linfonodal, margens comprometidas, subtipo tumoral e performance status do paciente. 

Esse estudo é um passo importante para entender o papel da quimioterapia adjuvante no câncer do trato biliar, mas também mostra como a oncologia é um campo em constante evolução, onde respostas definitivas muitas vezes exigem mais pesquisa e tempo e muitas respostas que considerávamos certas no passado, podem não ser mais na prática atual. 

Veja também: Como diferenciar colangiocarcinoma de doenças benignas do trato biliar?

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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Referências bibliográficas

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