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Endocrinologia23 junho 2024

ADA 2024: Jejum intermitente, pré-diabetes, diabetes e ovários policísticos

No ADA 2024, o simpósio aberto pela Dra. Lisa S. Chow abordou as diferentes formas de jejum intermitentes na literatura e seu impacto em diabéticos.

O assunto jejum intermitente e diabetes é um tema recorrente e que sempre ganha a atenção pela sua plausibilidade lógica e também por alguns dados interessantes que vira e mexe aparecem nas publicações. No congresso da American Diabetes Association (ADA) de 2024, o tema foi alvo de uma discussão de forma um pouco diferente das que temos visto, discutindo os possíveis benefícios à luz das evidências mais atuais, tanto no diabetes quanto na prevenção do surgimento de diabetes e no tratamento da síndrome dos ovários policísticos (SOP) (condição intimamente relacionada à obesidade e resistência insulínica). 

Jejum intermitente e diabetes tipos 1 e 2 

O primeiro bloco do simpósio foi aberto pela Dra. Lisa S. Chow, abordando as diferentes formas de jejum intermitente descritas na literatura, sua aplicabilidade para pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2 e, por fim, discutindo seu impacto no controle glicêmico. 

Por que consideraríamos a possibilidade do jejum? 

Em primeiro lugar, pelo possível impacto da janela de alimentação. Cerca de 15% das pessoas come por mais de 18 horas no dia, sendo que a média de tempo gira em torno de 14,5 horas. Quanto maior a janela de alimentação, maior o IMC. Enquanto abordagens de restrição calórica focam na limitação de calorias, o jejum foca em limitar o acesso a essas calorias, sendo agnóstico quanto à qualidade ou preferência alimentares. 

 Os tipos mais comuns de jejum são os seguintes: 

 a) Jejum intermitente (JI) em dias alternados (chamados nos estudos em inglês “ADF”, ou seja, alternate day fasting)

  1. b) 5:2 – Jejum por dois dias na semana e alimentação normal nos demais. 

Nessas abordagens, os dias sem jejum têm uma quantidade de calorias irrestrita, ao passo que dias de jejum privilegiam nenhuma caloria consumida ou em formas modificadas < 1000 kcal por dia. 

 c) Time Restricted Eating (TRE) – Tempo restrito: janela de alimentação de oito a dez horas por dia, na qual o paciente pode se alimentar do que quiser, jejuando as demais horas do dia (de 14 a 16 horas). Essa tem sido a forma mais comumente adotada.

Os dados de JI ou TRE em pacientes com DM1 são muito escassos devido à preocupação com hipoglicemias e cetose. Contudo, sabemos que pessoas com DM1 podem jejuar de forma segura por algumas horas, haja visto dados de estudos em pacientes durante o Ramadã.

Um estudo publicado no Frontiers em 2021 comparou o jejum de 12h x 36h em pacientes com DM1, utilizando monitores contínuos de glicemia (CGMs). Os resultados mostraram que não houve diferença no tempo no alvo ou tempo em hipoglicemias entre os dois grupos, sendo que o tempo no alvo, pelo menos numericamente, foi melhor. E ambos os grupos tiveram melhoras na sua média glicêmica diária. Os níveis de beta hidroxibutirato após 36 horas aumentaram para até 0,5 mmol/L, resolvendo-se rapidamente após aplicação de insulina. A conclusão dos autores foi de que é seguro para indivíduos com DM1 realizarem jejum de até 36 horas.

Dados de outros trials mostram que pacientes com DM2, que realizaram o plano 5:2, perderam, em média, três quilos ao final de 12 semanas e reduziram a HbA1c em 0,6%. Porém, com um aumento de hipoglicemias (RR 2,0).

Outro estudo publicado no JAMA em 2018 comparou a eficácia no diabetes em pacientes randomizados para JI 5:2 ou um plano de restrição calórica (1200-1500 kcal/d, restrição de 35%) por 12 meses. Cerca de 30% em ambos os grupos abandonaram o estudo (o que já mostra a dificuldade em se manter a aderência a planos dietéticos). Não houve diferenças entre os grupos em nenhuma das variáveis analisadas, porém ambos os grupos tiveram redução em HbA1c (redução de 0,5% no grupo restrição calórica vs. redução de 0,3% no grupo JI) e no peso (redução de cinco quilos no grupo restrição calórica vs. redução de 6,8 quilos no grupo JI), sem diferenças em hipoglicemias. 

Quanto à abordagem por tempo restrito, ou TRE, um estudo publicado em 2023 no JAMA comparou o método com a restrição calórica, por seis meses. O grupo TRE tinha uma janela de alimentação de oito horas, vs. redução em 25% de energia consumida no grupo RC. Ao final, o grupo TRE perdeu mais peso (TRE 4,5 quilos vs. RC 2,6 kg vs. 1,1 quilo no grupo controle) e ambos os grupos tiveram uma redução média de 0,9% em HbA1c, sem nenhum evento adverso grave.

Conclusão da apresentação

A conclusão da Dra. Chow é de que existem dados que suportam tal abordagem em pacientes com DM2 e de forma segura, podendo trazer impactos positivos em termos de controle glicêmico, mas que mais estudos na área são importantes para esclarecimento dos benefícios. 

 

Jejum intermitente no pré-diabetes 

Já a Dra. Courtney Peterson (Alabama University) discorreu a respeito das evidências do jejum intermitente e seu efeito no combate ao diabetes, sobretudo em pacientes com pré-diabetes. Abordar e estudar diferentes estratégias de prevenção de diabetes é fundamental, pois cerca de 25% dos pacientes com pré-diabetes vão evoluir para DM em três a cinco anos, enquanto 10% vão remitir, o que significa que é possível intervir para mitigar os riscos. 

O que a ADA recomenda hoje

Atualmente, a ADA recomenda, com base em evidências, a realização de atividade física de 150 minutos por semana, perda de, pelo menos, 7% do peso em indivíduos com sobrepeso/obesidade e, em casos selecionados, o tratamento farmacológico, sobretudo com metformina. 

Quanto aos efeitos do JI nesse cenário, um grande problema é a escassez e heterogeneidade dos estudos, uma vez que é difícil generalizar os dados, pois estudos pequenos adotam diferentes metodologias e empregam formas diferentes de jejum, analisando diferentes desfechos. Há mais de 100 estudos, apesar da grande maioria ter um N pequeno e seguimento por um curto período de tempo. Hoje, há quatro principais estudos em pré-DM, todos com TRE, sendo a janela mais comumente adotada a de 16:8h (oito horas de janela alimentar).

Evidências apresentadas

Um estudo publicado na revista Cell Metabolism em 2018 pelo grupo da Dra. Peterson, de cinco semanas, crossover, em oito homens com pré-DM, demonstrou melhora em alguns marcadores. A redução de 24% na resistência insulínica, 10% a 11% queda de PAS e PAD, foram alguns, sem diferenças em marcadores inflamatórios ou em desfechos mais significativos, como o impacto glicêmico propriamente dito. 

Outros estudos também demonstram melhora da resistência insulínica, porém os dados ainda são muito preliminares para qualquer conclusão. No entanto, são válidos por demonstrar que tal abordagem pode ser promissora. É importante lembrar que, para se gerar impacto em redução de risco de diabetes, as abordagens normalmente precisam ser contínuas e duradouras, o que pode ser um desafio tanto do ponto de vista metodológico para novos estudos quanto prático, pela aderência. 

 

Jejum intermitente, diabetes e SOP  

Para finalizar, a Dra Sofia Cienfuegos, PhD, MS (University of Chicago), apresentou uma pesquisa sobre como o JI pode afetar a SOP. A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma condição intimamente relacionada à obesidade e à resistência insulínica e tal abordagem pode fazer sentido. Além disso, dados mostram que o jejum pode reduzir níveis de andrógenos circulantes e testosterona, o que pode ser negativo no homem, mas muito positivo em mulheres com SOP. 

Até o momento, os estudos conduzidos pela Dra. Cienfuegos, ainda preliminares e não publicados, não demonstraram impacto positivo na redução de andrógenos, mas levou à redução de 2,6% do peso corporal em 12 semanas, comparado ao grupo placebo. A Dra. Cienfuegos ressalta que o estudo será conduzido por 24 semanas e ainda não conta com toda a amostragem. Ainda não é possível gerar conclusões sobre o assunto. 

Para mais atualizações em diabetes, não deixe de acompanhar a nossa cobertura do ADA 2024 no Portal Afya! 

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