No último mês, muito se falou sobre uma substância desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP), na unidade de São Carlos, e suas propriedades de cura do câncer. A fosfoetanolamina sintética é o resultado de mais de 20 anos de estudos de um aposentado professor de química da USP e sua equipe.
A polêmica gira em torno da liberação da substância para uso medicinal, que, devido a carência de estudos clínicos em humanos, etapa vital para liberação do medicamento, a distribuição do mesmo não pode ser feita, motivando a liberação da droga apenas com mandato judicial.
Mas afinal, como age a fosfoetanolamina?
A fosfoetanolamina é um precursor de ácidos graxos. Como a atividade mitocondrial é altamente dependente de ácidos graxos, e as mitocôndrias de células cancerosas apresentam uma atividade diminuída, a fosfoetanolamina ativa essas mitocôndrias de células cancerosas, permitindo a promoção de mecanismos apoptóticos (morte celular) e sinalização de membrana celular para reconhecimento da célula cancerosa pelo sistema imune.
Carência de estudos clínicos em humanos:
Embora a molécula já seja conhecida desde 1930, inclusive por suas propriedades apoptóticas e anti-tumorais, até o momento, não há estudos clínicos do uso da substância no tratamento do câncer, o que impede sua aprovação para distribuição como medicamento pela Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA).
O suposto milagre terapêutico relatado por pacientes e a ineficiência da iniciativa pública e privada brasileira, especialmente farmacêutica, em promover tais estudos clínicos levou a população a pensar em uma grande teoria da conspiração, envolvendo as grandes indústrias farmacêuticas e seu suposto desinteresse na produção do medicamento. Sejamos razoáveis ao analisar que qualquer indústria farmacêutica estaria interessada em fabricar a cura de cerca de 15 milhões de novos casos por ano, não é mesmo? Imagine o quanto esta empresa não iria lucrar. É inimaginável que não haja interesse em curar o câncer. Centenas de moléculas como a fosfoetanolamina estão sendo estudadas neste momento como possíveis tratamentos para o câncer, e anos de estudos são necessários para que poucas delas venham a se tornar medicamentos.
Fazendo uma análise até do mecanismo de ação da fosfoetanolamina conseguimos perceber a semelhança com tratamentos já conhecidos para o câncer, como os imunomoduladores, que, embora sejam um grande avanço, não determinaram a cura da doença. Vale também avaliar o câncer em sua pluralidade, afinal: o câncer de pulmão não é igual ao câncer de mama, carcinomas não são iguais a sarcomas, leucemias não são iguais a linfomas. Pensar em um tratamento único para todas as vias metabólicas neoplásicas é irracional.
A verdade é que muito se especula sobre a substância, e, devido ao grande peso que carrega uma cura para o câncer, somos movidos a esta esperança. Cabe a sociedade e seus homens de fé motivarem os homens de ciência a avançar nos estudos da substância e comprovar não só a eficiência, como também as indicações e segurança deste tratamento.
Referências Bibliográficas:
- https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/09/pilula-da-usp-contra-cancer-nao-passou-por-testes-clinicos-entenda.html
- https://www5.iqsc.usp.br/esclarecimentos-a-sociedade/
- https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/08/pesquisador-acredita-que-substancia-desenvolvida-na-usp-cura-o-cancer.html
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