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O 2º passo do ciclo de tomada de decisão baseada em evidências que consiste na “formulação de uma pergunta clínica estruturada PICO”, conecta o campo das relações (onde se dá o encontro médico-paciente) ao campo das informações (onde estão as evidências científicas).
Dar esse passo sem o primeiro (delineamento do problema), no qual são definidas as prioridades e necessidades de informação, é um dos erros que leva a uma série de atitudes que não ajudam a resolver os problemas clínicos que afligem os pacientes, muitas vezes gerando danos e custos desnecessários.
O conhecimento médico acerca das condições clínicas é variável. Quando iniciamos nossa formação na universidade temos muita demanda por conhecimentos básicos de fisiologia, fisiopatologia, bioquímica etc. e pouca demanda de conhecimentos sobre problemas clínicos originários de encontros com pacientes. Nessa fase há pouca experiência clínica na prática médica e as necessidades de informação são inespecíficas e representadas por perguntas básicas não estruturadas.
Com o passar do tempo, aumenta a experiência clínica, com mais conhecimento sobre as doenças acumulado. Assim, as respostas para essas questões básicas passam a ser automáticas pois já há conhecimento sedimentado. Quanto maior o número de encontros com diferentes pacientes, maior passa a ser a demanda por informação específica, onde são mais frequentes as perguntas estruturadas PICO, que representam os problemas dos pacientes (Figura).
Segundo a estrutura PICO, P descreve detalhadamente a população ou paciente sob o cuidado, I a intervenção (terapêutica, diagnóstica ou prognóstica), C a comparação (intervenção opcional) e O (do inglês outcome) o desfecho clínico relevante.
Assim como ocorre com as ações clínicas no modelo PACT, cada pergunta estruturada PICO tanto se enquadra em um dos quatro domínios (diagnóstico, prognóstico, terapia e dano), quanto em uma das três categorias de problemas (probabilidade, performance e utilidade).
Mais do autor: ‘Medicina de Estilo de Vida – O que é? O que não é? Qual a sua importância?’
Imagine um atendimento a um paciente com dor torácica aguda numa emergência. Dependendo da experiência e conhecimento do médico várias perguntas podem surgir durante esse encontro. P.ex. ” – O que é angina?”; ” – Como é o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)?”; ” – Qual o risco de sangramento com o uso de trombolíticos no IAM?”; ” – Qual a mortalidade de um paciente com IAM em Killip 3?”; ” – Qual a acurácia da troponina de alta sensibilidade diagnóstico de IAM em pacientes atendidos na emergência com dor torácica aguda?”; etc.
Na pergunta: “- O que é angina?” não estão descritas características de pacientes, intervenções, opções de intervenções e nem desfechos. Essas é uma típica pergunta básica.
No caso da pergunta: ” – Como é o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)?” também não estão definidos os componentes de uma pergunta clínica estruturada PICO, caracterizando a como uma pergunta básica. No máximo, se admitirmos que faz-se menção a um paciente com IAM, essa seria uma pergunta clínica incompleta, apenas com o P.
Na pergunta: ” – Qual a acurácia da troponina de alta sensibilidade no diagnóstico de IAM em pacientes atendidos na emergência com dor torácica aguda?” já temos um P (pacientes atendidos na emergência com dor torácica), um I (troponina de alta sensibilidade) e um O (diagnóstico de IAM) bem definidos. Porém falta um C que no caso de perguntas no domínio do diagnóstico e categoria performance deve ser sempre o “padrão-ouro” de diagnóstico da doença em questão.
As demais perguntas não podem ser consideradas estruturadas pois estão incompletas como mostram os pontos de interrogação na tabela.
P |
I |
C |
O | |
“- O que é angina?” |
? |
? |
? |
? |
“- Como é o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)?” |
pacientes com IAM; idade? delta T de dor? comorbidades? |
? |
? |
? |
“- Qual o risco de sangramento com o uso de trombolíticos no IAM?” |
pacientes com IAM; idade? delta T de dor? comorbidades? |
trombolíticos; (estreptoquinase? rTPA? Dose? tto associado?) |
? |
risco de sangramento; em quanto tempo? |
“- Qual a mortalidade de um paciente com IAM em Killip 3 sem tratamento?” |
paciente com IAM em Killip 3 sem tratamento; |
primeiras 24h de apresentação? |
em um ano? |
mortalidade |
“- Qual a acurácia da troponina de alta sensibilidade no diagnóstico do IAM em pacientes com dor torácica aguda?” |
pacientes com precordialgia (idade?, local de atendimento?) |
troponina de alta sensibilidade (delta T?) |
(padrão-ouro no diagnóstico do IAM)? |
acurácia no diagnóstico do IAM (sensibilidade, especificidade, RV+ e RV-) |
P-paciente/população; I-intervenção (terapêutica, diagnóstica ou prognóstica) ou fator ambiental/comportamental; C-alternativas (quando aplicáveis); O-probabilidades dos diagnósticos diferenciais; acurácia de intervenções diagnósticas para determinada doença; desfechos clínicos relevantes (desejáveis ou não / para o paciente ou para o sistema de saúde / mensurados, preditos ou comparados (entre I e C). |
A formulação da pergunta estruturada só é possível se houver admissão de um “gap” de conhecimento e da necessidade de informação, cujo reconhecido é fruto do processo social de interação entre os diferentes participantes do processo de tomada de decisão em saúde (pacientes, médicos, demais profissionais de saúde, gestores, etc).
Na prática, a atenção reflexiva com análises detalhadas da narrativa do contexto (desde o caso clínico isolado até o complexo fluxo de atendimento de pacientes num sistema de saúde), serve de base para a formulação da pergunta estruturada. A representação visual desse processo crítico através de um texto descritivo, um desenho de organogramas ou fluxogramas, facilita a identificação da necessidade de informação e portanto a própria formulação da pergunta com o detalhamento dos seus diferentes componentes P,I,C e O.
Uma vez formulada, a pergunta estruturada pode ser devidamente enquadrada num dos 4 os domínios de ação (diagnóstico, prognóstico, terapia ou dano) e numa das três categorias de problemas (probabilidade, performance ou utilidade).
Tendo o caso clínico do artigo anterior como exemplo, para a questão que preocupava a paciente em relação ao risco de morte ao ser submetida ao ecocardiograma de estresse, temos uma pergunta estruturada representando essa necessidade de informação, da seguinte forma:
P – mulher, adulta jovem, atendida no consultório com probabilidade intermediária de coronariopatia obstrutiva, (obesa, sem outras doenças, sem dor torácica, angina ou equivalente anginoso + teste ergométrico sugerindo isquemia miocárdica a partir de um discreto infradesnível de ST (1 mm) em D2,D3 e aVf, no pico do esforço).
I – ecocardiograma de estresse com dobutamina segundo protocolo específico
C – não se aplica
O – dor ou desconforto durante o exame, arritmias ou hipertensão grave, infarto do miocárdio, parada cardíaca ou morte relacionados à infusão da dobutamina.
Assim, apenas após se formular uma pergunta estruturada PICO, a partir do seu contexto de tomada de decisão, é que se pode ter juízo de valor em relação à aplicabilidade de uma evidência científica específica (5o passo), através da comparação entre os componentes da sua pergunta e os componentes da pergunta da evidência (artigo científico, revisão sistemática ou uma diretriz/guideline).
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Referências:
- SILVA, S. A.; CHARON, R.; WYER, P. C. The marriage of evidence and narrative: scientific nurturance within clinical practice. J Eval Clin Pract, v. 17, n. 4, p. 585-93, Aug 2011.
- SILVA, S. A.; WYER, P. C The Roadmap: a blueprint for evidence literacy within a Scientifically Informed Medical Practice and Learning Model European Journal for Person Centered Healthcare Vol 1 Issue 1 pp 53-68
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