Dor miofascial é a mais prevalente na face após dor de origem dental e se caracteriza pela presença de pontos gatilhos dolorosos (TrP) ativos ou latentes com áreas de rigidez muscular, fraqueza local e limitação de amplitude de movimentos da face e pescoço.
A infiltração de toxina botulínica tipo A(BoTA), em pontos-gatilho miofasciais (TrP) tem demonstrado eficácia analgésica e boa tolerabilidade clínica. Seu mecanismo de ação consiste na clivagem da proteína SNAP-25, impedindo a liberação de neurotransmissores nas terminações nervosas. Esse bloqueio impede a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, responsável pela contração muscular. Adicionalmente, a toxina exerce efeito analgésico por modular a liberação de neuropeptídeos e interferir em múltiplas vias de modulação da dor.
Um estudo publicado em 2021 avaliou a eficácia da injeção de BoTA em TrP associados à dor miofascial do músculo masseter (MM), os resultados não foram significativos e com recorrência precoce da dor. Esses achados foram atribuídos à anatomia do MM, que dificultaria a distribuição homogênea do material injetado entre as suas diferentes porções, causando um abaulamento paradoxal do músculo, resultante de contrações assimétricas entre seus feixes musculares.
O objetivo do presente estudo, publicado em 2024, foi avaliar e comparar a eficácia de duas técnicas de infiltração de BoTA em pontos-gatilhos miofasciais do MM guiada por ultrassonografia (USG) — as técnicas intraoral e transcutânea extraoral — e análise de diferentes variáveis de desfecho clínico.
Materiais e Métodos
Estudo prospectivo, randomizado, cego, realizado entre setembro de 2022 e dezembro de 2023 na Universidade Fayoum, Egito, envolvendo pacientes com diagnóstico de dor miofascial e presença TrP no MM, unilateral ou bilateral, associados à limitação de abertura oral.
Os pacientes foram alocados em dois grupos distintos de intervenção, cada um com 21 indivíduos: Injeção Intraoral (IIO) e Injeção Extraoral (IEO) e o tempo de seguimento pós-procedimento foi de 6 meses.
A intervenção consistiu na identificação dos TrP no MM por meio de avaliação clínica e ultrassonográfica, seguida da administração de 0,1ml toxina botulínica A em dose única. No grupo IIO a agulha foi inserida lateralmente à borda anterior do ramo da mandíbula no MM e a profundidade de inserção foi guiada por ultrassonografia. No grupo IEO a injeção foi realizada através da pele, à uma distância de 1 a 2 cm do TrP, com a agulha formando ângulo de 30º com a superfície cutânea.
Todos os pacientes foram avaliados nos momentos pré-procedimento e aos 1, 3 e 6 meses pós-procedimento. Os desfechos incluíram: intensidade de dor, mensurada por escala visual analógica de dor (EVA); máxima abertura bucal (MAB) determinada pela distância interincisivos e impacto na qualidade de vida avaliado por meio do questionário validado Oral Health Impact Profile – 14 (OHIP-14).
Resultados e Discussão
O estudo incluiu 42 pacientes, igualmente distribuídos entre dois grupos de intervenção (21 pacientes por grupo), idade média 35,8 anos no grupo IIO e 33,8 no grupo IEO. Houve predomínio de mulheres, representando 80,9% dos participantes. Não ocorreu de perda de seguimento ao longo do estudo, reações adversas à toxina botulínica ou quaisquer complicações relacionadas ao procedimento.
Em relação aos desfechos analisados a intensidade da dor, avaliada pela EVA, foi significativamente maior na avaliação pré-procedimento e apresentou queda importante já no primeiro mês pós-procedimento para ambos os grupos. Os valores de intensidade de dor foram menores para o grupo IIO em todos os intervalos avaliados pós procedimento, com diferenças estatisticamente significantes em1 mês (p= 0,005), 3 meses (p=0,008) e 6 meses (p=0,008) em comparação ao grupo IEO.
A MAB apresentou o seu menor valor na avaliação pré-procedimento e aumentou após a intervenção em ambos os grupos. O grupo IIO apresentou valores superiores de MAB nos períodos 1 e 3 meses, com significância estatística (p=0,002 e p=0,004 respectivamente) e sem diferença significativa aos 6 meses (p=0,927).
Quanto à qualidade de vida, mensurada pelo questionário OHIP-14, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos na avaliação basal e no primeiro mês pós-procedimento. Entretanto, os escores do OHIP-14 foram significativamente menores no grupo IIO aos 3 e 6 meses (p=0,001 e p=0,007, respectivamente), sugerindo uma melhora progressiva e sustentada na qualidade de vida dos pacientes submetidos à abordagem intraoral em comparação à extraoral.
Mensagem prática
Os resultados do estudo, com mérito por ser randomizado, prospectivo e com avaliação de desfechos pertinentes à assistência desses pacientes, evidenciam benefícios em relação à diminuição da intensidade de dor, melhora amplitude de abertura de boca e da qualidade de vida e superioridade em comparação à técnica de injeção extraoral.
A IIO permite uma precisa aplicação da toxina botulínica nas porções mais profundas do músculo masseter, local onde alguns autores relacionam à existência de mais pontos gatilhos e terminações nervosas, tornado mais efetivo os efeitos da toxina botulínica e evitando complicações como disseminação para estruturas adjacentes da face ocasionando paralisias faciais e xerostomia.
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