Tumores avançados de Cabeça e Pescoço são uma realidade em países em desenvolvimento, resultando em altas taxas de falha de tratamento, inclusive para quimioterapia baseada em platina e consequente necessidade do uso de quimioterapia paliativa.
Nessa situação de impossibilidade de tratamento curativo as opções de tratamento de segunda linha são restritas, os resultados são desanimadores e carecem de padronização. É possível emprego de radioterapia, terapia de suporte ou quimioterapia com emprego de taxanos, metrotexato, inibidores de tirosina quinase orais, imunoterapia e cetuximabe, em abordagem única ou multidisciplinar.
Atualmente, para esses pacientes os imunoterápicos como o nivolumabe e pembrolizumabe apresentaram resultados promissores com melhora de sobrevida nos pacientes com doença avançada platino-rafratárias, no entanto com restrição de uso devido seu alto custo.
Cetuximabe, um agente anti-receptor de crescimento epidérmico, apresenta em situações de tratamento de primeira linha para cânceres de cabeça e pescoço resposta de 10-13% e o sobrevida de 5,2-6,1 meses, mas carece de confirmação em estudos comparativos com quimioterapia e terapia de suporte para tratamento de segunda linha e é caro para países de média e baixa renda.
Docetaxel mostra taxas de resposta de até 32% como tratamento de primeira linha, sem eficácia conhecida para segunda linha de tratamento e resultados de uso bastante modestos.
Terapia metronômica com celecoxibe e metrotrexato é custo efetiva e com resultados promissores comparado à terapia baseada em platina. A combinação de erlotinibe ao celecoxibe é biologicamente racional, visto a quimioterapia metronômica ser antiangiogênica.
Os autores desse estudo realizado na Índia, na situação de país de renda média-baixa, propuseram avaliar a eficácia da terapia metronômica tripla versus opções atuais de terapias de segunda linha para pacientes adultos com carcinoma espinocelular platino-refratários em cabeça e pescoço.
Os pacientes selecionados apresentaram falha do tratamento inicial até 6 meses da terapia curativa inicial e com performance status ECOG 2 ou menor, além de exigirem função normal da medula óssea e demais órgãos.
Veja também: Papel da sarcopenia relacionada ao tratamento no câncer de cabeça e pescoço
Pacientes e Métodos
Estudo randomizado, prospectivo, uni-institucional, com estratificação por sítio primário do tumor e ECOG e realizada de análise de superioridade e sendo composto por dois braços: quimioterapia oral metronômica tripla (QOMT) com oferta metrotexato oral semanal com dose de 9mg/m², celecoxib 200mg oral 2 vezes ao dia, erlotinib 150mg oral ao dia e quimioterapia por indicação do oncologista (QIO), sendo possível diferentes opções de tratamento incluindo docetaxel dose 75mg/m² a cada 3 semanas, paclitaxel dose 175mg/m² a cada 3 semanas, metotrexato injetável 40mg/m² semanal em ciclos de 3 semanas e capecitabina 1.250mg/m² 2 vezes ao dia por 14 dias em ciclos de 3 semanas. Os ciclos de tratamento ocorreram até progressão da doença ou efeito colaterais intoleráveis. Foram analisados eventos adversos e qualidade de vida (QOL) pelo questionário QLQ-Q30 no início da terapia, 2 meses e após 6 meses.
Objetivos primários
Sobrevida global foi o objetivo primário do estudo e os objetivos secundários incluíram comparação de QOL, taxa de resposta à terpêutica, eventos adversos e sobrevida livre de progressão (PFS).
Resultados e análise
No período de outubro de 2021 a janeiro de 2023, 214 pacientes foram incluídos e randomizados na proporção 1:1 nos dois braços do estudo. A mediana de idade foi 46 anos (Intervalo interquartil IQR, 39-56), 210(95,5%) eram homens, 198 (94,6%) eram tumores de cavidade oral e 84 (39,2%) eram ECOG PS 2.
Pacientes no grupo QOMT receberam a mediana de 5 ciclos (IQR, 2-6) versus 3 ciclos (IQR, 2-7) do grupo QIO. Modificação de dose foi necessária em 16 (15,4%) pacientes do grupo QOMT e em 29 pacientes (28,7%) do grupo QIO. No grupo QOMT houve descontinuação do tratamento por progressão da doença em 62 (59,6%) pacientes, por preferência do paciente em 2 (1,9%) casos e 3 (2,8%) por efeitos adversos. No braço QIO houve descontinuação do tratamento por progressão da doença em 74 (73,2%) pacientes, por preferência do paciente em 5 (4,9%) casos e 8 (7,9%) por efeitos adversos.
A mediana de duração do seguimento foi de 11,6 meses (IQR 8,9-19,5) para todos os pacientes, 71 (66,4%) pacientes do braço QOMT morreram e 86 (80,4%) morreram no braço QIO. A mediana de duração do seguimento foi de 11,6 meses no braço QOMT (IQR 8,9-19,5) e de 13,2 meses (IQR 0-9,4) no grupo QIO. A mediana de sobrevida-global foi 5 meses (95% IC, 4,01-6,38) no braço QOMT e 3,1 meses (95% IC, 2,73-4,14) no braço QIO (valor de P para superioridade 0,023).
A mediana de sobrevida livre de progressão (PFS) foi de 4,8 meses (95% IC, 3,8-5,8) no braço QOMT e de 2,7 meses (95% IC, 2,3-3,1) no braço QIO (valor de P para superioridade foi <0,001).
A sobrevida global foi de 40,7% no braço QOMT e 26,2% no braço QIO. O Hazard Ratio HR não ajustado foi de 0,63 (95% IC, 0,47-0,83; P=0,00011), no entanto a suposição de riscos proporcionais foi violada, ou seja, o valor de HR variou ao longo do tempo, diminuindo sua confiabilidade e a duração média de sobrevida restrita foi de 7,5 meses (DP, 8,02) no QOMT e 5,4 meses (DP, 6,52) no braço QIO (P=0,036). A taxa de resposta à terapia foi significativamente melhor no braço QOMT (41,1%) comparado a 19,6% do outro braço (p=0,003).
As toxicidades foram similares em ambos os braços, mucosite foi maior (25,5%) no braço QOMT comparado ao braço QIO (10,5%; P=0,012). Não houve diferença estatisticamente significante para toxicidade grau 3-4 para ambos os braços.
Em relação a QOL, o score no questionário QOL foi de 52,76 (DP, 14,82) no braço QOMT e 52,72 (DP, 13,18) no braço QIO no momento inicial, após 6 meses foi 51,70 (DP, 15,57) e 55,18 (DP, 15,01). Portanto, foi identificada significativa melhora em favor ao QOMT em relação à qualidade de vida e em status de saúde global, funções físicas, fadiga e insônia.
Mensagem prática
Nesse estudo os autores identificaram que pacientes com câncer de cabeça e pescoço avançado tratados com quimioterapia a critério do oncologista (QIO) tiveram uma mediana de sobrevida de 3,1meses, a qual aumentou para 5 meses quando tratados com quimioterapia metronômica oral tripla (HR, 0,63; p=0,00011).
O benefício de melhora da sobrevida foi conseguido associado a menor necessidade de ajuste de dose ou descontinuidade ao longo do tratamento por toxicidade, sem uso de imunoterápicos de alto-custo e com utilização de medicação oral, de menor custo de aquisição e administração.
Outra característica bastante relevante foi a elevada proporção de pacientes ECOG 2, correspondendo a mais de um terço da amostra em ambos os braços do estudo. Esse achado reflete de forma bastante consistente a prática clínica diária nesse perfil de pacientes com neoplasia avançada de cabeça e pescoço, os quais, por não apresentarem ECOG 0 ou 1, frequentemente não são incluídos em ensaios clínicos de potenciais opções terapêuticas.
O estudo traz uma alternativa terapêutica com potencial de oferecer maiores benefícios aos pacientes com neoplasia avançada de cabeça e pescoço, uma realidade infelizmente comum aos serviços públicos oncológicos de nosso país. De perspectiva ele também serve de base para novos estudos multi-institucionais que possam confirmar esses achados em favor da terapia oral.
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