Telas cirúrgicas: as telas biológicas são melhores?
Em tese, as telas biológicas seriam as mais indicadas, uma vez que são lentamente absorvidas e promoveriam um remodelamento do colágeno.
O uso de técnicas minimamente invasivas para o tratamento de hérnias ventrais têm ganhado espaço na prática clínica devido às melhorias nos índices de infecção de ferida operatória. No entanto, o uso de telas inabsorvíveis pode levar a complicações intra-abdominais de difícil manejo, como a aderência de alças e infecções. Foi neste contexto que surgiram as telas biológicas que, em teoria, seriam as mais indicadas, uma vez que são lentamente absorvidas e promoveriam um remodelamento do colágeno na região com a vantagem de não manter um corpo estranho residual.
No entanto, essa premissa não foi baseada em estudos com evidência que garantisse provas. Apesar do alto custo do uso de telas biológicas, seu uso foi amplamente difundido. Este artigo publica os resultados de estudo multicêntrico que teve como principal objetivo determinar qual seria a melhor abordagem (laparoscópica x aberta) e o melhor tipo de tela (biológica x sintética) – LAPSIS Trial.
Metodologia
O LAPSIS trial foi elaborado com auxílio da Sociedade Europeia de Hérnia, envolvendo 17 centros em 10 países. O critério de inclusão foi: pacientes com hérnias primárias ou incisionais, com diâmetro maior que 4 cm. O paciente não poderia ter cirurgia prévia de correção de hérnia e também estar apto a realizar qualquer uma das técnicas.
Os pacientes foram randomizados, de forma semelhante entre os grupos e, tanto o paciente quanto o examinador final seriam cegos para o tipo de hérnia utilizada. Os procedimentos foram padronizados entre os diferentes centros, com a tela de matrix de colágeno acelular (Surgisis ®), sendo a tela biológica utilizada. As telas sintéticas para correção laparoscópica poderiam ser escolhidas entre Composix ® Bard ou ePTFE (Gore dual Mesh Plus ®). Uma tela de polipropileno foi utilizada nos casos de cirurgia aberta (BardMesh®).
A técnica de dupla ou simples coroa eram utilizadas para a fixação das telas quando a via era laparoscópica, sem a ressecção do saco herniário nem tentativa de fechamento do defeito. Já na técnica aberta foi utilizado a via retro-muscular com fechamento mesmo que parcial do folheto anterior. Não foram permitidos separação de componentes nem incisões de relaxamento.
Os desfechos primários foram definidos como complicações, infecção, recidiva e reoperações devido a correção, por um período de 3 anos de observação.
Resultado dos estudos com telas biológicas
Dos 416 pacientes triados, 253 foram randomizados, para serem submetidos a cirurgia aberta com tela biológica (n=66), sintética (n=61) ou cirurgia laparoscópica com tela sintética (n=64) ou biológica (n=62).
Foi observado que 6 (9,8%) dos pacientes do grupo aberto sintético, 15(22,7%) do grupo aberto biológico, 7 (10,9%) do grupo laparoscópico sintético e 17(27,4%) laparoscópico biológico apresentaram complicações definidas no desfecho primário. O tipo biológico da tela teve influência direta (p=0,001) no aparecimento de um desfecho primário, diferente da técnica empregada que não apresentou correlação (p=0,37).
As complicações locais, como seromas, foram mais frequentes no grupo aberto com tela biológica, porém sem força estatística. Das comparações realizadas apenas o tempo de permanência foi 1 dia menor para a cirurgia laparoscópica (p=0,001), apresentou correlação estatística.
Discussão
Este estudo europeu não demonstrou superioridade de uma técnica (aberta ou laparoscópica) sobre a outra, porém, houve uma inferioridade da tela biológica em comparação às demais em pacientes submetidos a correção eletiva de hérnias ventrais. Na época da coleta de dados deste estudo, não havia uma rotina do fechamento do defeito por laparoscopia, no entanto, nos dias atuais, isto tem sido cada vez mais frequente pelos benefícios associados.
O mais relevante achado deste estudo foi a taxa de recorrência após 3 anos ser 3 vezes maior com uso de tela biológica, e esta diferença ainda mais relevante no uso da técnica laparoscópica. Por fim, o uso de tela biológica não teria espaço no tratamento de hérnias ventrais não complicadas em pacientes submetidos a correção eletiva e sem infecção.
Conclusão
Nem todo produto promissor apresenta resultados duradouros e constantes quando se observa a longo prazo. Além do alto custo envolvido, as telas biológicas podem não ser a melhor opção para tratamento eletivo visto a alta taxa de recorrência da hérnia.
Referências bibliográficas:
- Miserez M, Lefering R, Famiglietti F, et al. Synthetic Versus Biological Mesh in Laparoscopic and Open Ventral Hernia Repair (LAPSIS): Results of a Multinational, Randomized, Controlled, and Double-blind Trial. Ann Surg. 2021;273(1):57-65
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