A tireoidectomia é um procedimento cirúrgico realizado com bastante frequência e possui uma complicação pós-operatória com risco ameaçador à vida por comprometimento das vias aéreas que é o hematoma cervical, cuja incidência descrita varia 0,7 a 5%.
Diferentes autores já exploraram o tema de fatores de risco associado ao hematoma cervical pós tireoidectomia e identificaram sexo masculino, idade avançada, hipertensão arterial sistêmica, doença de Graves, terapia anticoagulante ou antiplaquetária, cirurgia prévia da tireoide, tireoidectomia total, centros de baixo volume cirúrgico e linfadenectomia cervical como fatores contribuintes de aumento de risco da ocorrência dessa complicação.
Da perspectiva de saúde pública, no contexto de ser um procedimento comumente realizado e da necessidade de otimização de recursos nos sistemas de saúde, a tireoidectomia permite alta hospitalar no mesmo dia da cirurgia para casos selecionados. Essa abordagem contribui para a redução do consumo de insumos e ocupação de leitos hospitalares, além de otimizar o uso de recursos humanos. No entanto, essa abordagem exige a garantia rigorosa da segurança desses pacientes elegíveis de alta precoce.
Portanto, para avaliar essa questão de fatores associados ao hematoma pós tireoidectomias com objetivo de identificar quais características contraindicariam alta hospitalar no mesmo dia do procedimento foi realizado um estudo, no Jewish General Hospital, Montreal, Canadá.
Materiais e Métodos
Estudo unicêntrico, retroespectivo, caso-controle, analisando o período de 2009 a 2024. Os casos selecionados (n=30) incluíram pacientes maiores de 18 anos, submetidos a tireoidectomias, sem esvaziamento cervical lateral associado devido esse ser um procedimento de maior porte não candidato a alta hospitalar para o mesmo dia e que apresentaram hematoma cervical pós-operatório e reabordagem cirúrgica.
Os controles selecionados (n=90) foram pareados na proporção 3:1 para os casos, baseados no cirurgião, ano da cirurgia, patologia da tireoide, gênero e idade. O pareamento foi cuidadosamente realizado baseado em evidências de literatura sobre fatores de confusão conhecidos, preservando a capacidade de analisar outros potenciais fatores de risco.
Os dados analisados incluíram dados dos pacientes (idade, gênero, IMC, ASA, tabagismo ativo, hipertensão arterial, diabete mellitus, distúrbios de coagulação, radioterapia, cirurgia tireoideana prévia e uso de coagulantes pré-operatório), da patologia tireoideana, fatores cirúrgicos( cirurgião, volume cirúrgico do cirurgião, anestesista, duração da cirurgia e extensão do procedimento) e circunstâncias perioperatórias (momento de desenvolvimento do hematoma, hemodinâmica perioperatória, fatores desencadeantes e tempo de internação).
Foi analisado também o tempo de ocorrência do hematoma em relação a saída do paciente da sala cirúrgica e dividido em < 6 horas ou ≥ 6 horas.
Resultados e Discussão
Foram realizadas 5502 tireoidectomias no período analisado e ocorreram 30 hematomas (incidência de 0,55%). No grupo hematoma, das características dos pacientes houve maior taxa de tabagismo, hipertensão, diabetes mellitus e cirurgia tireoideana prévia, apesar de ausência de significância estatística.
Em relação aos fatores cirúrgicos, a pressão arterial sistólica na pré-indução > 160 mmHg foi associada ao aumento de risco de hematoma com OR 3,04 (95% CI 1,25 – 7,39). No grupo hematoma houve maior taxa de pressão arterial sistólica intraoperatória maior 160mmHg, hiperplasia da tireóide, nódulo grandes e tireoidectomia subtotal/totalização, também ausente significância estatística.
Na análise hemodinâmica perioperatória houve achados bastante significativos como achado de frequência cardíaca máxima menor que 90 batimentos/min se associou a hematoma com OR de 3,14 (95% IC 1,22-8,09) e se associado a histórico de hipertensão arterial o OR foi 26,67 (95% IC 3,0-237,42).
E a não significativa melhora da pressão arterial após medicação também se associou ao aumento de risco de heamatoma com OR 6,25 (95% IC 1,03-38,08). No grupo hematoma também foi identificado taxa de pressão arterial pós-operatória ≤ 120mmHg ou ≥ 160 mmHg e a necessidade de uso de agentes anti-hipertensivos pré ou pós-operatórios.
O tempo médio entre o término da cirurgia e a detecção clínica do hematoma foi de 209 minutos (desvio padrão 252,306), variando de 5 minutos a 25 horas e aproximadamente 70% dos hematomas ocorreram nas primeiras 6 horas pós-operatórias. Não houve documentação de movimentos como tossir, espirrar, vomitar ou movimentos rápidos do pescoço antecedendo o evento do hematoma.
Os achados do estudo foram condizentes com dados já presentes e literatura e reforçam as impressões individuais dos cirurgiões e anestesistas que realizam tireoidectomia e valorizaram dados da rotina cirúrgica desses profissionais. O adequado pareamento dos casos e controles baseados em características já conhecidas relacionadas ao hematoma cervical permitiu uma análise mais fidedigna e com menos vieses e alguns fatores de riscos identificados pelo estudo, como hipertensão arterial mal controlada e controle pressórico perioperatório são passíveis de modificação permitindo, em teoria, uma diminuição da ocorrência do hematoma e benefício ao paciente. Assim como foi possível identificar características para selecionar pacientes elegíveis a alta hospitalar precoce com mais segurança e consequente otimização de recursos.
Mensagem Prática
Esse pertinente artigo publicado por Ajit-Roger et al. reforça a importância do adequado preparo pré-operatório do paciente, com a adequada abordagem das comorbidades ambulatorialmente antes da cirurgia para permitir um desfecho pós-operatório mais seguro para o paciente. Os achados também estimulam a valorização e comunicação contínua da equipe multiprofissional, compostas por clínicos, cirurgiões e anestesistas.
Outra faceta do estudo evidencia que para casos selecionados, sim é possível alta hospitalar precoce segura, otimizando recursos e colocando a cirurgia da tireoide em situação de análise mais realista quando da comparação de custos com novas tecnologias, como a ablação de nódulos tireoidianos, cujo um dos muitos benefícios atribuídos seria a redução de custos advinda da alta no mesmo dia do procedimento, algo também possível aos pacientes submetidos à cirurgia.
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