Toda cirurgia gastrointestinal possui o risco teórico de apresentar algum tipo de fístula anastomótica. Algumas anastomoses são menos temidas como as entero-entero anastomoses, no entanto qualquer anastomose que envolve o esôfago sempre existirá um certo temor do cirurgião visto que as complicações envolvendo fístulas esofágicas são piores de manejar pela localização anatômica do órgão assim como a sua composição histológica.
Temos uma gama de maneiras de tratar fístulas esofágicas anastomóticas, que podem envolver apenas a observação clínica, até processos complexos com próteses, uso de terapias de pressão negativa e em situações extremas a necessidade de estomas e desvios do trânsito alimentar.
Atualmente, as classificações de fístula anastomótica envolvem o tratamento empregado sem que necessariamente reflita a condição clínica dos pacientes. O intuito deste estudo foi proporcionar um score de gravidade (SEAL) para que os diferentes centros possam utilizar como padrão e assim classificar a gravidade e nortear o tratamento em diferentes cenários clínicos.
Métodos
Estudo multicêntrico, retrospectivo, que envolveu a análise de pacientes submetidos a esofagectomia por câncer e reconstruídos com tubo gástrico. A fístula foi definida como uma solução de continuidade total da parede do órgão que poderia envolver a anastomose, ou a linha de grampo da confecção do tubo gástrico. O desfecho primário definido foi a mortalidade em 90 dias. Os desfechos secundários foram utilizados para determinar a relevância do SEAL.
Resultados
Um total de 1.509 pacientes foram incluídos após as exclusões necessárias. Todos estes pacientes foram submetidos a diferentes tipos de reconstrução e apresentaram algum tipo de deiscência anastomótica. A mediana do dia do diagnóstico da fístula foi de oito dias pós-operatório, sendo que 56,3% realizaram pela via transtorácica com anastomose intratorácica, 27% transtorácico com anastomose cervical e 16% esofagectomia trans-hiatal. A maioria dos pacientes já estava na enfermaria quando obtiveram o diagnóstico de fístula (57,1%). A forma do diagnóstico foi realizada por TC (49,2%), secreção do dreno (17,2%), esofagografia (13,6%) ou endoscopia (12,1%).
O desfecho primário (mortalidade em 90 dias) ocorreu em 11,7%. A cicatrização da fístula ocorreu em 84,2% com um intervalo médio de 26 dias (13-46). Na análise estatística foi identificados os parâmetros que possuíam relevância na mortalidade entre eles a presença de fístula precoce ou tardia (antes de cinco dias ou após 11 dias); disfunção orgânica; necessidade de unidade fechada; leucopenia ou leucocitose; presença de coleção intratorácica; fístula maior que 25% da circunferência e o aspeto do conduíte gástrico. O uso de reforços de sutura (flap pleural ou omental), níveis de proteína C e o uso de de cateter nasogástrico não apresentaram relação com o desfecho primário.
Esses parâmetros que apresentaram relação com o desfecho, foi realizado uma regressão logística para determinar a validade e a calibração de cada variável em função do desfecho. Estes achados foram incluídos e apresentados em uma ferramenta online do estudo para cálculo do escore SEAL.
Discussão
Os dados encontrados neste trabalho, mostraram que uma maior pontuação ou gravidade do SEAL, estava relacionada a um maior tempo de internação hospitalar e permanência em unidades fechadas. Portanto o uso deste score vai além da mortalidade de 90 dias pois reflete a gravidade do quadro.
O grande número de variáveis refletem a complexidade do assunto e a necessidade de tratamento intenso. Alguns outros estudos já haviam corroborando a ideia que alguns fatores podem influenciar negativamente o desfecho clínico do paciente, entre eles a presença de coleção intratorácica. A ingestão de água exclusiva no momento do diagnóstico da fístula se mostrou um fator protetor. A alimentação livre pode proporcionar um aumento da contaminação local e com isto proporcionar uma sepse, enquanto a água pura não provocaria esta piora da contaminação local.
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Mensagem prática
Devido à gama de apresentações e falta de uniformidades em condutas, além da disponibilidade de recursos, é difícil definir qual a melhor abordagem frente a uma fístula esofágica. Sem dúvida entender melhor o mecanismo das fístulas e suas repercussões é o passo fundamental para uniformizar o entendimento e progredir no conhecimento. Por enquanto o score SEAL serve como mais um parâmetro para o médico assistente basear a sua conduta.
Em um futuro próximo o SEAL score poderá nortear condutas e sugerir uma maior agressividade no tratamento com pontuações mais elevadas.
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