Um dos órgãos mais lesados em traumatismos abdominais contusos é o fígado. Nos pacientes estáveis, a tomografia computadorizada (TC) de abdome com contraste venoso é um exame com boa acurácia na avaliação das lesões hepáticas. A presença de extravasamento de contraste é indicativa de lesão vascular e as diretrizes atuais da WesternTrauma Association (WTA) e da Eastern Association for the Surgery of Trauma (EAST) recomendam a angioembolização nesses casos.
No entanto, alguns estudos questionam o real benefício da angioembolização como primeira escolha para todo paciente com extravasamento de contraste e relatam aumento de complicações hepáticas associadas ao procedimento.
Métodos
Análise post hoc (feita após a conclusão de um determinado estudo) comparou observação versus angioembolização em pacientes estáveis hemodinamicamente, vítimas de traumatismo abdominal contuso com lesões hepáticas apresentando extravasamento de contraste. A análise se baseou em estudo prospectivo observacional realizado em 23 centros de trauma nos Estados Unidos, Canadá e Israel.
O desfecho primário foi a ocorrência de lesões hepáticas, definidas como coleções peri-hepáticas, fístula biliar, bilioma, pseudoaneurisma, necrose ou abscesso hepático. Os desfechos secundários envolveram mortalidade, necessidade de intervenções nas lesões hepáticas, tempo de internação e permanência em unidade de terapia intensiva (UTI), ventilação mecânica e reinternação.
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Resultados e Discussão
Dos 128 pacientes analisados, 71 (55,5%) fizeram parte do grupo observação e 57 (45,5%) do grupo angioembolização como conduta inicial. O índice de trauma foi maior no grupo angioembolização-primeiro (mediana, 29 vs. 22; p = 0,039), juntamente com a incidência de lesões hepáticas grau IV (51,0% vs. 22,0%, p = 0,002). Por outro lado, o grupo observação-primeiro apresentou maior incidência de lesões hepáticas grau III (47,5% vs. 20,4%, p = 0,003). 7 (9,6%) pacientes desse grupo acabaram precisando de angioembolização tardia devido à permanência de extravasamento de contraste identificado em exames de imagem seriados, deterioração clínica, ou necessidade de hemotransfusão contínua.
Em relação às taxas de complicações hepáticas, o grupo angioembolização-primeiro apresentou maior frequência (36,8% vs. 12,7%, p = 0,038). Esse grupo também apresentou maiores taxas de duas ou mais lesões hepáticas simultâneas (17,5% vs. 2,8%, p = 0,004) e de necessidade de intervenções (36,8% vs. 4,2%, p = 0,026), tanto por drenagem guiada quanto intervenção cirúrgica.
O tempo de internação e as taxas de mortalidade foram similares nos dois grupos. No entanto, as taxas de reinternação foram maiores no grupo angioembolização-primeiro (12,3% vs. 1,4%,p = 0,012).
Nguyen PD et al. ressaltaram que, apesar das diferenças citadas, o risco associado a complicações hepáticas após ajuste para covariáveis foi semelhante nos dois grupos (OR, 1,949; IC 95%, 0,673–5,643; p = 0,219). Além disso, pacientes com lesões hepáticas mais graves também apresentaram maiores taxas de complicações hepáticas (OR, 3,348; IC 95%, 1,643–6,826; p < 0,001).
A angioembolização tem taxas de sucesso altas, estimadas em 85% a 100% no controle de hemorragias hepáticas. Entretanto, o procedimento não é isento de complicações. Cerca de 1/3 dos pacientes submetidos à angioembolização apresentam algum tipo de complicação hepática e, cerca de 1/6, duas ou mais complicações simultâneas. Tais complicações requerem algum tipo de intervenção que pode ser drenagem guiada, colangiopancreatografia retrógada endoscópica (CPRE) ou cirúrgica.
O que podemos levar para casa?
O questionamento de Nguyen et al. é a indicação sistemática da angioembolização como primeira conduta em pacientes com lesão hepática hemodinamicamente estáveis e com extravasamento de contraste dada às potenciais complicações associadas ao procedimento. Entretanto, deve se considerar as limitações inerentes a um estudo post hoc e o próprio autor ressaltou a importância de mais estudos randomizados sobre o tema.
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