A tireoidectomia total é uma modalidade de tratamento definitivo para a DG, apresenta baixíssima taxa de recorrência e rápida resolução do hipertireoidismo quando comparada às outras modalidades de tratamento.
No entanto, nessa situação clínica, os riscos habituais da tireoidectomia como lesão de nervo laríngeo recorrente, hipoparatireoidismo e hematoma cervical pós-operatório são potencializados. Isso pode ocorrer devido à hipervascularização do tecido tireoideano secundária ao hipertireioidismo. Além disso, há o risco de quadro de tireotoxicose aguda devido à manipulação cirúrgica da glândula.
Com intuito de minimizar essas complicações, a SL (solução saturada de iodeto de sódio ou potássio) é classicamente utilizada no preparo imediato pré-operatório de tireoidectomias dos pacientes com DG desde 1923. Diferentes guidelines internacionais a recomendam mesmo que exista falta de consenso na literatura sobre seu uso.
Schiavone et al. propôs responder essa dúvida com um ensaio clínico randomizado prospectivo que teve por objetivo avaliar os possíveis efeitos do preparo pré-operatório de pacientes com hipertireoidismo por (DG) com (SL) no preparo pré-operatório da tireoidectomia total.
Materiais e Métodos
Realizado no hospital da Universidade Pádua, Itália, o estudo avaliou prospectivamente pacientes durante o período de fevereiro de 2020 a abril de 2023 submetidos à tireoidectomia total por DG.
A randomização foi feita entre dois braços distintos: um que recebeu Solução de Lugol (SL+), na dose de 10 gotas, 3 vezes ao dia por 7 dias, iniciadas 8 dias antes da data da cirurgia e um que não recebeu nenhum tipo de solução (SL-).
Os desfechos cirúrgicos primários avaliados foram sangramento peri-peratório e secundários paralisia de nervo laríngeo, hipoparatireodismo, hematoma cervical e duração do procedimento. Desfechos bioquímicos como TSH, T3, T4 livres e VEGF (fator de crescimento endotelial) e ultrassonográficos como fluxo vascular também foram avaliados.
Resultados e discussão
Foram randomizados 70 pacientes (ocorreram 14 perdas após randomização no braço SL +) resultando em 56 pacientes analisados, sendo 29 pacientes SL + e 27 pacientes SL-.
O estudo não encontrou nenhuma diferença entre os dois grupos (SL + vs SL -) nos diferentes desfechos avaliados como sangramento peri-operatório( 80ml vs 94ml, p 0,452), hipoparatireoidismo ( 5 vs 7, p 0,523), número de vasos identificados à microscopia na anatomia patológica (222 vs 189, p 0,446), alterações ultrassonográficas em relação a volume tireoideano, velocidade de artéria tireoideana média índice de pulsatilidade, resistividade (p 0,225, p 0,565, p 0,202), variação de TSH e VEGF (fator de crescimento endotelial).
Nenhuma reação adversa severa foi reportada. Não houve óbito, hematoma cervical, reoperação, readmissão ou paralisia de prega vocal.
No estudo, 12 pacientes apresentaram hipoparatireoidismo, 35 pacientes queixaram do sabor metálico e 15 queixaram em dificuldade de adquirir a solução.
Discussão e impacto na prática clínica
O estudo teve um desenho bastante completo, contemplou diferentes dados objetivos e subjetivos para analisar os possíveis benefícios do uso da SL e concluiu a não diferença entre os grupos, corroborando uma impressão clínica já bastante difundida da ausência de benefício dessa solução nas tireoidectomias por DG.
Mensagem prática
O preparo pré-operatório mais adequado na prática atual consiste no uso das medicações anti-tireoideanas (ex.: tapazol) e beta-bloqueadores não seletivos (ex.: propranolol) atingindo níveis seguros de TSH e T4l livre no momento da cirurgia além da comunicação efetiva com a equipe de anestesiologia a fim de rápida identificação e intervenção de possíveis complicações metabólicas intra-operatórias.
Por outro lado, apesar de presente em guidelines, o preparo pré-operatório do paciente com DG com SL, não encontra respaldo científico suficiente para uso rotineiro na prática clínica.
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