A utilização de aparelhos de ultrassonografia está cada vez mais difundida pelas diferentes especialidades médicas. O avanço tecnológico permitiu que houvesse uma diminuição substancial do tamanho dos aparelhos de ultrassonografia, assim como o custo de aquisição. Muitos vislumbraram que o ultrassom portátil seria o novo estetoscópio, porém isto ainda não é uma realidade completa.
Existe uma modalidade do uso do ultrassom, denominada POCUS (Point of Care Ultrasound), que proporciona ao médico generalista a utilização do ultrassom na complementação do exame físico, com avaliação de parâmetros mais fáceis de serem visualizados pelo não radiologista. Uma vertente do POCUS é o GPOCUS, que avalia especificamente o estômago.
O trabalho apresentado por um grupo da universidade Thomas Jefferson, nos Estados Unidos, utilizou desta modalidade para avaliar o risco de retardo do esvaziamento gástrico em pacientes submetidos a cirurgia colorretal.
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Métodos
Estudo prospectivo de centro único, entre novembro de 2021 a maio de 2022, que incluiu pacientes maiores de 18 anos submetidos a colectomia, com anastomose primária incluídos no protocolo ERAS. Durante o procedimento cirúrgico todos os pacientes tiveram seu estômago esvaziado com um cateter oro-gástrico que era retirado ao término da cirurgia. Líquidos claros eram ofertados no mesmo dia da cirurgia. Nenhum pró-cinético foi administrado e ondansetrona era administrada conforme necessidade.
Por objeto do estudo todos os pacientes eram mantidos em dieta zero iniciando a meia noite do dia da cirurgia, a fim de diminuir fatores confundidores uma vez que o GPOCUS seria realizado às 6h da manhã no D1 pós-operatório,
Durante a realização do exame era avaliada a circunferência gástrica, e seguindo parâmetros previamente estabelecidos, definido como CHEIO ou VAZIO. Cada exame durava em média cinco minutos.
Foi definido como desfecho primário a capacidade de aceitar dieta plena no terceiro dia de pós-operatório associada a flatos ou evacuações (GI-3). Os desfechos secundários seriam relacionados ao tempo de hospitalização e intercorrências eventuais.
Resultados
Dos 56 pacientes incluídos no estudo, seis foram excluídos por passagem de cateter nasogástrico, recusa de realizar o GPOCUS por dor e não visualização do estômago. Ao final, 32 pacientes foram classificados como estômago vazio e 18, como estômago cheio. Dos 18 classificados como cheios, todos continham líquido sem debris no interior do estômago. Não houve diferença epidemiológica entre os grupos, incluindo diabetes, idade, IMC ou cirurgia prévia abdominal entre os grupos.
Houve uma tendência de maior hidratação entre os pacientes com estômago cheio, porém isto não se confirmou estatisticamente: 2450 mL x 200 mL (p=0,079).
Em relação aos desfecho primário, aqueles classificados como estômago cheio obtiveram um atraso em comparação ao grupo estômago vazio no GI-3, com uma mediana de quatro dias (p<0,0001). Além disso o grupo estômago cheio, apresentou uma maior necessidade de passagem de cateter naso-gástrico, assim como maior tempo para eliminação de fezes e/ou flatos e maior tempo de internação, todos com significância estatística (p<0,05).
Discussão
Neste estudo, o uso do GPOCUS, no D1 pós operatório, foi capaz de detectar aqueles pacientes que apresentam risco elevado de diminuição do esvaziamento gástrico, e necessidade de uso de cateter naso-gástrico.
O protocolo ERAS, ajudou bastante na diminuição do tempo de internação hospitalar e diminuição de náuseas e vômitos. No entanto este protocolo não funciona em sua totalidade, com alguns pacientes necessitando de cuidados extras. O uso do POCUS, pode auxiliar na detecção deste subgrupo de pacientes com maior risco de retardo do esvaziamento gástrico e assim podendo desviar das medidas propostas pelo protocolo. Estes desvios podem incluir manter o paciente em dieta zero, uso de cateter e iniciar o uso de procinéticos.
Em conclusão, o uso do GPOCUS, é uma ferramenta de baixo risco que pode ser utilizado na detecção de pacientes de alto risco para o desenvolvimento de retardo do esvaziamento gástrico. Além disto também poderá ser útil na detecção de pacientes de baixo risco, e com isso acelerar ainda mais a progressão de dieta e alta hospitalar.
Conclusão e mensagem prática
O uso de ultrassonografia à beira leito já é uma realidade e está cada vez mais disponível no Brasil. Sua grande utilidade é diminuir a subjetividade do exame físico e das queixas do paciente. Acredito que a maior utilidade do GPOCUS será na liberalidade da dieta naqueles detectados como “estômago vazio”, e até mesmo uma alta precoce com uma vigilância domiciliar. Infelizmente aqueles com estômago cheio, não possuem uma manobra 100% eficaz que resolva o retardo do esvaziamento gástrico, apenas alerta a equipe médica para ser mais conservadora.
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