Complicações após cirurgia abdominal, associadas à formação de bridas e aderências, ocorrem em até 5% dos pacientes e são responsáveis por grande morbimortalidade. Estudos com diversas moléculas têm sido feitos nas últimas décadas, visando encontrar agentes que possam ser aplicados no intraoperatório como antiaderentes e já existem produtos comercializados com esta finalidade, porém até o momento sem grande evidência de sucesso em reduzir risco de uma futura obstrução de intestino delgado e ainda podendo se associar a maior chance de formação de abscesso.
Estima-se que mais de 70% das obstruções de intestino delgado e 40% dos casos de infertilidade sejam secundários à formação de aderências, que são geradas após inflamação, hipóxia e presença de corpos estranhos durante uma cirurgia e estímulo de citocinas profibróticas. As estatinas, através da inibição da enzima HMG-CoA redutase, parecem proporcionar uma redução dessas citocinas prófibróticas, o que já foi demonstrado em estudos in vitro e em roedores.
Estudo publicado no JAMA, em 3 de fevereiro, buscou avaliar esta associação entre uso de estatinas e bridas pós-operatórias, através da análise de duas coortes retrospectivas.
Resultados sobre o uso de estatinas
Foram analisadas duas bases de dados médicos, uma chamada THIN do Reino Unido, entre 1995 e 2013, e a outra Optum dos Estados Unidos, entre os anos 2000 e 2016. Incluídos pacientes submetidos a cirurgias: peritoneais, de cólon, intestino delgado, apêndice, estômago, diafragma, rim, trato reprodutivo feminino, hepatobiliar, pâncreas e sistema vascular abdominal. Foi considerado como desfecho primário qualquer complicação associada a aderências, obstrução intestinal ou necessidade de adesiólise. E feita análise multivariada, avaliando uso de outros agentes que também possivelmente atuem nas citocinas pro-fibróticas, como fibratos, drogas inibidoras da enzima conversora de angiotensina e fatores como idade, tabagismo, obesidade e presença de malignidade.
Na base europeia (THIN), dos 148.601 indivíduos incluídos, 2.060 (1,4%) apresentaram complicação associada a aderências abdominais durante o tempo de seguimento e o uso de estatina no período da cirurgia mostrou uma redução de chance em quase 20% desta complicação (HR:0,81), enquanto demonstraram aumento de risco os fatores: idade acima de 65 anos (HR: 2,34), cirurgia intestinal (HR:2,16) e história de malignidade (HR1.81). Sexo, presença de diabetes, hiperlipidemia e obesidade não mostraram diferenças.
Na base americana (Optum), tivemos 1.188.217 indivíduos, dos quais 54.136 (4,6%) cursaram com complicações por aderências. Nesta coorte, o uso de estatina levou a uma redução de chance deste tipo de complicação em 8% (HR:0,92). E diferente da coorte anterior, doenças com prejuízo a microcirculação como HAS (HR1,21), diabetes (HR: 1,17) e obesidade (HR, 1,28) mostraram aumento de risco. Os principais fatores encontrados foram: cirurgia intestinal (HR 1,87), tumores malignos (HR 1,82), idade acima de 65 anos (HR 1,37) e tabagismo (HR 1,37).
O uso de fibratos e IECAS não alteraram os riscos e a redução com a estatina só foi verificada em pacientes com utilização de drogas de moderada e alta potência (queda esperada de LDL superior a 30%).
Mensagem prática
A formação de bridas intestinais após uma cirurgia abdominal é extremamente comum, ocorrendo em até 90% dos pacientes e apesar de não ser tão frequente o desenvolvimento de complicações associadas, quando presentes podem levar a grande morbidade e mortalidade de até 13%.
Acredita-se que a chave para prevenção das aderências sejam substâncias que atuem inibindo as citocinas pro-fibróticas, porém não dispomos de substâncias com grandes evidências de sucesso até o momento. As estatinas parecem desencadear um papel protetor e este estudo descrito abre espaço para futuros ensaios clínicos, avaliando o papel da estatina na prevenção de complicações por formação de aderências abdominais.
Referência bibliográfica:
- Scott FI, Vajravelu RK, Mamtani R, et al. Association Between Statin Use at the Time of Intra-abdominal Surgery and Postoperative Adhesion-Related Complications and Small-Bowel Obstruction. JAMA Netw Open. 2021;4(2):e2036315. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.36315
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