A apendicite consiste na inflamação e infecção do apêndice cecal que, quando não tratada adequadamente, evolui para necrose, perfuração e peritonite (apendicite complicada). Os casos podem ser divididos em complicados e não complicados, podendo apresentar diferença na abordagem de acordo com a sua classificação.
A apendicite aguda não complicada é a principal emergência cirúrgica pediátrica, e o tratamento cirúrgico sempre foi o padrão para esses casos.
O tratamento não cirúrgico com antibioticoterapia vem sendo cada vez mais estudado e aceito como uma alternativa segura e eficaz para os pacientes pediátricos que apresentam casos simples.
A taxa de sucesso desta abordagem é alta (até 97%), no entanto, a taxa de recorrência, principalmente no primeiro ano, ainda é considerável e preocupante, podendo chegar a > 40%. Além da recidiva, outra preocupação consiste nas possíveis complicações cirúrgicas de apendicectomias realizadas após a falha do tratamento não operatório.
Alguns estudos sugerem que as crianças submetidas à apendicectomia após falha no tratamento não cirúrgico podem apresentar doença mais avançada na recorrência, além da presença ligeiramente maior de complicações pós-operatórias. No entanto, outros estudos relataram a recorrência como apendicite simples, não complicada.
A divergência encontrada acerca desse tema evidenciou a necessidade de novos estudos mais abrangentes, comparando o tratamento cirúrgico precoce com o tratamento cirúrgico após falha na antibioticoterapia isolada, permitindo orientar de maneira mais eficaz a tomada de decisão clínica e otimizar o manejo da apendicite nos pacientes pediátricos.
Nesse sentido, recentemente foi publicado um estudo comparativo que teve como objetivo avaliar se o tipo de abordagem inicial (cirurgia precoce ou cirurgia após falha de tratamento não operatório com antibióticos) apresenta relação com as complicações pós-operatórias.
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Metodologia
Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo, abrangendo pacientes menores de 18 anos, com diagnóstico de apendicite aguda simples (não complicada), hospitalizadas no período entre 01/01/2019 e 30/06/2021 em um hospital terciário de Israel.
Foram incluídos no estudo os pacientes com diagnóstico radiológico de apendicite aguda não-complicada elegíveis para o tratamento não-operatório e os pacientes com o mesmo diagnóstico que foram submetidos a apendicectomia precoce, no momento da admissão.
O limite de idade para a inclusão foi de 5 anos, visto que o tratamento não cirúrgico é oferecido apenas para os pacientes até esta idade nesta instituição.
Os pacientes que apresentaram diagnóstico radiológico de apendicite complicada (peritonite difusa, massa abdominal palpável, abscesso, por exemplo) foram excluídos do estudo.
A presença de fecalito e apêndice > 1cm não foi considerado critério para inelegibilidade para tratamento não-operatório neste hospital.
Além disso, os pacientes que necessitaram de apendicectomia nos primeiros 3 dias de internação foram classificados como falha imediata e excluídos desta coorte devido a heterogeneidade deste subgrupo (pacientes com piora dos sintomas e pacientes que, apesar de estáveis e melhores, foram submetidos a cirurgia por decisão da família).
Os pacientes selecionados foram então divididos em dois grupos, sendo o grupo A composto por pacientes submetidos a apendicectomia após o diagnóstico inicial, e o grupo B por pacientes que apresentaram falha do tratamento não-operatório completo (10 dias).
Todas as apendicectomias foram realizadas por videolaparoscopia, com a mesma equipe cirúrgica, seguindo o mesmo protocolo pós-operatório.
Os pacientes receberam antibiótico venoso por 24 horas após a cirurgia, como rotina, sendo o tratamento prolongado a critério do cirurgião, de acordo com os achados intra-operatórios.
O protocolo de tratamento não-operatório consistiu em internação com antibioticoterapia intravenosa por 3 dias, seguido de antibioticoterapia oral por mais 7 dias. Os antibióticos intravenosos utilizados foram ceftriaxona com metronidazol ou gentamicina com amoxicilina + clavulanato.
Além disso, todos os pacientes deste grupo (não-operatório) foram acompanhados rigorosamente, seguindo protocolo de controle clínico para avaliação de melhora e critérios para alta hospitalar.
O esperado para estes pacientes era a manutenção da estabilidade clínica nas primeiras 24 horas, sem sinais de piora ou novos sintomas, seguido de redução da dor, melhora do apetite e do exame físico abdominal até 48 horas. No terceiro dia, esperava-se melhora completa ou significativa da dor abdominal, apresentando então, critérios para alta hospitalar com antibioticoterapia oral (amoxicilina + clavulanato).
A falha do tratamento não-operatório foi definida como necessidade de apendicectomia após a antibioticoterapia completa (10 dias).
As indicações para cirurgia, nesses casos, incluíram apendicite não resolvida (imagem, sinais e sintomas), apendicite recorrente confirmada por exame de imagem ou dor abdominal recorrente, sem apendicite comprovada por exame de imagem, porém com necessidade de atendimentos de emergência frequentes.
As complicações pós-operatórias foram comparadas utilizando sistemas adequados (Clavien-Dindo e Clavien-Madadi) que se baseiam no nível de intervenção necessário para tratar a complicação.
A coleta de dados incluiu um período de acompanhamento de, pelo menos, 18 meses.
Os dados coletados foram submetidos a análise estatística, considerando um intervalo de confiança de 95% e p < 0,05 para todas as análises.
Resultados
Durante o período observado pelo estudo, 91 pacientes foram submetidos a apendicectomia precoce (imediatamente após o diagnóstico) e 151 pacientes foram submetidas ao tratamento não-operatório com antibioticoterapia isolada, conforme decisão da família.
Durante a hospitalização inicial, 18 pacientes do grupo B apresentaram falha imediata e foram excluídas, sendo metade delas por mudança de decisão dos pais.
Dos 7 pacientes que apresentaram razão clínica para a falha imediata, cinco apresentaram apendicite simples, um apresentou apendicite gangrenosa e um não apresentou patologia significativa do apêndice.
Durante o período de observação do estudo, 45 pacientes que concluíram o tratamento não-operatório apresentaram falha e foram submetidas a apendicectomia.
O tempo mediano para a falha foi de 3 meses (variação de 10 dias a 3 anos).
Apenas 6 pacientes apresentaram falha com menos de 14 dias do término do tratamento não-operatório.
Dos 45 pacientes que apresentaram falha, 43 (95,5%) apresentaram sinais de apendicite recorrente e 2 apresentaram apenas dor abdominal crônica sem achados objetivos nos exames de imagem.
Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à idade, sexo, leucócitos, PCR ou presença de fecalito. O diâmetro apendicular foi discretamente maior no grupo do tratamento cirúrgico precoce.
Os pacientes do grupo A (cirurgia precoce) apresentaram hospitalização pós-operatória mais longa, uso de antibioticoterapia intravenosa mais prolongada e maior probabilidade de complicações pós-operatórias, em relação aos pacientes do grupo B.
A ida para emergência e necessidade de internação nessas ocasiões não apresentou diferença estatística entre os grupos.
Em relação aos laudos histopatológicos, o grupo A apresentou 96% de apendicite aguda, 2% de apendicite gangrenosa e 4% sem a patologia. O grupo B apresentou 62% de apendicite aguda, 16% de apendicite crônica e 22% de apêndice normal, sem casos de gangrena ou perfuração.
Não foi identificado tumor neuroendócrino em nenhum dos grupos.
Em relação ao consumo de recursos (exames de imagem, consultas, antibióticos), o grupo B apresentou maior taxa, com média de 10 dias a mais de antibioticoterapia total.
As análises ajustadas (por idade, gênero, diâmetro e fecalito) dos desfechos pós-operatórios evidenciaram risco de complicações ainda 3 vezes maior no grupo A (p< 0,005).
Discussão
O estudo comparativo evidenciou que os pacientes que necessitaram de cirurgia após falha do tratamento não-operatório nos casos de apendicite não-complicada apresentaram menos complicações pós-operatórias, menor tempo de internação pós-operatória, e uma tendência à redução de idas e readmissões na emergência.
Os resultados sugerem que o tratamento não-operatório se mostra como uma abordagem viável para o manejo da apendicite aguda simples (não complicada) nos pacientes pediátricos, mesmo nos casos de falha deste tratamento.
A taxa geral de falha foi de 42%, sendo 12% imediatas e 30% tardias, dentro do período de acompanhamento de 3 anos.
O estudo mostrou ainda que o uso prévio de antibióticos pode modular a resposta inflamatória, de forma semelhante ao observado na apendicite complicada tratada com antibióticos e apendicectomia posteriormente programada, explicando a menor morbidade cirúrgica nesses casos.
Apesar de não ter havido diagnóstico de tumor neuroendócrino, o risco teórico de diagnóstico perdido permanece nos casos submetidos ao tratamento não-operatório. Além disso, este tratamento implica maior exposição a antibióticos e acompanhamento clínico prolongado, com potenciais implicações futuras.
Limitações e conclusão
Esse estudo apresenta limitações por ser retrospectivo e unicêntrico, além de apresentar pequeno tamanho amostral e viés de seleção parental.
O estudo reforça a segurança e a viabilidade do tratamento não operatório como estratégia inicial nos casos de apendicite aguda simples, visto que a apendicectomia após falha não imediata do manejo não operatório ainda apresenta menor taxa de complicações e menor tempo de hospitalização em comparação com a cirurgia precoce.
No entanto, é importante salientar que o sucesso e segurança do tratamento não operatório está diretamente relacionado ao acompanhamento rigoroso, criterioso e acesso facilitado ao tratamento cirúrgico em caso de recorrência.
Mensagem prática
Apesar dos resultados animadores desse trabalho, ainda são necessários mais estudos, de preferência mais amplos e multicêntricos, que permitam uma comparação mais adequada entre os dois grupos, para apoio mais consistente das decisões clínicas nos casos de apendicite aguda não complicada.
Ao avaliar a nossa realidade, devemos levar em consideração ainda o contexto biopsicossocial dos pacientes e seus responsáveis, pois os fatores imprescindíveis presentes nesse contexto, tais como acompanhamento clínico rigoroso e acesso facilitado ao procedimento cirúrgico quando necessário, ainda são desafios da nossa população, principalmente para os pacientes pediátricos.
Sendo assim, as limitações que afetam a tomada de decisão clínica nesses casos envolvem a necessidade de mais estudos comparativos robustos e a adaptação dos resultados dos seus resultados à realidade dos nossos pacientes.
Autoria
Vanessa Nascimento
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