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Cirurgia24 janeiro 2020

Como abordar paciente com lesão renal aguda no perioperatório?

A lesão renal intraoperatória contribui para o aumento da taxa de mortalidade, maior tempo de permanência hospitalar e aumento dos custos de internação.

Por Gabriela Queiroz

A falência de órgãos durante o período intraoperatório é a maior causa de aumento da morbimortalidade dos pacientes cirúrgicos. Dentre os órgãos mais afetados durante um procedimento, o rim é o que sofre maiores injúrias e é responsável pela maior parte das complicações pós-operatórias. Estatísticas demonstram que 20 a 40% dos pacientes críticos irão apresentar injúria renal com aumento da mortalidade em 70% desses casos.

A lesão renal intraoperatória contribui para o aumento da taxa de mortalidade, maior tempo de permanência hospitalar e aumento dos custos de internação. Até mesmo lesões subclínicas estão relacionadas a maior taxa de mortalidade. Saber diagnosticar e prevenir a lesão renal durante a cirurgia é muito importante para o sucesso pós-operatório do paciente.

médicos no centro cirúrgico com paciente com lesão renal aguda intraoperatória

Lesão renal no perioperatório

Condutas antigas, como o uso profilático de dopamina em baixas doses ou o uso de furosemida em altas doses a fim de bloquear o consumo de ATP no epitélio renal, já foram comprovadas que além de não serem eficazes são prejudiciais ao tecido renal. Estudos estão sendo realizados a fim de aprimorar o diagnóstico precoce e melhorar os tratamentos intraoperatórios.

A lesão renal pode ser classificada em aguda ou crônica dependendo do tempo de estabelecimento da lesão. Em relação às lesões agudas existem infinitas classificações relacionadas a seu conceito, sendo que a mais recente lançada pela Acute Dialisys Quality Initiative Group considera lesão aguda o período de até 48 horas e doença renal aguda se essa lesão perdurar por mais de sete dias.

A lesão aguda pode ser pré-renal, que ocorre principalmente nos casos de hipovolemia ou baixa do débito cardíaco com má perfusão tecidual, e a pós-renal, que ocorre por alguma disfunção onde há um bloqueio na saída da urina com injúria retrógrada no tecido renal causando hidronefrose. Tanto a lesão pré como a pós-renal quando não tratadas a tempo evoluem para a lesão do tecido renal propriamente dito.

Fatores de risco

Durante um procedimento cirúrgico vários fatores contribuem para a lesão renal como hipoperfusão causada por hipotensão, hipovolemia ou vasodilatação própria das drogas anestésicas além da inflamação e estresse neuroendócrino decorrentes da cirurgia. Além disso, estudos revelam que a lesão renal aguda tem bastante influência no desenvolvimento de lesões em órgãos remotos como cérebro, fígado, pulmão, coração e sistema autoimune pela combinação da liberação de agentes inflamatórios, como as citocinas, extravasamento de leucócitos, indução de estresse oxidativo e desregularização dos canais iônicos.

Alguns fatores inerentes ao próprio paciente contribuem para a maior incidência de lesão renal, como: níveis elevados de creatinina no pré-operatório (acima de 1,2 mg/dL),idade avançada,raça negra,patologias cardíacas e pulmonares,diabetes,ascite e obesidade.Fatores relacionados ao próprio procedimento cirúrgico também contribuem para a injúria renal principalmente em cirurgias cardiovasculares como tempo prolongado de clampeamento da aorta, hipotensão, formação de êmbolos entre outros.

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Diagnóstico

O diagnóstico da lesão renal aguda está evoluindo no que diz respeito aos marcadores biológicos. Aumento dos níveis de creatinina e diminuição do volume urinário são os critérios mais utilizados, porém nem toda oligúria representa falência renal, assim como a creatinina só começa a aumentar depois que 50% da filtração glomerular estar diminuída. Atualmente vários estudos estão sendo voltados para a criação de novos biomarcadores para a lesão renal aguda como a detecção da molécula de lipocaína associada a gelatina neutrofílica que está ausente na urina de indivíduos saudáveis mas que surge logo no início da lesão renal.

Leia também: Lesão renal aguda e sepse: o que as evidências orientam?

Presença de molécula-1 de injúria renal vem aparecendo como grande promessa no diagnóstico precoce da lesão renal, uma glicoproteína que surge após isquemia ou nefrotoxicidade do epitélio das células do tubo proximal assim como a presença de cistatina C urinária que surge após episódios de catabolismo.

Profilaxia

Em se tratando de lesão renal, a profilaxia desta é mais importante que o próprio tratamento. Apesar de toda a tecnologia em avanços relacionados a cirurgia e anestesia não houve diminuição na incidência de lesão renal aguda intraoperatória. Algumas drogas estão sendo utilizadas para a prevenção da lesão renal como a acetilcisteína que reduz a ação oxidativa dos neutrófilos aumentando a oferta de oxigênio.

Outra droga que está sendo testada e que diminui o potencial inflamatório e oxidativo além de ter propriedades de proteção endotelial é a “lipid-lowering 3-hydroxy-3-methylglutaryl coenzyme A reductase”. A dexemeditomidina que é da classe dos agonistas alfa adrenérgicos também está sendo cogitada na profilaxia da injúria renal intraoperatória uma vez que aumenta o fluxo sanguíneo renal e diminuiu o estresse oxidativo tecidual.

Terapêutica

A terapia de reposição renal é preconizada pelos critérios da The Kidney Disease Improving Global Outcomes assim que o acúmulo de fluidos começa a ser uma ameaça a vida do paciente com o aparecimento de acidose, uremia e distúrbios hidroeletrolíticos. Em relação à terapia com fluidos concluiu-se que é mais seguro uma maior e balanceada oferta de fluidos em pacientes com hipovolemia e oligúria do que a restrição intensa preconizada pelo protocolo ERAS. O tipo de fluido intravenoso também contribui para uma maior lesão glomerular.

Mais da autora: Uso do ácido tranexâmico pode ser eficaz na hemorragia aguda por trauma?

Apesar de soluções cristaloides isotônicas (soro fisiológico 0,9%) serem amplamente utilizadas em pacientes críticos para ressuscitação, já evidenciou-se que essas soluções estão intrinsecamente relacionadas a desequilíbrio ácido básico, vasoconstrição renal, diminuição da filtração glomerular e aumento do risco de lesão renal aguda. O uso de coloides e plasma são mais efetivos e menos danosos. O impacto da anemia sobre o tecido renal também é grande.

Baixo índice de hemoglobina diminui a capacidade de carreamento de oxigênio nos tecidos colocando a medula renal em potencial risco de lesão por hipóxia. Ações com o intuito de diminuir o sangramento intraoperatório e o tratamento da anemia pré-operatória são importantes. O estado nutricional do paciente também é fundamental para a profilaxia da lesão glomerular uma vez que uma boa nutrição contribui para o bom funcionamento dos tecidos e células. Pacientes desnutridos apresentam risco maior de morte após desenvolvimento de lesão renal aguda. Assim como controle inadequado dos índices de glicemia.

Apesar de toda a tecnologia e avanço da medicina, a lesão renal aguda ainda continua como uma das principais causas de aumento da morbimortalidade pós-operatória em cirurgias cardíacas e não cardíacas. Saber identificar e prevenir são os alicerces para um desfecho satisfatório. Muito está sendo desenvolvido em relação ao diagnóstico precoce com biomarcadores o que irá contribuir de forma grandiosa para um diagnóstico precoce e efetivo da lesão renal aguda.

Referências bibliográficas:

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  • Kork, F, Balzer, F, Spies, CD, Wernecke, KD, Ginde, AA, Jankowski, J, Eltzschig, HK . Minor postoperative increases of creatinine are associated with higher mortality and longer hospital length of stay in surgical patients. Anesthesiology. 2015; 123:1301–11
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