A publicação em 2010 da classificação Bethesda para a análise citopatológica de nódulos de tireoide foi um divisor de águas na prática clínica permitindo uma comunicação efetiva entre os diferentes profissionais no cuidado do paciente com nódulos em tireoide.
O avanço do refinamento das categorias diagnósticas, das estratégias de abordagem aos nódulos (testes moleculares, nova punção aspirativa versus cirurgia) e o impacto no risco de malignidade (ROM) resultou em uma nova atualização do sistema de classificação, publicada em 2023.
Nessa versão, houve a manutenção das categorias diagnósticas: não diagnóstico (I), benigno (II), atipia de significado indeterminado (III), neoplasia folicular (IV), suspeito para neoplasia (V) e maligno (VI). Foram excluídos termos alternativos para 3 categorias, eliminando “insatisfatório”, “lesão folicular de significado indeterminado” e “suspeito para neoplasia folicular”.
O relatório citopatológico deve utilizar o nome da categoria em conjunto com a sua designação numérica, não sendo recomendado o uso exclusivo da numeração.
O ROM de cada categoria também foi atualizado, baseado na análise de grandes séries prospectivas de seguimento cirúrgicas desde a última atualização feita em 2017. O algoritmo de manejo também foi atualizado e revisado de acordo com a American Thyroid Association e outras organizações endocrinológicas:
Categoria Diagnóstica | ROM %(intervalo) | Conduta Usual |
Não diagnóstica | 13(5-20) | Repetir PAAF |
Benigno | 4(2-7) | Seguimento clínico e USG |
Atipia de significado indeterminado (AUS) | 22(13-30) | Repetir PAAF, teste molecular, lobectomia diagnóstica, surveillance |
Neoplasia folicular | 30(23-34) | Teste molecular, lobectomia diagnóstica |
Suspeito para neoplasia | 74(67-83) | Teste molecular, lobectomia diagnóstica, tireoidectomia total |
Maligno | 97(97-100) | Lobectomia ou tireoidectomia total |
Especial atenção ao ROM, que pode ser superestimado, principalmente para as categorias não diagnóstica, benigno e AUS, já que é calculado a partir do seguimento de casos operados e para essas categorias específicas apenas uma minoria de pacientes é submetida à excisão cirúrgica.
Abaixo seguem especificidades de cada categoria:
Não diagnóstica
Amostragem deve ser adequada quantitativamente e qualitativamente, recomendando-se mínimo de 6 grupos de células foliculares bem preservadas, bem visualizadas e cada grupo com > 10 células. Aspirados de cistos continuam a ser não diagnósticos e devem ser analisados em conjunto com os achados do ultrassom.
A realização de nova PAAF pode apresentar resultado diagnóstico em 60-80% dos casos e não há mais recomendação de aguardar meses para a nova punção.
Benigno
O ROM estimado baseado em estudos de seguimento de longo prazo é próximo a 1 a 2%, devido a menor probabilidade de abordagem cirúrgica de nódulos benignos e, portanto, menor que o ROM observado nas séries de casos operados, descrito na tabela acima. A revisão atual recomenda o uso do termo “doença nodular folicular” para as lesões benignas.
Atipia de significado indeterminado (AUS)
O achado citopatológico de atipia nuclear confere maior ROM em comparação ao achado de atipia arquitetural isolada ou predominância de oncócitos, por isso a necessidade da descrição se AUS-atipia nuclear ou AUS-outras (ROM 59% versus 6,5%). Nessa situação, cabe o uso das opções de teste molecular, repetição da PAAF ou cirurgia para o diagnóstico definitivo.
Neoplasia Folicular
Essa categoria é reservada aos achados de aspirado no mínimo moderadamente celulares e composto por células foliculares com significativas anormalidades arquiteturais. Testes moleculares podem ser utilizados antes da indicação da cirurgia e o procedimento mais recomendado é a tireoidectomia parcial.
Se possível, deve haver descrição de alterações suspeitas de neoplasia folicular não invasiva da tireoide com características nucleares semelhantes às papiliferas (NIFTP), que geralmente não pode ser diagnosticada pela citopatologia, apenas pela análise anatomopatológica.
Há ainda a recomendação de nomenclatura de “neoplasia folicular – neoplasia folicular oncocítica”, cujo ROM varia de 25 a 50% e os critérios diagnósticos são a quase totalidade de oncócitos, ausência de coloide, linfócitos raros ou ausentes e a presença de variação de tamanho nuclear e celular.
Suspeito para Malignidade
Achados indicativos de carcinoma papilífero, carcinoma medular, linfoma ou outra neoplasia maligna, mas ainda não suficientes quantitativamente ou qualitativamente para o diagnóstico definitivo de malignidade.
Pode-se utilizar teste molecular para auxílio na decisão terapêutica e a abordagem cirúrgica é indicada, podendo incluir tanto a remoção parcial quanto total da tireoide.
Maligno
Achados conclusivos de malignidade à citopatologia, não havendo mudanças nos critérios diagnósticos citopatológicos em relação às edições anteriores da sistematização Bethesda.
As mudanças se restringiram à terminologia: termo “carcinoma papilífero, variante” substituído por “carcinoma papilífero, subtipo”. O antes chamado “variante cribriforme morular” agora é uma entidade tumoral em separado e o termo “carcinoma de alto grau folicular-derivado” substitui “carcinoma pouco diferenciado”.
Discussão e Impacto na Prática Clínica
Essa revisão da sistematização Bethesda trouxe maior clareza em relação as terminologias, atualizou os ROM para as diferentes categorias e trouxe destaque ao papel dos testes moleculares permitindo um cuidado mais customizado e assertivo para o paciente e para o sistema de saúde no qual está inserido.
O médico que cuida do paciente com nódulo na tireoide focar no paciente em sua totalidade e não em um resultado de exame isolado. O resultado da PAAF deve ser interpretado em conjunto com as características do paciente, dos achados de imagem do ultrassom e a conduta sempre deve ser individualizada.
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