Paciente masculino 40 anos, comparece ao consultório de urologia com relato de lesão genital de aspecto verrucoso, com aumento do número de lesões há cerca de 1 ano. Refere parceira fixa (esposa) e não costuma utilizar preservativos. Refere que sua esposa acabou de ser submetida a procedimento de conização uterina. Ambos possuíram, anteriormente, alguns parceiros sexuais. Nega passado de infecções sexuais transmissíveis (ISTs). Apresentou primeira relação sexual aos 16 anos sem preservativos. Nega comorbidades, alergias. Relata postectomia aos 21 anos. prévias.
Nega vacinação prévia para HPV.
Ao exame físico: presença de múltiplas lesões verrucosas no corpo peniano, com meato uretral e bolsa escrotal livres.
Conduta Inicial
Paciente foi submetido a anamneses e exame físico como descritos acima e foram solicitados exames complementares (incluindo sorologias para ISTs).
Apresenta em sua história alguns dados a ressaltar: início de atividade sexual jovem e sem preservativo, postectomia posterior ao início da vida sexual, esposa com necessidade de conização (HPV com potencial oncogênico) e práticas sexuais diversas sem método de barreira. Isso aumenta a possibilidade desse paciente ser portador de um sorotipo oncogênico de HPV e deve acender uma luz de alerta para possibilidade de tumores de cabeça e pescoço e anogenitais.
É importante lembrar que, nos homens com excesso de prepúcio, a postectomia reduz as taxas de recorrência, além de prevenir o contágio de outras ISTs (HIV, herpes, etc), mas não impede te ter câncer de pênis e, mesmo a circuncisão na infância não impede ocorrência de neoplasia intraepitelial superficial.
O paciente foi orientado sobre o HPV (ex. prevalência, transmissão, potencial oncogênico, recidiva, tratamento, etc), incluindo métodos de prevenção de ISTs, possibilidade de vacinação para HPV com objetivo de minimizar recidivas e evolução para neoplasia maligna, além de encaminhamento (tanto para ele quanto para esposa) para outras especialidades pela possibilidade de lesões em orofaringe devido ao sexo oral e anal desprotegidos.
Além disso foi acordado após todo esclarecimento pela realização de cauterização das lesões genitais em centro cirúrgico (com sedação e anestesia local).
Retorno ao consultório
Paciente retorna com exames (sorologias negativas para HIV, Hep C e B, Sífilis e Herpes), demais exames dentro da normalidade. Traz o risco cirúrgico liberado (ASA I). Relatou, ainda, que o otorrinolaringologista identificou lesão suspeita em orofaringe e, por sua vez, programou procedimento cirúrgico.
Iniciou também processo de vacinação para HPV (vacina nonavalente).
Tratamento urológico
Foi submetido à cauterização e à biópsia das lesões genitais sem intercorrências (em regime ambulatorial) com posterior confirmação histopatológica de lesões por HPV (sorotipo 16).
Segue em complementação de esquema vacinal e seguimento ambulatorial de rotina.
Sobre o HPV e seu manejo
Papiloma vírus humano (HPV) é a infecção sexualmente transmissível (IST) mais comum e infecta as células epiteliais e mucosas, podendo causar verrugas de pele e anogenitais. Tem alta prevalência nos indivíduos sexualmente ativos não vacinados, de modo que cerca de 80% serão infectados em algum momento da vida. A maioria das infecções por HPV desaparece espontaneamente em 1 a 2 anos, mas algumas persistem por maior período.
Os sorotipos 6 e 11 são os mais comumente relacionados com os condilomas acuminados (lesões benignas), enquanto os sorotipos 16 e 18 são os mais relacionados a potencial oncogênico (HPV 16 é a variante oncogênica mais comum e responde por 20% de todos os casos de HPV), podendo levar a câncer de colo uterino, vulva, vagina, ânus, pênis e de cabeça e pescoço.
Cerca de 70% das neoplasias cervicais uterinas são causadas pelos tipos 16 e 18. Semelhante ao trato genital feminino, metade de todas as infecções por HPV no trato genital masculino são coinfecções (≥ 2 cepas de HPV).
Os fatores de risco para a infecção pelo HPV incluem idade precoce da primeira relação sexual, promiscuidade, alta frequência de relações sexuais, tabagismo e função imunológica deficiente. Por outro lado, hábitos sexuais estáveis, postectomia e uso de preservativo são fatores de proteção contra o HPV.
A transmissão ocorre por lesões durante contato com a pele ou mucosa e o uso do preservativo não é 100% eficaz na prevenção do contágio, porque pode não conferir proteção de toda área de contato exposta ao vírus.
Nos homens as regiões mais comumente acometidas são sulco coronal, freio balanoprepucial, corpo peniano e meato uretral. Nas mulheres costuma acometer a vulva, parede vaginal, colo uterino e períneo. Nos indivíduos que praticam sexo oral e anal essas regiões também podem ser acometidas e precisam ser avaliadas no exame físico. As verrugas costumam ser assintomáticas, mas podem ocasionar prurido, ardência ou desconforto em alguns pacientes.
O diagnóstico geralmente é clínico, podendo ser necessário realização de exames complementares como citologia, peniscopia, colposcopia, anuscopia (principalmente nas lesões intraepiteliais), além de uretrocistoscopia na suspeita de lesões no interior da uretra.
Testes de rotina para verificar HPV ou doenças relacionadas ao HPV em homens não são recomendados.
O tratamento deve ser individualizado de acordo com alguns parâmetros como: número de lesões, tamanho, área acometida, custo, preferência do paciente, experiência do médico assistente. Pode ser realizado por tratamento tópico (cáusticos, antimitóticos, indutores de interferon), crioterapia ou cirúrgico (eletrocoagulação, laser ou excisão), lembrando que apenas o tratamento cirúrgico tem uma taxa de eliminação primária que se aproxima de 100%.
É importante frisar que nos homens com excesso de prepúcio a postectomia reduz as taxas de recorrência, além de prevenir o contágio de outras ISTs (HIV, herpes, etc). Quanto a vacinação profilática, a maior eficácia da vacina foi observada em homens sem HPV, incentivando a vacinação de meninos e meninas antes de iniciar atividade sexual, mas existem benefícios mesmo naqueles indivíduos já contaminados com HPV.
O primeiro programa populacional de vacinação contra o HPV ocorreu na Austrália em 2007 e atingiu uma cobertura alta e sustentada, relatando uma queda contínua na incidência de lesões precursoras do câncer cervical. O Programa Nacional de Imunização (PNI) no Brasil oferece, atualmente, a vacina quadrivalente contra o HPV (HPV 6/11/16/18) pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2014, sendo o público-alvo as meninas de 9 a 14 anos. A partir de 2017 meninos de 11 a 14 anos também foram incluídos no PNI.
É fundamental a orientação quanto a prática sexual segura, informações quanto as ISTs e profilaxia pré-exposição (PrEP), além de ofertar o tratamento das lesões verrucosas genitais, uma vez que são portas de entrada para outras ISTs e podem conferir, em alguns casos, risco de câncer. Vale ressaltar que mesmo na presença de HPV a vacinação tem papel positivo em melhorar a imunidade do hospedeiro, protegendo contra os sorotipos que ainda não tiveram contato e reduzindo as recidivas. As vacinas disponíveis, hoje, são a bivalente (16 e 18), quadrivalente (6,11,18 e 18) e nonavalente (6,11,16,18, 31,33,45,52 e 58).
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