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Cirurgia9 maio 2023

Atualização sobre transplante de face: indicações, resultados e aspectos éticos

Revisão recente de literatura compilou dados atualizados sobre o perioperatório de alotransplante de face.

A importância da face vai muito além da interação social, visto que ela é fundamental em funções básicas como fala, mastigação, proteção dos olhos, tendo impacto, sobretudo, funcional.

Por isso, o tratamento de pacientes com traumas complexos de face permanece sendo um tópico relevante além de desafiador, particularmente nos casos em que há perda tecidual significativa e destruição completa de músculos orbiculares (ocular e oral). Nesses casos em que há desfiguramento facial que não pode ser reparado por abordagens reconstrutivas autólogas, a realização de alotransplantes compostos vascularizados (VCA) de face pode ser uma promissora ferramenta na reabilitação funcional e social desses pacientes.

Ouça também: Ciclofosfamida pós-transplante para prevenção de GVHD [podcast]

O primeiro alotransplante de face (AF) ocorreu em 2005 e desde então foram realizados 48 AF em 46 pacientes (com dois retransplantes), número significativamente inferior à incidência de pacientes que sofreram trauma facial complexo e que teriam indicação para tal abordagem. Esse desbalanço é impactado principalmente pelos desafios técnicos e de compatibilidade entre doador e receptor, assim como pelos aspectos éticos e de manejo pós-operatório, principalmente no que concerne à imunossupressão.

Atualização sobre transplante de face: indicações, resultados e aspectos éticos

Novo estudo

Por isso, visando compreender mais amplamente os fatores que limitam a utilização dessa ferramenta, foram compilados em revisão de literatura recente os dados atualizados sobre o perioperatório de AF, assim como indicações e contraindicações, resultados, considerações éticas e perspectivas futuras.

Indicações

A principal indicação cirúrgica para o AF são traumas faciais complexos com grande perda tecidual do terço médio da face e dano importante de estruturas funcionalmente cruciais como nariz, lábio e pálpebras. A destruição total dos músculos orbiculares do olho e boca também é outro indicativo de AF. Por isso, pacientes vítimas de trauma balístico, queimaduras e mordedura de animais em face são os mais frequentemente submetidos ao AF. Neurofibroma plexiforme extensivo e deformação importante facial após excisão tumoral também podem ser indicações.

Contraindicações

Um adendo deve ser considerado em relação aos pacientes com câncer, em que a terapia imunossupressora pós-operatória pode elevar até quatro vezes o risco de uma nova neoplasia. Por isso, tem-se contraindicado AF em pacientes com defeitos faciais complexos decorrentes de ressecção de câncer, já naqueles com história patológica pregressa de câncer a limitação é relativa e em casos de neoplasias benignas não há contraindicação.

Procedimento

A seleção do doador e receptor requer compatibilidade sanguínea (ABO) e imunológica (HLA), além da concordância de características cefalométricas. O receptor é submetido à avaliação psicológica e clínica para ser habilitado ao procedimento. Exames complementares pré-operatórios incluem: tipagem HLA, sorologias para HIV, hepatite, citomegalovírus e herpes, angiotomografia dos troncos supra aórticos, eletromiografia (avaliação dos nervos facial e trigêmeo), além de avaliação de potenciais sítio de infecção, como avaliação dentária, otorrinolaringológica e pulmonar.

O procedimento se inicia- concomitantemente no receptor e doador, sendo prioritária a retirada da face em satisfatória condição hemodinâmica do doador. Normalmente a retirada é realizada em bloco, respeitando unidades anatômicas e transportada em armazenamento refrigerado com solução preservadora para reduzir o risco de injúria na isquemia e reperfusão. A cirurgia no receptor consiste primeiramente na exposição de vasos, nervos (artéria carótida externa, nervo facial e trigêmeo, principalmente) e retirada de tecido cicatricial, seguida das anastomoses sequenciais arteriais e venosas. Estruturas ósseas são conectadas utilizando-se osteossínteses com miniplaca e parafusos de titânio e por fim as suturas da mucosa e pele são realizadas.

Pós-operatório

O tratamento imunossupressor pós-operatório é fundamentado em quatro drogas: globulina antitimocítica, anti-interleucina-2 do anticorpo monoclonal do receptor em combinação com tacrolimus, micofenolato e prednisona. Profilaxia com antibióticos e antifúngicos como vancomicina, cefazolina e micafungina  também é realizada para prevenir complicações infecciosas. Profilaxia para pneumocistose (bactrim) e citomegalovírus (valganciclovir) também são indicadas por seis meses.

A reabilitação se inicia o mais brevemente possível, necessitando de equipe multidisciplinar que atua com objetivo de possibilitar execução de funções como fala, mastigação, mímica facial, além da recuperação de sensibilidade local.

Além da reabilitação, é fundamental o acompanhamento para identificação precoce de sinais de rejeição imunológica, considerada a principal complicação desse procedimento.

A rejeição por ser hiperaguda (ocorre nas horas subsequentes ao transplante em decorrência do infarto do enxerto), aguda (ocorre até quatro dias sendo decorrente da infiltração de células imunológicas no tecido transplantado) e crônica (ocorre anos após o transplante, sendo caracterizada por fibrose, telangiectasias e discromias). Rejeição aguda deve ser tratada com pulso de corticoide, já na rejeição crônica estratégias cirúrgicas como reconstruções autólogas ou retransplante podem ser necessárias.

Outras complicações relatadas são linfedema de face, assimetria, flacidez local e alteração de pigmentação cutânea.

Saiba mais: Doença do enxerto versus hospedeiro nos transplantes de medula óssea [podcast]

Resultados e considerações

Dos 46 pacientes que foram transplantados, oito faleceram principalmente em decorrência de neoplasia maligna ou infecção.

Vários aspectos éticos permanecem em discussão, como a realização de AF em pacientes com histórico de tentativa de suicídio, automutilação ou consumo de drogas. A maioria dos autores considera que essa decisão deve ser individualizada, sendo indicada avaliação psiquiátrica minuciosa previamente.

Em resumo, o AF é uma opção terapêutica para pacientes com significativo desfiguramento facial com perspectiva de reabilitação e reinserção desses indivíduos no meio social. Considerando a complexidade do procedimento e a longa jornada de reabilitação pós-operatória, assim como os riscos inerentes à terapia imunossupressora, deve-se ponderar criteriosamente os pacientes que de fato serão beneficiados com essa abordagem.

Mensagem prática

Embora potencialmente promissor, o AF envolve um complexo processo de preparo e follow-up para ser bem-sucedido. A perspectiva da implementação de novas terapias imunológicas nesse processo, assim como inovações provenientes da engenharia tecidual podem possibilitar a amplificação do uso dessa ferramenta.

Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal PEBMED.

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Referências bibliográficas

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