Revisão sobre diagnóstico e manejo da colecistite aguda
Um dos diagnósticos mais frequentes de abdome agudo inflamatório nas emergências cirúrgicas é a colecistite aguda.
Um dos diagnósticos mais frequentes de abdome agudo inflamatório nas emergências cirúrgicas é a colecistite aguda, definida como inflamação que acomete a vesícula biliar originada em aproximadamente 90 a 95% dos casos pela obstrução calculosa do ducto cístico, ou, em 5 a 10% dos casos, na ausência de cálculos biliares, quadro mais comum em doentes críticos.
Considerando a relevância do diagnóstico precoce e adequado manejo dessa patologia, revisão sistemática de literatura publicada no JAMA analisou 102 produções recentes sobre fisiopatologia, diagnóstico e manejo da colecistite aguda.
Fatores de risco para colecistite
Colelitíase é o fator de risco mais associado à colecistite. Dentre os principais fatores relacionados ao desenvolvimento de cálculos biliares destaca-se obesidade, emagrecimento acelerado (principalmente após cirurgias bariátricas), gravidez, sexo feminino, idade avançada, anemias hemolíticas congênitas como talassemias ou anemia falciforme, uso de medicações como octreotide e ceftriaxona, além de comorbidades como diabetes mellitus.
Já nos casos de colecistite acalculosa destaca-se como população de risco pacientes críticos, politraumas graves, grandes queimados, pós-operatório de cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea ou pacientes em uso prolongado de nutrição parenteral.
Patogênese
Obstrução do ducto cístico por cálculo ou lama biliar desencadeia elevação da pressão intraluminal da vesícula que, associada a supersaturação da bile, incrementa resposta inflamatória local. Em até 20% dos casos pode haver infecção por bactérias entéricas, principalmente E. coli, Klebsiella e S. faecalis.
O quadro agudo pode ser estratificado em três fases: a fase inicial (dois a quatro dias) é caracterizada por edema e congestão de parede, já na segunda fase (três a cinco dias) ocorre hemorragia e necrose da parede que pode evoluir com perfuração e peritonite, e a fase purulenta (seis dias ou mais) se manifesta com infiltração leucocitária e acúmulo de secreção purulenta intraluminal. Na sequência, há substituição de tecido inflamatório purulento por tecido de granulação, o que caracteriza um quadro subagudo e crônico.
Já a fisiopatologia da colecistite acalculosa está relacionada à estase biliar e isquemia da parede da vesícula por oclusão microvascular no contexto de hipoperfusão do paciente crítico, tendo desfecho negativo (gangrena, empiema e perfuração) em até 50% dos casos.
Diagnóstico
O diagnóstico deve ser suspeitado em pacientes com dor persistente em hipocôndrio direito com possível associação com ingesta alimentar, além da presença de outros sintomas como febre, náusea e vômitos. Ao exame físico, a investigação do sinal de murphy pode ser útil devido à sua elevada especificidade (96%) para o diagnóstico.
Complementarmente, deve-se solicitar exames laboratoriais como hemograma completo, marcadores inflamatórios, função hepática, bilirrubinas e lipase (diagnóstico diferencial de pancreatite). Em relação aos exames de imagem, o ultrassom de abdome total é o exame
inicial de escolha pela sua ampla disponibilidade, baixo custo e boa acurácia (sensibilidade: 81% | especificidade 83%). Em caso de persistente dúvida diagnóstica opta-se pela cintilografia hepatobiliar com ácido iminodiacético marcado com tecnécio, considerado padrão ouro para o diagnóstico (sensibilidade: 96% | especificidade 90%), sendo também o exame de escolha para investigação de colecistite acalculosa. Outras opções como tomografia computadorizada e colangioressonância ficam reservados para investigação de outras possíveis causas de dor abdominal e para avaliação complementar da via biliar, respectivamente.
O Guideline de Tokyo (2018) reúne critérios de inflamação local, sistêmica e achados de imagem para definição de casos prováveis e confirmados de colecistite, sendo uma ferramenta útil para definição diagnóstica e indicação terapêutica.
Tratamento
Colecistectomia videolaparoscópica (CVL) é o tratamento de escolha para a colecistite. A literatura ratifica que a indicação cirúrgica precoce, em até três dias do diagnóstico, está associada a melhores desfechos (redução de complicações pós-operatórias, tempo de permanência e custos hospitalares) quando comparada à cirurgia tardia (após três dias do diagnóstico).
A CVL precoce também se mostrou benéfica na gestação, independente do trimestre gestacional, com redução do risco de complicações materno-fetais. Também na população acima de 65 anos a CVL foi associada à redução de mortalidade em dois anos quando comparada ao tratamento conservador (15,2% vs 29,3%). Em cirróticos a abordagem cirúrgica mostrou-se mais segura que o tratamento conservador em pacientes Child-Pugh A ou B, ficando a drenagem por CPRE reservada como alternativa para cirróticos de alto risco.
Já o uso de antibióticos é recomendado até o momento da cirurgia, ficando seu uso no pós-operatório reservado para casos com sinais residuais de infecção ou sepse. O esquema de escolha deve cobrir gram-negativos e anaeróbios.
Outras abordagens como a colecistostomia percutânea são opções de segunda linha, ficando reservada apenas para pacientes críticos, perfil da colecistite alitiásica, e com risco cirúrgico proibitivo.
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O que levar para casa
Colecistite aguda continua sendo uma das principais hipóteses diagnósticas de dor em andar superior de abdome na emergência cirúrgica. O diagnóstico e indicação cirúrgica precoce, com até três dias de evolução do quadro, continua sendo um dos principais fatores de bom prognóstico tanto na população geral como em grupos de gestante, idosos e cirróticos.
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