É muito comum pacientes procurarem a emergência por dor abdominal e, ao final da investigação, geralmente próximo do fim do dia, serem diagnosticados com uma apendicite não complicada.
Inicialmente, por uma questão logística, e depois corroborada por trabalhos, evidenciou-se melhores resultados quando esses pacientes são operados no dia seguinte, com equipes descansadas no início da jornada de trabalho.
Torna-se, portanto, comum um paciente com apendicite aguda aguardar o seu tratamento operatório que ocorre após algumas horas do diagnóstico. Nesse hiato entre diagnóstico e cirurgia propriamente dita, as condutas são basicamente analgesia, hidratação e antibioticoterapia. O uso da antibioticoterapia é empírico e racional, visto que se trata de uma doença infecciosa que pode acarretar complicações maiores.
No entanto, um grupo de estudiosos da Finlândia e Noruega conduziram um questionamento se o uso do antibiótico pré-operatório em pacientes com apendicite aguda não complicada que serão operados provoca alguma alteração no desfecho. Eles baseiam o questionamento que não há nenhum trabalho que investigue o benefício desse antibiótico, e que talvez somente a dose de antibioticoprofilaxia no momento da indução anestésica seja suficiente para o paciente.
Métodos
Estudo multicêntrico randomizado, aberto, no intuito de demonstrar a não inferioridade da apendicectomia apenas com antibiótico profilático em relação à utilização de antibioticoterapia clássica, assim que o diagnóstico era feito. Foram incluídos apenas pacientes com apendicite aguda não complicada, e o antibiótico nos dois grupos era suspenso ao término da cirurgia, salvo quando eram detectadas complicações locais.
A randomização foi realizada de forma online e alocado na proporção de 1:1 no grupo sem antibiótico ou antibioticoterapia clássica. O desfecho determinado foi a presença de perfuração do apêndice cecal detectado na cirurgia e os desfechos secundários avaliaram escala de dor, tempo de internação hospitalar e outras complicações pós-operatórias.
Resultados
Um total de 1.774 foram incluídos no estudo, com cirurgias realizadas entre maio de 2020 e janeiro de 2023, sendo alocado 888 no grupo antibiótico e 886 no grupo sem antibiótico. Os dados epidemiológicos eram semelhantes nos dois grupos, com idade média de 35 anos e 45% de mulheres. A mediana para a realização da cirurgia foi de 9h e com uma mediana de 8h de realização da terapia antibiótica, pré-operatória (no grupo antibiótico).
A perfuração do apêndice ocorreu em 74 casos do grupo antibiótico e 79 do grupo sem antibiótico, representando um risco relativo sem significância estatística(p=0,66).
Resultado semelhante também foi visto na análise histopatológica, sem diferença entre os grupos nas perfurações não visualizadas clinicamente. A taxa de complicação global em 30 dias foi de 7% nos dois grupos.
Em relação à taxa de infecção de sítio cirúrgico, ocorreu mais frequente no grupo sem antibiótico, 28 casos, o dobro que ocorreu no grupo com antibiótico 14 casos. Infecção profunda de sítio cirúrgico foi diagnosticada em 3 pacientes do grupo antibiótico e 9 do grupo sem antibiótico.
Na média, os pacientes do grupo antibiótico receberam apenas uma dose a mais que os pacientes do grupo sem antibiótico, visto que neste último recebiam apenas a dose profilática durante a indução.
Discussão
O uso pragmático de antibióticos durante o período de espera para a cirurgia não diminuiu a taxa de perfuração nem as taxas de complicação global. O uso de antibióticos provocou uma diminuição de infecção profunda de sítio cirúrgico prevenindo 1 a cada 83 pacientes tratados com antibióticos, e quando se refere à necessidade de intervenção, este número sobe para 1 para 125 pacientes. Isto é, para impedir uma complicação que necessite de re-intervenção será necessário utilizar antibióticos e outros 125 sem realmente necessitar.
O não uso do antibiótico não se mostrou inferior ao uso apenas profilático de pacientes com apendicite aguda não complicada, e que a melhora com uso da terapia antibiótica imediata pode ser discreta e assim não justifique seu uso indiscriminado.
Para levar para casa
Realmente não fazer o antibiótico para uma apendicectomia que será operada talvez não altere de forma significativa o desfecho. Caso o paciente atrase um pouco mais de 24h para realização da cirurgia seria o mesmo desfecho? A mensagem principal é que apendicite aguda não necessita de uma urgência tão grande quanto se almejava no passado. Por ora, acredito prudente manter o antibiótico assim que feito o diagnóstico, mesmo que com a justificativa de reduzir infecção em 1 a cada 83 casos.
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