A colecistite aguda é uma doença muito comum nos setores de emergência dos hospitais e requer uma atenção especial em relação à condução a ser realizada.
A colecistectomia é o tratamento de escolha e está indicada na maioria dos casos, ficando reservado o tratamento não operatório aos casos de alto risco (idosos, múltiplas comorbidades).
As Diretrizes de Tóquio de 2018 estabeleceram os critérios para o tratamento da colecistite aguda e determinaram que o tratamento cirúrgico deve ser empregado precocemente, sendo apoiado pelo estudo CHOCOLATE indicando a intervenção cirúrgica, mesmo em pacientes de alto risco. Mas será que estamos seguindo este tratamento?
Um estudo do tipo coorte, retrospectivo, foi realizado em um hospital em Toronto, no Canadá, entre janeiro de 2018 e setembro de 2023. O objetivo dessa revisão foi comparar o tratamento da colecistite aguda quanto à abordagem cirúrgica e o tratamento não operatório (antibioticoterapia, drenagem percutânea da vesícula biliar) baseando nas recomendações das Diretrizes de Tóquio de 2018.
Leia mais: Revisão sobre diagnóstico e manejo da colecistite aguda
Métodos
O estudo reuniu um total de 642 pacientes que deram entrada no setor de emergência desse hospital com quadro de colecistite aguda, em que 56,8% dos pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico (colecistectomia) associado à antibioticoterapia, enquanto 43,2% dos pacientes foram submetidos ao tratamento não operatório (drenagem percutânea, apenas antibioticoterapia).
Os critérios de escolha para a técnica a ser empregada (cirúrgico e não operatório) foram baseados na idade, sexo, peso, altura, índice de massa corporal; além de presença de comorbidades e experiência do cirurgião da emergência.
Resultados
Após a análise estatística realizada, evidenciou-se que a indicação para o tratamento cirúrgico (colecistectomia) seguiu as Diretrizes de Tóquio em 95,1% dos casos. Em contrapartida, a decisão de realizar o tratamento não operatório (drenagem percutânea da vesícula biliar e uso de antibioticoterapia isoladamente) apresentou baixa conformidade com as Diretrizes, correspondendo a apenas 38,6% e 20,4% respectivamente (p < 0,001).
Em virtude disso, o grupo submetido ao tratamento não operatório apresentou um tempo de internação mais prolongado (5 dias vs. 3 dias; p < 0,001), maior taxa de complicações (50 casos vs. 40 casos; p = 0,006), maior taxa de mortalidade (12 óbitos vs 0 óbitos; p < 0,001), maior taxa de readmissão (36 casos vs. 20 casos; p < 0,001) e maior necessidade de alta assistida (30 altas vs. 2 altas; p < 0,001).
Fazendo outras análises, evidenciou-se ainda que outros fatores foram decisivos para escolha do tratamento pelo cirurgião, sendo indicado o tratamento não operatório para pacientes com média de idade mais elevada (73 anos vs. 54 anos; p < 0,001), capacidade funcional reduzida (95 pacientes vs. 11 pacientes; p < 0,001), colecistite aguda de intensidade severa (20 pacientes vs. 8 pacientes; p < 0,001) e alguns escores de risco americanos elevados para avaliação de performance status, o que pode ter contribuído para um desfecho pior no grupo não operatório (p < 0,001).
Discussão
A colecistite aguda é uma condição frequente no pronto-atendimento e exige um cuidado e atenção do médico emergencista e cirurgião em relação ao seu diagnóstico e seguimento terapêutico.
O tratamento padrão-ouro é a colecistectomia por via laparoscópica, mesmo em pacientes de alto risco cirúrgico, pois permite a realização do tratamento definitivo, uma recuperação pós-operatória mais rápida e ocasiona menor trauma cirúrgico.
Os pacientes devem ser submetidos a uma avaliação pré-operatória idealmente, para se minimizar os riscos do procedimento e encorajar o médico cirurgião a realizar o tratamento definitivo. As Diretrizes de Tóquio de 2018, juntamente com o estudo CHOCOLATE, estabeleceram critérios para guiar o tratamento da colecistite aguda, mesmo em pacientes de alto risco.
Essas recomendações idealmente devem ser seguidas, visando oferecer o melhor tratamento ao paciente e evitar complicações do tratamento não operatório.
A análise dessa revisão permitiu concluir que a indicação de colecistectomia foi concordante entre os cirurgiões, com conflitos e indicações divergentes quanto ao tratamento não operatório em pacientes que poderiam ter se beneficiado do tratamento definitivo e apresentaram maior taxa de readmissão hospitalar e até mortalidade.
Portanto, precisamos rever os critérios durante a admissão e encorajar a equipe cirúrgica a priorizar sempre o tratamento cirúrgico, desde que o risco cirúrgico não seja proibitivo.
Limitações
O estudo possui limitações, pois ocorreu durante o período da pandemia da covid-19, o que pode ter influenciado negativamente nas decisões de uma determinada indicação ou não de intervenção cirúrgica.
Além disso, obviamente pacientes de alto risco foram indicados ao tratamento não operatório, ocorrendo assim um viés de seleção, sem realizar um estudo realmente comparativo.
Mensagem prática
1 – A colecistite aguda, após diagnosticada, segundo os critérios da última Diretriz de Tóquio 2018, deve ser tratada, idealmente, de forma cirúrgica, sendo a colecistectomia videolaparoscópica o tratamento mais adequado.
2 – Os pacientes portadores de colecistite aguda de alto risco cirúrgico, podem e devem ser encorajados para uma abordagem de forma cirúrgica e a decisão deve ser compartilhada, desde que o risco não seja proibitivo.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.