Comunicar más notícias faz parte da rotina médica, mas continua sendo um dos momentos mais desafiadores na prática profissional. Saber lidar com a dor, a ansiedade e o impacto emocional que um diagnóstico grave provoca exige preparo, sensibilidade e técnica.
É nesse contexto que o Protocolo SPIKES se torna uma ferramenta essencial para estudantes de medicina, residentes e médicos em início de carreira, ajudando a transformar conversas difíceis em momentos de cuidado, respeito e empatia.
O que é o Protocolo SPIKES e por que ele é importante
O protocolo SPIKES é uma metodologia estruturada em seis etapas, criada para orientar médicos na comunicação de más notícias de forma clara, humanizada e empática. Embora tenha sido desenvolvido inicialmente para pacientes oncológicos, seu uso se estende a qualquer especialidade médica e a situações variadas, como diagnósticos graves, más respostas a tratamentos ou indicações de cuidados paliativos.
A principal função do protocolo é sistematizar a conversa, oferecendo ao profissional um caminho seguro para abordar temas delicados sem perder de vista a individualidade de cada paciente.
Origem do protocolo e contexto de criação
Foi publicado nos Estados Unidos, no ano 2000, por Buckman e colaboradores, com o objetivo inicial de melhorar a comunicação entre médicos e pacientes oncológicos. Seu desenvolvimento foi motivado pela necessidade de oferecer um roteiro claro que equilibrasse clareza técnica e sensibilidade emocional.
Importância da comunicação de más notícias na medicina
Más notícias são aquelas que alteram drasticamente a percepção do paciente ou familiar sobre o futuro, podendo gerar tristeza, medo, indignação e outras emoções intensas. Uma comunicação inadequada pode resultar em traumas, quebra de vínculo e até recusa do tratamento.
Sendo assim, ter um protocolo padronizado:
- Reduz o risco de falhas de compreensão.
- Ajuda o médico a manter a calma diante de situações emocionalmente carregadas.
- Favorece a construção de um vínculo de confiança com o paciente.
Quando usar o Protocolo SPIKES
É indicado sempre que a informação a ser transmitida possa impactar de forma significativa a vida do paciente ou de sua família, como:
- Diagnósticos graves (câncer, doenças degenerativas).
- Prognósticos desfavoráveis.
- Necessidade de tratamentos de alto risco ou paliativos.
- Comunicação de óbito.
Passo a passo do SPIKES
As letras da sigla SPIKES representam as seis etapas do protocolo, que devem ser seguidas em ordem para garantir uma comunicação eficaz.
S – Setting up the interview
O primeiro passo é se preparar. A comunicação deve ser feita preferencialmente em um ambiente calmo e livre de fatores de interrupção. Sente-se, isso relaxa o paciente ou familiares e também é um sinal de que você não terá pressa. É preciso decidir quem vai estar presente.
Em alguns casos é interessante que estejam presentes todos da equipe que poderão auxiliar no processo e não apenas o médico. Nesses casos, ficar atento para que haja mais membros da família do que da equipe de saúde. Isso faz com que o ambiente fique mais acolhedor para o paciente que verá uma quantidade maior de rostos familiares do que de profissionais que muitas vezes podem ser desconhecidos para quem está recebendo a notícia. Procure estabelecer uma conexão com o paciente, construir um vínculo e demonstrar empatia.
P – Assessing the patient’s perception
Em português, “avaliando a percepção do paciente”. É o momento no qual o médico tenta compreender o quanto o paciente sabe e entende da situação por meio de perguntas abertas. Pode-se perguntar: “O que o senhor sabe sobre a situação?”. Ou: “O que a senhora imagina que o exame mostrou?” A explicação será feita a partir do que foi demonstrado de conhecimento pelo paciente.
I – Obtaining the patient’s invitation
Aqui se deve saber se o paciente prefere receber todas as informações ou se ele prefere que as informações sejam repassadas para um determinado familiar. Alguns pacientes idosos podem dizer: “tudo sobre a minha situação o senhor pode falar para minha filha que ela resolve. O que ela achar importante ela me passa depois”.
É sempre importante lembrar que todo paciente tem o direito de saber o que tem, mas também é direito dele não querer saber. Em alguns casos, familiares pedem para que o paciente não seja informado. Porém, cabe ao médico informar que se o paciente é lúcido e deseja saber, ele tem esse direito. Ou seja, caso o paciente deixe claro que não quer saber da notícia, o médico pode omitir aquela informação para ele e repassar apenas para o familiar. Já se o paciente pergunta de forma direta e clara se possui um determinado diagnóstico (exemplo: câncer), o médico não pode mentir sobre o diagnóstico.
(Warning Shot) – esse passo não está necessariamente no protocolo, porém é uma chave utilizada para iniciar a comunicação da notícia. A tradução livre é “tiro de aviso”. Consiste em dar avisos do que está por vir. Exemplo: “Infelizmente, não tenho boas notícias para dizer”.
Além disso, é necessário lembrar que não se pode apenas falar sem parar. Às vezes, o paciente precisa de tempo para assimilar e ainda, para fazer perguntas ou confirmar as informações.
K – Giving knowledge and information to the patient
As informações são passadas ao paciente em pequenas partes, de forma clara, de acordo com o nível de compreensão e sem a utilização de palavras complicadas ou muito técnicas. O profissional precisa perceber até onde ele está sendo entendido. A forma com que essa passagem de informação é feita afeta a adesão ao tratamento e outros fatores.
E – Addressing the patient’s emotions with empathic responses
Após passar a situação ao paciente ou familiar, ele entrará para a etapa E (Emotions). Essa é considerada a parte mais difícil. Procure esclarecer como o paciente se sentiu e ofereça apoio por meio de uma resposta empática. O médico precisa entender se deve prosseguir ou não com a comunicação.
S – Strategy and summary
Esse é o último passo do protocolo SPIKES. Pergunte ao seu paciente se ele está pronto para prosseguir a discussão. Perguntar o que ele entende até ali. Faça-o se sentir acolhido. Se ele estiver pronto, é hora de discutir estratégias e quais serão os próximos passos.
É importante o profissional se colocar à disposição para passar a notícia para a família, às vezes, marcar um outro encontro para que esse paciente não precise passar essa informação sozinho para os familiares.
Aplicação do SPIKES na prática médica
Exemplos práticos em diferentes especialidades (oncologia, cardiologia, UTI)
O protocolo SPIKES não é uma técnica engessada, mas sim uma base que pode ser adaptada a diferentes situações e pacientes. Ele é amplamente utilizado em oncologia, especialmente em casos de diagnóstico, recidiva da doença ou início de cuidados paliativos. No contexto de cuidados paliativos, a desesperança do paciente pode ser aliviada focando na qualidade de vida e no controle da dor e dos sintomas.
Como adaptar o protocolo para diferentes perfis de paciente
O médico deve guiar-se sempre pela vontade do paciente e sua família, pois a relação é flexível e única. É importante se colocar à disposição para passar a notícia para a família, ou marcar um novo encontro, para que o paciente não precise fazer isso sozinho. Além disso, a linguagem deve ser adaptada ao nível de compreensão do paciente, usando palavras simples e de fácil entendimento.
- Idosos: falar de forma pausada e verificar compreensão frequentemente.
- Crianças e adolescentes: adaptar a linguagem e envolver a família.
- Pacientes com baixa escolaridade: utilizar recursos visuais e metáforas.
Erros comuns ao comunicar más notícias
Entre os erros comuns, estão a falta de preparação, a omissão de fatos importantes e a utilização de linguagem técnica demais. É essencial que o médico tenha escuta ativa, demonstre compaixão e não dê falsas esperanças. Omitir informações importantes pode ter um efeito negativo tão grave quanto revelá-las sem o devido suporte e preocupação com a linguagem.
A importância do SPIKES na formação médica
Papel da comunicação empática na relação médico-paciente
A comunicação adequada, além de transmitir uma mensagem clara, envolve a troca de informações em uma conversa de mão dupla. Ter empatia significa entender o que é importante para o outro, seus sentimentos, e respeitar sua vontade de saber mais ou não.
Os princípios da Comunicação Não Violenta, de Marshall Rosenberg, também podem contribuir para fortalecer a comunicação nas interações com o paciente, levando em consideração as relações de parceria e cooperação.
Ensino do protocolo em cursos de medicina e residência
Apesar de sua relevância, muitas graduações médicas ainda não incluem treinamento prático em comunicação de más notícias. Simulações e estudos de caso podem ser formas de apresentação desse conteúdo para suprir essa lacuna.
Como desenvolver essa habilidade ao longo da carreira
A prática, o feedback de colegas e a participação em treinamentos simulados são fundamentais para aprimorar a habilidade. A experiência clínica ajuda a adaptar o protocolo às diversas realidades e perfis de pacientes.
# Revisão técnica da editora-médica Juliana Karpinski.
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