O uso da IA nas análises estatísticas médicas
A estatística é uma disciplina essencial na Medicina, notadamente no desenvolvimento de estudos médicos, no raciocínio clínico, diante de informações incompletas, e na interpretação adequada de descobertas científicas. Ela oferece técnicas para que se chegue a conclusões e expressa uma quantificação do grau de incerteza das mesmas por meio da linguagem de “probabilidades”.
O surgimento da inteligência artificial (IA) como uma nova abordagem na ciência de dados repercute também com uma influência cada vez mais acelerada nas pesquisas e estatísticas médicas. Isso é impulsionado, em parte, pelo grande aumento do poder computacional e da maior disponibilidade de dados atualmente.
Saiba mais: Como a IA pode ajudar nos diagnósticos e otimizar o trabalho médico?
Validade estatística
As mesmas características que tornam a IA uma ferramenta valiosa para a análise de dados também a tornam vulnerável do ponto de vista da validade estatística – o que é particularmente relevante para as ciências médicas.
Técnicas que são adequadas para publicidade direcionada – como os algoritmos de redes sociais -, que tornam a previsão do tempo mais precisa, ou que facilitam a busca ou geração de imagens, por exemplo, podem não atender às exigências mais rigorosas de predição de risco ou de diagnóstico na Medicina. É desejável que o volume de dados analisados em uma pesquisa médica seja grande, mas, ao mesmo tempo, é necessário garantir que as conclusões baseadas nesses dados sejam precisas, confiáveis e reproduzíveis.
As técnicas estatísticas tradicionais empregadas em estudos médicos geralmente envolvem uma seleção manual, pelo próprio pesquisador, de variáveis e desfechos a serem analisados e comparados. Ou seja, essa abordagem depende do conhecimento prévio e do julgamento dos especialistas e possuem suposições e características de modelo bem definidas.
Por exemplo, quando deseja-se aferir o quanto o aumento de valores séricos de colesterol LDL impacta nas chances de internação ou mortalidade por doenças cardiovasculares. Entretanto, essa abordagem apresenta as limitações de não escalar bem para conjuntos muito grandes de dados e de pressupor que o estatístico sabe quais características incluir na análise.
Leia também: Empatia digital: como manter a humanização na era dos avanços tecnológicos?
Modelos de IA
Modelos de IA possuem a capacidade de identificar e extrair, de maneira automática, características complexas dos dados, por meio de um processo conhecido como aprendizagem de características, um tipo de machine learning. Durante o treinamento do modelo, a IA identifica essas características a partir dos dados, o que elimina, em tese, a necessidade de especialistas determinarem previamente quais dados usar nas análises.
Isso é especialmente útil em casos com grandes volumes de dados, como exames de imagem, registros eletrônicos de saúde e na área genômica. Assim, a IA pode explorar inúmeras combinações de dados para encontrar os melhores padrões para a tarefa (diagnósticos, predição de risco e outras correlações).
Dessa forma, modelos de IA treinados podem ter a capacidade de identificar características adaptativas aos dados que estão além do que os humanos poderiam perceber, levando a um desempenho muito potente para tarefas específicas.
Contudo, essas características muitas vezes podem ser difíceis de interpretar – por exemplo, entender e explicar os motivos da correlação entre uma variável de exposição e de desfecho -, mais frágeis diante de mudanças na distribuição e na variabilidade dos dados, e carecer de uso de conhecimento de fundo e de verificações qualitativas utilizadas por estatísticos humanos.
Modelos de IA frequentemente são, portanto, incapazes de rastrear claramente a linha de evidência dos dados para as características, o que torna a auditoria e a verificação por pares muito desafiadoras. Assim, considera-se que são necessários mecanismos de controle mais rígidos para garantir a validade externa e a generalizabilidade dos achados científicos feitos por uma IA.
Vantagens e desvantagens
A verificação dos resultados obtidos por IA é especialmente importante no campo da IA generativa, que inclui tecnologias como grandes modelos de linguagem – como o ChatGPT – e chatbots médicos. Esses sistemas podem ser usados, por exemplo, para fazer ou facilitar anotações e resumos em prontuários eletrônicos. Como o treinamento dessas IAs utiliza grandes quantidades de dados não documentados, funções muito amplas, gerais e pouco transparentes para treinar os modelos, é necessário ter cautela extra ao aplicá-los na área da saúde.
De maneira geral, portanto, estatísticos, epidemiologistas e clínicos, em abordagens estatísticas tradicionais, usam julgamento especializado para desenhar estudos e analisar os resultados, frequentemente com um plano de análise estatística pré-especificado, que inclui uma lista de hipóteses e a especificação de controle e categorização das variáveis. Há a possibilidade de verificação por um segundo estatístico que, ao testar o mesmo modelo de estudo e a partir dos mesmos dados, deve produzir resultados quase idênticos.
Existem, nesses casos, limitações diante de volumes de dados muito grandes, multi-modais ou com múltiplas fontes. Por sua vez, uma IA pode ser capaz de vasculhar grandes quantidades de dados, de maneira automatizada, com pesquisa de características arbitrárias (não necessariamente pré-selecionadas), complexas e orientadas por tarefas (por exemplo, identificar fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes entre uma gama muito grande de variáveis ou fatores de risco), desenvolvendo, então, um algoritmo de predição.
As limitações, nesse caso, são a possível opacidade da maneira como os achados foram derivados dos dados, podendo ser impossível para um segundo analista testar a reprodução desses mesmos resultados. Há a preocupação de se produzirem resultados falso-positivos pelo risco de vieses consequentes à análise orientada por tarefa (se o objetivo é achar uma correlação, a IA pode acabar “espremendo” os dados até que se chegue a alguma).
Conclusão
Assim, torna-se evidente que tanto as abordagens tradicionais da estatística, quanto os métodos baseados em IA possuem importantes vantagens, podendo ser complementares na pesquisa médica. A estatística tradicional, com seu foco no julgamento especializado, no desenho cuidadoso dos estudos e na análise criteriosa dos dados, proporciona uma base sólida para a interpretação de descobertas científicas e a garantia da validade dos resultados.
Por outro lado, a IA oferece uma capacidade incomparável e antes impensável de manejar grandes volumes de dados e descobrir padrões complexos que podem escapar ao olho e à capacidade humana. A integração dessas abordagens pode maximizar os benefícios de ambas as metodologias, melhorando a precisão e a eficiência das análises e, ao mesmo tempo, assegurando que os resultados sejam robustos, replicáveis e relevantes para a prática clínica.
Curso completo de IA na Medicina – Afya Educação Médica
Em parceria com a Microsoft, o curso “Inteligência Artificial na Medicina” irá explorar as mais recentes inovações no uso da Inteligência Artificial na prática médica, permitindo que profissionais a incorporem em seus cotidianos, melhorando a qualidade dos atendimentos, otimizando tempo e, consequentemente, destacando-se em suas carreiras.
Saiba mais sobre o conteúdo programático e se inscreva.
Afya Summit
Tem interesse em saber mais sobre Tecnologia, Gestão e Empreendedorismo na Medicina? Participe do Afya Summit, evento para médicos, ecossistema de saúde e estudantes, com grandes referências nacionais e internacionais para discutir os novos tempos da Medicina.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.