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Carreira4 dezembro 2025

O paciente tem nome: evitando vieses preconceituosos

Cada paciente é único, e cada consulta é uma oportunidade de enxergar além do rótulo, da aparência ou da idade. Veja alguns princípios
Por Ester Ribeiro

A relação médico-paciente impacta o diagnóstico bem como a adesão ao tratamento. Menosprezar o paciente porque ele é obeso, tem certa cor de pele ou etnia, pelo seu sexo, idade e mesmo que ele esteja vestido de maneira muito simples corroem a confiança, empobrecem a anamnese e podem causar danos reais e, caso paciente perceba como algo que o feriu como grave, isso pode dar até um processo.

Precisamos nos educar em sermos intencionais na forma como lidamos com os nossos pacientes; somos profissionais e não podemos reagir de forma leviana aos estereótipos vistos em nossos olhos.

 

Princípio 1 — Seu paciente tem nome

Professor e os estudantes circulam em volta do leito, falando termos clínicos e hipóteses sobre a “doença” como se aquele “corpo-vivo” fosse um caso a dissecar. Lembro-me do filme Patch Adams, quando o protagosnista, ainda estudante, interrompe a conversa. Ele vira-se para a paciente, aproxima-se (sem posturas formais), olha nos olhos dela e pergunta, com simplicidade genuína: “Qual é o seu nome?” — não como um detalhe profissional, mas como ponto de partida para a conversa.

O impacto vem daí: a turma espera mais discussões sobre sinais e exames; em vez disso, Patch devolve a palavra à pessoa. A paciente reage — aliviada, humana — e a dinâmica muda: o ambiente fica menos operacional e mais relacional. A cena nos lembra que perguntar o nome (e ouvir) quebra a distância, melhora a comunicação e, muitas vezes, abre espaço para informações que a ficha não traz.

Para usar isso na prática clínica: sente-se ao nível do paciente, olhe nos olhos, diga o nome da pessoa quando ela responder e repita-o uma vez na explicação. Pequenos gestos como esse alteram instantaneamente o tom da consulta.

Não use os jargões da sua especialidade. Todas as mães que conheço detesta ouvir o “mãezinha” da pediatra do seu filho. Se não consegue guardar o nome da mãe do seu paciente, deixe anotado no alto do prontuário e chame-a por “sra Fulana” ou “dona Fulana”.

Cuidado ao passar os casos para algum profissional e usar termos como “aquele paciente com cara de largado”, ou “aquela senhorinha brega”. Não apenas porque ele ou um familiar pode ouvir, mas porque desumaniza mesmo aquela pessoa.

Se atente ao fato que talvez você não considere aquele ser humano digno da mesma gentileza e educação que você espera que tenham a você. Façam aos outros o que você quer que façam a você mesmo.

Aceitar que todos trazem histórias, expectativas e vulnerabilidades permite ouvir e falar com respeiro. A humildade não é fraqueza: é uma ferramenta diagnóstica. Evite tirar conclusões rápidas por aparência ou por papelada. Exemplo prático: antes de presumir sexo, ocupação, hábitos ou diagnóstico diferencial por “look” ou faixa etária, confirme com perguntas abertas e específicas.

Leia mais: Caso clínico: uma lição de amor à vida

Princípio 2 — tratar a pessoa, não o rótulo

O rótulo (obeso, idoso, negro, mãe) pode ser relevante, mas nunca substitui a história única daquele indivíduo. Toda característica aparente deve ser contextualizada: há pessoas idosas com excelente reserva funcional e jovens com multimorbidade. Minha vó com 90 anos está melhor que muitas senhoras de 60 que eu conheço.

Há pacientes com pele mais pigmentada que não se enquadram em descrições clássicas de “doença típica de etnia X” por conta da miscigenação brasileira. Outros de pele clara que podem ter doenças típicas da população negra.

Use a anamnese para individualizar: antecedentes familiares, histórico migratório, exames e contexto social importam mais que estereótipos. Se não der tempo de tirar toda essa história, só permaneça atento às questões típicas do nosso país – lindo, misturado e inspirador.

 

Comunicação prática — frases que funcionam

  • Ao iniciar: “bom dia, qual é o seu nome?” (espere a resposta). “E como o(a) Sr(a) prefere ser chamado(a)?”
  • Quando houver acompanhante: “qual é o seu nome?” (ao acompanhante). “E qual é a sua relação com o sr./sra. fulano(a)?” — assim evita supor “esposa/filho/mãe”.
  • Para passar o caso clínico: “O Sr Fulano, do leito x”. Ou, “o paciente de camisa amarela que está no corredor.” – você evita dizer características que podem ser ofensivas.
  • Antes de fazer exame físico, pergunte “posso ouvir seu coração” ou “posso examinar a lesão? Vou descrever as características para registrarmos com precisão.”

 

O que evitar

  • Comentários “inofensivos” sobre aparência, roupas ou peso. Não tente ser engraçadinho ou ocupar o silencia com comentários aleatório. O silêncio é melhor e mais seguro.
  • Tratar pacientes capazes como crianças – cônjuges, adolescentes ou idosos ( dirigir-se ao acompanhante para explicar o plano).
  • Suposições sobre estilo e condições de vida baseadas em como a pessoa está vestida. Ofereça o melhor tratamento e pergunte, sem cobrança ou intimação, se ele consegue arcar com o valor aproximado por mês. Se não puder, sem crise. Tente a segunda opção.
  • Reduzir queixas de idosos a “coisa da idade” sem investigação adequada.

 

Individualização terapêutica — metas e prioridades

Discuta metas realistas com o paciente: para alguns, redução de risco cardiovascular é prioridade; para outros, qualidade de vida imediata. Idade cronológica não dita capacidade — avalie funcionalidade, comorbidades e preferências.

Em população miscigenada como a brasileira, não presuma “doença típica” por cor da pele; integre história familiar, exames e, quando indicado, testes genéticos.

Conclusão — dignidade e eficiência caminham juntas

Cada paciente é único, e cada consulta é uma oportunidade de enxergar além do rótulo, da aparência ou da idade. Perguntar o nome, respeitar histórias e preferências, evitar suposições e tratar cada pessoa como sujeito integral não é apenas educação — é prática médica de qualidade.

Individualizar o cuidado melhora a comunicação, fortalece a confiança e aumenta a precisão diagnóstica, protegendo o paciente e o profissional. Ao colocar o ser humano no centro, transformamos a consulta em cuidado genuíno, ético e eficaz.

Autoria

Foto de Ester Ribeiro

Ester Ribeiro

Graduada em Medicina pela PUC  de Campinas. Médica Nefrologista pelo Hospital Santa Marcelina de Itaquera. Título em Nefrologia pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.

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