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Carreira28 novembro 2025

Hard skills, ou habilidades técnicas, são supervalorizados na medicina?

As habilidades técnicas e as humanas deveriam andar juntas a fim de tornar o médico mais preparado para prestar o atendimento ao paciente

Aulas de anatomia, fisiologia, provas e mais provas, discussão de casos clínicos, plantões do internato, treinamento e simulações práticas, ligas acadêmicas, monitorias… Calma, respira! Isso é só uma parte do dia a dia do estudante de medicina. Se você está na faculdade, ou passou por ela recentemente, já deve ter pensando algumas vezes que precisava ter umas 30 horas durante o dia para dar conta de tudo o que tem para estudar.

A cobrança para aprender a extensa lista de conteúdos técnicos começa desde o ciclo básico e vai apertando conforme os semestres passam. Somos treinados o tempo todo pra acertar os diagnósticos, prescrever do jeito certo, interpretar exames, decorar protocolos. Passar por tudo isso é necessário pra formar um bom médico. Mas, no meio dessa correria por conhecimento técnico, fica uma dúvida: não estamos deixando algo importante de lado?

Estudamos, aprendemos, decoramos mil coisas… Mas como vou aplicar isso na hora de atender um paciente de verdade? Porque não basta só saber o que fazer, é preciso ter empatia, saber se comunicar de forma clara, ouvir de verdade o que o paciente tem a dizer, lidar com as emoções inesperadas que surgem ali na hora. Essas são as chamadas soft skills, ou habilidades não técnicas, que também deveriam estar presente na grade de formação de um futuro médico.

Na faculdade, acabamos ouvindo muito mais sobre as habilidades técnicas do que sobre o lado humano da profissão, e isso cria um certo desequilíbrio na formação. É comum ver colegas saindo da graduação sabendo diagnosticar, prescrever, seguir protocolos, mas se sentindo meio perdidos quando precisam lidar com a dor do outro, dar uma notícia difícil ou simplesmente escutar alguém com atenção. E o mais curioso é que, na prática, é justamente esse lado humano que vai ocupar boa parte dos nossos dias como médicos.

 

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Conhecimentos complementares

As habilidades técnicas e as humanas deveriam andar juntas a fim de tornar o médico mais preparado para prestar o atendimento integral ao paciente. Não basta só ter o domínio do conhecimento técnico, como médicos, precisamos saber como comunicá-lo ao paciente e aos colegas de profissão.

Imagine as situações difíceis que todos nós, médicos e médicas, vamos enfrentar em algum momento, como contar a um paciente que um exame confirmou um câncer, conversar com uma mãe que acabou de perder o filho, explicar que não há mais o que fazer além de oferecer conforto. Nessas horas, não é apenas o conteúdo do Netter, do Guyton ou do Harrison que vai nos guiar para dar as melhores respostas.

É claro que não estou dizendo aqui que as hard skills não são importantes. Elas são habilidades que precisam ser dominadas e que salvam vidas. Saber interpretar um exame, identificar sinais de alarme, conduzir uma emergência, é o conhecimento básico que o estudante precisa aprender e precisa ser bem dominado pelo médico recém-formado ao sair da faculdade. Mas só isso não basta. As soft skills são as habilidades que vão permitir construir e manter o vínculo com o paciente a longo prazo. É isso que faz com que ele confie em você, siga o tratamento, volte à consulta, se sinta acolhido. E é também o que impede que o atendimento se torne automático.

O que não deve acontecer é o médico recém-formado sair da faculdade acreditando que ser tecnicamente bom é suficiente para ser um bom profissional. Aquela visão de que “não precisa ser simpático, só precisa acertar o diagnóstico” só reforça a ideia errada de que o aspecto humano da medicina é secundário.

 

“A medicina é a mais humana das ciências.” 

Hoje, muitos cursos de medicina estão começando a abrir espaço para disciplinas que vão além do ensino tradicional, como comunicação, saúde mental, bioética, cuidados paliativos e humanidades médicas.  Além disso, cada vez mais têm sido criadas atividades que usam a arte, a literatura, rodas de escuta para ajudar a desenvolver esse lado sensível que o médico precisa ter. Mas a verdade é que esse processo de valorização das soft skills na formação médica também depende de cada um de nós. O que você tem feito para desenvolver suas habilidades não técnicas? Há cursos, treinamentos, atividades extracurriculares que podem ser uma boa estratégia para aprender a colocar em prática essas habilidades.

Se a medicina é, como dizem, a mais humana das ciências, então precisamos nos permitir ser humanos também, com as dúvidas, limitações e emoções envolvidas nisso. Porque, no final das contas, os pacientes dificilmente vão lembrar apenas da sua anamnese bem feita ou do tratamento proposto. O que fica marcado é como você os olhou nos olhos durante a consulta, como escutou suas histórias, como fez eles se sentirem acolhidos em um momento difícil. Acredite, isso faz muita diferença.

Autoria

Foto de Juliana Karpinski

Juliana Karpinski

Editora médica assistente de Carreira da Afya. Médica e Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). MBA em Gestão Estratégica pela UFPR.

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