Em uma das cenas mais impactantes da série Dying for Sex, disponível em plataforma de streaming, uma paciente em cuidados paliativos pergunta à enfermeira o que acontecerá com seu corpo nos últimos momentos de vida. Com serenidade e delicadeza, e até certo entusiasmo, a profissional descreve, passo a passo, o que esperar: a respiração que muda, o estado de consciência que se altera, o corpo que esfria, etc. A paciente ouve com atenção e, ao final, agradece por ter finalmente obtido uma resposta honesta sobre sua própria morte. A cena da série, que é baseada numa história real, ilustra com precisão um dos grandes desafios enfrentados por profissionais de saúde: como comunicar com empatia, respeito e clareza aquilo que muitos evitam — inclusive dentro da medicina.
“Na fase final da vida de um paciente, nós médicos enfrentamos dilemas éticos complexos, que envolvem os princípios fundamentais da bioética: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça”, afirma a geriatra Letícia Barreto. Equilibrar o respeito à autonomia do paciente com a responsabilidade de oferecer cuidado adequado e evitar intervenções fúteis exige sensibilidade e preparo. “É essencial equilibrar a vontade do paciente com o nosso dever profissional de promover o bem-estar. A comunicação empática, com decisão terapêutica compartilhada com paciente, representante legal e/ou familiares, auxilia na eficiência da prática médica e possibilita o seguimento da bioética.”
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Ambiente adequado e da escuta ativa
Conduzir conversas sobre limitações terapêuticas, sedação paliativa ou decisões de não reanimação exige preparo técnico, mas também disponibilidade afetiva. “É importante se importar com o paciente e se preparar tecnicamente para se comunicar, com sensibilidade, tempo para responder todas as dúvidas e traçar com tranquilidade o plano terapêutico proposto”, orienta Letícia. Ela enfatiza a importância do ambiente adequado e da escuta ativa. “Fala-se com sinceridade, com pausas e de maneira simples, sanando-se todas as dúvidas apresentadas. É importante saber lidar com as emoções e se posicionar de forma acolhedora.”
Segundo a médica, a decisão de limitar intervenções invasivas e focar no conforto do paciente está amparada por princípios éticos sólidos. “De acordo com a resolução do CFM de 2006, limitar ou suspender intervenções é semelhante do ponto de vista ético e técnico, tendo como objetivo a garantia da oferta dos cuidados paliativos para aliviar o sofrimento, mesmo que isso signifique suspender tratamentos que prolonguem a vida.”
Benefícios da abordagem paliativa
Os benefícios da abordagem paliativa vão muito além do alívio físico. O processo de morte, de perda de uma pessoa numa família, envolve sofrimentos que são acolhidos e cuidados na abordagem paliativa de maneira ampla — seja no sofrimento físico, psíquico, social ou espiritual. E, para Letícia, o maior obstáculo ainda é o desconhecimento. “Acredito que ainda há resistência em alguns contextos devido à falta de informação sobre a definição dos cuidados paliativos, comunicação equivocada sobre as abordagens, questões culturais e até mesmo a dificuldade dos próprios profissionais em lidar com a morte”, lamenta.
A geriatra reconhece que, durante sua formação tradicional, pouco se falava sobre o morrer. “Não somos preparados para essas perdas!”, afirma. “Aprender sobre os cuidados paliativos me fez uma profissional melhor, com um olhar mais amplo sobre o significado da vida (e da morte), além de mais capacitada para proporcionar qualidade de vida às pessoas com doenças ameaçadoras da vida.”
Dos pacientes que acompanhou até o fim, Letícia diz ter aprendido lições profundas. “Inúmeras histórias, desejos diversos e visões particulares do que realmente significa a vida para cada pessoa.” E conclui: “O verdadeiro cuidar é estar ao lado, junto ao paciente e à família, escutar seus desejos e valores e traçar, em conjunto com a equipe multidisciplinar, o melhor plano terapêutico — centrado na pessoa, com alívio do sofrimento, respeito e dignidade”.
Quem quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho que Dra. Letícia desenvolve dentro da geriatria pode acessar seu site: www.leticiageriatra.com.br. Através do canal, a profissional fala sobre sua experiência em proporcionar uma melhor qualidade de vida, em preservação da autonomia e da funcionalidade dos pacientes idosos, e sobre envelhecimento saudável.
Autoria

Redação Afya
Produção realizada por jornalistas da Afya, em colaboração com a equipe de editores médicos.
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