Eu me lembro bem dos meus primeiros dias no pronto-socorro. Era como se, finalmente, todas aquelas cenas vibrantes dos filmes e seriados médicos fossem acontecer, condensadas em 12 horas intensas. Eu não queria dormir nem um segundo – mesmo podendo. Queria ver tudo, aprender tudo, aproveitar tudo. Pode ser que você não seja tão ansioso quanto eu, mas acredito que, com o tempo, você também vá se pegar pensando: “Por que eu não fiz aquilo?”, “Como eu nunca tinha pensado nisso?”.
Essas dicas eu cometi ou vi acontecer. Gostaria muito que alguém tivesse me contado antes; teria aproveitado melhor os meus plantões, o meu tempo e aprendido mais.
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Dicas para iniciar bem o plantão
1 – Pergunte o que esperam de você
Pode parecer óbvio, mas muitos esquecem: se há um residente ou preceptor responsável pelo plantão, pergunte a ele, logo no início, como você pode ajudar. Algo como “Você prefere que eu acompanhe algum paciente?”, “Quer que eu revise exames ou preencha evoluções?”.
Isso evita que você fique à margem e ainda demonstra proatividade e respeito pela hierarquia. Quem pergunta não perde tempo — e às vezes até ganha um procedimento legal.
2 – Mergulhe no ambiente (de verdade)
O celular pode ser útil, claro — especialmente para anotar algo ou consultar um protocolo rápido. Mas evite ficar com ele na mão o tempo todo. O pronto-socorro é uma escola viva: observe como os casos chegam, como os médicos conversam entre si e com os pacientes, quais os fluxos.
Veja onde estão os materiais de emergência, como desfibriladores, sondas, laringoscópios. Se possível, antes mesmo do início oficial do seu plantão, localize tudo isso. Em uma urgência, isso pode fazer diferença.
3 – Converse com os pacientes
Muitos estão assustados — principalmente em hospitais públicos. Se tiver tempo e oportunidade, converse. Pergunte: “O que o senhor fazia antes de adoecer?”, “Como está sua família?”, “A senhora tem netos?”. Você vai descobrir histórias de vida que não estão nos prontuários.
Além disso, você treina empatia, escuta e comunicação – três pilares que fazem um médico realmente bom. Pode apostar: você não vai lembrar de todos, mas muitos deles jamais vão esquecer que você esteve ali.
4 – Não faça nada sem supervisão
Essa é básica, mas vale repetir: nunca realize um procedimento sem que seu preceptor saiba. Parece exagero? Já vi interno tentando coletar gasometria porque a enfermeira pediu — sem nem saber se era necessário ou se o paciente estava estável – ou a plaqueta do hemograma.
Vai acompanhar o paciente num exame? Avise. Vai tirar sangue? Pergunte se é indicado, se já foi feito, se há contraindicações. Boa vontade sem orientação pode acabar em erro.
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5 – Mostre que está presente
Já privei internos de participarem de procedimentos incríveis porque eles simplesmente “sumiram” durante o plantão. Não estou dizendo que você deve ficar de pé sem parar por 12 horas. Mas seja visto, esteja disponível. Pergunte se pode acompanhar um caso, se precisa de ajuda com alguma evolução, se há algo que possa observar. Você não precisa saber tudo — só precisa estar disposto a aprender.
6 – Estabeleça uma boa relação com a equipe
Essa dica vale ouro: respeite e escute a equipe de enfermagem. Enfermeiros e técnicos têm uma bagagem prática enorme e conhecem bem o funcionamento da unidade.
Muitos podem te ensinar truques úteis, além de te ajudar a entender como a engrenagem do hospital gira. Seja gentil, humilde e prestativo. Isso abre portas.
7 – Prepare-se para os casos mais comuns
Antes de começar os plantões, revise os quadros que mais aparecem no pronto-socorro: dor torácica, dor abdominal, dispneia, crises hipertensivas, intoxicações, traumas leves. Ter em mente o básico dos fluxos e condutas para essas situações ajuda você a acompanhar melhor e até mesmo a antecipar o raciocínio dos preceptores.
8 – Atenção à comunicação
Já ouvi aluno soltar um “essa doença mata 90% das pessoas, né?” do lado do leito. Cuidado. Mesmo que o paciente esteja desacordado, evite esse tipo de comentário clínico na frente dele ou dos acompanhantes. Diagnósticos, suspeitas e estatísticas devem ser discutidos fora da área de atendimento, com a equipe. Comunicação é cuidado, é técnica, é parte da prática médica.
9 – Cuide de você também
Pode parecer pequeno, mas manter-se hidratado e com algo saudável para comer faz diferença. Plantão longo sem comer nem beber direito afeta seu humor, concentração e tomada de decisão. Leve um lanche, uma garrafinha de água. Se tiver uma pausa, aproveite. Você não vai ser “menos dedicado” por fazer isso — só mais inteligente.
10 – Anote o que aprender
Tenha um bloco de notas — no celular ou no bolso — para anotar tudo que for aprendendo: condutas diferentes, dicas práticas, erros que não quer repetir, palavras difíceis, achados de exames. Use essas anotações para lembrar e estudar o que ficou na dúvida. No final do mês, esse caderno vira uma verdadeira apostila feita sob medida pra você.
Conclusão
Começar a atender no pronto-socorro é um marco na formação médica. É empolgante, exaustivo, desafiador e — se bem aproveitado — extremamente formativo. Você vai errar, vai esquecer coisas básicas, vai se sentir perdido. E tudo bem. O importante é manter uma postura de humildade, respeito e curiosidade.
Seu maior diferencial não será o quanto você já sabe, mas como você se comporta diante do que ainda não sabe. E, acredite: quem aprende bem no PS leva uma bagagem prática e humana para toda a vida.
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