Você passa o dia cuidando dos outros — no consultório, no hospital, nos corredores do pronto-socorro. E, quando sai de lá, continua cuidando: dos filhos, da casa, das contas. Entre uma intubação e um banho de criança, entre um prontuário e uma mochila escolar, sobra pouco — ou quase nenhum — tempo para cuidar de si. A alimentação, quase sempre, é a primeira a sofrer.
Quantas vezes você almoçou um pão de queijo às 16h na copa do hospital? Se fez residência mais puxada, sabe bem o que é engolir um pacote de bolacha em pé na copa do hospital ou pedir mais uma marmita de app com a culpa de quem sabe que poderia fazer melhor — mas não consegue. E está tudo bem. Você não está sozinho.
Mas aqui vai a boa notícia: se alimentar de forma equilibrada e nutritiva, mesmo na correria, é possível. E não precisa ser caro, difícil ou gourmet. Este texto é para você: médico ou médica que quer se cuidar, mas precisa de um plano prático e possível. Vamos lá?
Leia mais: Como seguir uma alimentação saudável para o coração?
A base de tudo: parar de buscar perfeição
Antes de qualquer dica prática, vale um lembrete essencial: não espere comer “100% saudável o tempo todo”. Essa régua só gera frustração e culpa. O foco deve ser em constância, não em perfeição.
Se você conseguir estruturar 70% das suas refeições de forma equilibrada, já estará muito à frente da média.
Agora vamos ao que interessa: o que você pode fazer na prática.
Planejamento mínimo. Refeições boas não precisam ser elaboradas
Você não precisa fazer marmitas para a semana toda no domingo (embora isso ajude, como veremos adiante). Mas ter algumas decisões pré-tomadas reduz muito a chance de cair em escolhas ruins no impulso.
O que você pode fazer com pouco tempo:
- Escolha um dia da semana (pode ser domingo à noite ou segunda de manhã) para pensar em 3 a 4 refeições base que vai repetir ao longo da semana. Com um pouco de prática você não precisará de muito mais que 1h pra isso.
- Coloque na sua lista de mercado para sempre ter em casa: ovos, atum ou sardinha em lata, legumes congelados – legumes tipo “jardineira”, brócolis, couve-flor, ervilha -, azeite, grãos prontos enlatados ou congelados (feijão cozido, lentilha, grão de bico) e uma proteína fácil (frango desfiado, carne moída, tofu grelhado). Isso é modificável a considerar seus gostos pessoais, mas seja sincero, doutor, você sabe onde encontrar equivalentes proteicos. Não vale trocar o tofu por queijo cheddar, ok?
- Cozinhe uma base versátil: arroz integral, quinoa, batata inglesa ou batata doce já cozida — isso pode virar bowl, marmita, complemento para um lanche.
- Use potes prontos para montar saladas no pote ou marmitas para levar ao plantão. Invista em potinhos de vidro com tampa.
Monte um cardápio mínimo base (de emergência)
Tenha 3 ou 4 opções de café da manhã, almoço, jantar e lanche que:
- Você gosta.
- São nutritivas.
- São fáceis de preparar ou pedir.
Exemplo:
- Café da manhã: Pão integral com ovo mexido; Iogurte natural com frutas e granola; Vitamina com leite, banana e aveia.
- Almoço: Marmita caseira com arroz, feijão, carne e legumes; Prato do dia do restaurante natural perto do hospital; Bowl de salada com proteína.
- Jantar: Omelete com legumes; Sopa congelada caseira; Wrap integral com frango desfiado e folhas.
- Lanche: Mix de castanhas; Fruta com pasta de amendoim; Iogurte; Barrinha de nuts sem açúcar.
Deixe essa lista visível: num post-it na geladeira, no celular ou no planner. Na hora do cansaço a gente não consegue pensar no que comer e acaba pedindo qualquer bobeira pelo delivery.
Marmitas: uma aliada sofisticada
Foi-se o tempo que a marmita era apenas a opção mais barata mas muitos acham que dão trabalho demais —com a abordagem certa, elas se tornam libertadoras. Evite montar refeições elaboradas — o simples funciona, o complexo surpreende inicialmente e cansa na segunda tentativa.
- Faça o “batch cooking” inteligente no domingo
- Cozinhe em quantidade:
- Meio quilo de arroz – use uma receita da internet – com a prática, em 15 minutos fica pronto.
- Meio quilo de Feijão – refogue 3 dentes de alho, coloque uma colher de sobremesa de sal; não esqueça de deixar de molho no dia anterior. Em cerca de 10 min na pressão da panela já estará pronto.
- Legumes assados com um pouco de azeite e alecrim – fica show de bola. Corte em pedaços grandes abóbora, batata, cenoura, batata doce, abobrinha e o que mais gostar, coloque um pouco de azeite e salpique alecrim por cima. Deixe em 160 graus por 1-2h.
- Carne moída e peito de frango já temperado com cebola, alho e sal. Desfie o frango.
- Use potes ou divisórias para separar em porções individuais. Arroz, feijão, legumes e proteína.
- Congele 3 ou 4 porções, mantenha outras 2 na geladeira.
- Na primeira vez pode ser que você erre nas quantidades, depois você vai ajustando conforme sua demanda.
Dica prática: invista em uma marmiteira elétrica ou bolsa térmica boa. Facilita MUITO a vida no plantão.
Quando pedir é o melhor plano: como escolher melhor fora de casa
Você não precisa cozinhar tudo. Mas precisa escolher com mais consciência.
- Apps de delivery: dicas para pedidos mais inteligentes
- Busque por termos como “comida saudável”, “prato executivo” ou “low carb” — mesmo que você não siga low carb, os pratos costumam ter vegetais e proteína.
- Prefira pratos com nome claro e simples: “Frango grelhado com arroz e salada” é melhor que “Delícia de frango empanado com molho secreto”.
- Evite bebidas doces e sobremesas por impulso no app. Beba água ou chá, e se quiser doce, opte por frutas secas ou um quadradinho de chocolate amargo depois. Se não tiver nenhuma dessa opções, use a versão zero.
- Restaurantes de rua ou de quilo
- Monte seu prato com o esquema simples: 50% vegetais, 25% proteína, 25% carboidrato.
- Evite molhos prontos, frituras e sucos adoçados.
- Cuidado com “aparência saudável” — quiche de legumes pode ser super gorduroso. Pergunte ou observe o preparo. Fique atento à algo que não “caia” muito bem; pode ser excesso de temperos prontos ou gordura.
Alimentação no plantão: estratégias de sobrevivência
Plantão noturno, 12h, 24h… todo mundo que já passou por isso sabe como é fácil se perder na alimentação. Aqui vão dicas para evitar o caos alimentar:
- Leve seu próprio lanche
Prepare um “kit lanche” com:
- Castanhas e nozes;
- Frutas fáceis (banana, maçã, mexerica);
- Iogurte em pote térmico;
- Sanduíche integral com pasta de ricota ou ovo.
- Mantenha a hidratação
Ande com uma garrafinha. A desidratação aumenta a fome e piora o cansaço. Se não gosta de água pura, adicione rodelas de limão, pepino ou hortelã.
- Tenha um “estoque de emergência” no hospital ou na mochila. Alguns industrializados podem não ser a melhor opção entre todas, mas podem ser uma opção melhos aos chocolates da lanchonete.
- Barrinhas de castanha;
- Cookies integrais com poucos ingredientes;
- Sachês de chá;
- Pacotinhos de grão-de-bico torrado ou edamame.
Se você cuida de todo mundo, precisa cuidar de você
A alimentação é um dos pilares da saúde mental, do foco e da disposição. Não se trata de estética, mas de resiliência física e emocional.
Comer bem te dá clareza. Reduz ansiedade. Previne quedas bruscas de energia. Te ajuda a ser um profissional melhor e uma pessoa mais presente seja com os amigos ou com a família.
E o mais importante: te ajuda a durar nessa jornada longa, bonita e exaustiva que é cuidar dos outros.
Você não precisa mudar tudo de uma vez. Comece por um hábito. Depois outro. Em pouco tempo, verá que sua alimentação pode ser uma aliada — e não mais uma cobrança na lista sem fim de tarefas.
E só de chegar ao final do texto, deu pra ver que você está interessado em melhorar sua alimentação. Isso já é incrível. Vamos melhorar agora? Chame um amigo pra ser companhia nessa jornada; quem sabe vocês não revezam os preparos alimentares semanais? Bora?
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