Má notícia é definida como qualquer informação que pode impactar o ponto de vista de uma pessoa sobre seu futuro, levando a respostas emocionais, cognitivas e comportamentais persistentes. Comunicá-las é uma das partes mais difíceis do trabalho médico.
Embora a ideia clássica de notícia difícil envolva o diagnóstico de câncer ou outra condição terminal, a comunicação sobre uma doença crônica ou uma doença que altera o curso de vida da pessoa (ex.: esclerose múltipla) também estão inclusas nesse grupo.
Perfil do paciente e detalhamento das informações
A maioria dos pacientes prefere saber seu diagnóstico, mas a quantidade de informação que eles desejam varia entre diferentes públicos. Pacientes jovens, mulheres e com maior nível educacional tendem a desejar informações mais detalhadas.
Questões culturais também determinam se os pacientes desejam mais autonomia nas decisões ou um cenário onde o médico é mais diretivo com as condutas. Desse modo, é essencial reconhecer as características e preferências dos pacientes antes de comunicar notícias difíceis.
A incapacidade de dar más notícias de forma efetiva e verdadeira pode confundir o paciente. Discussões francas sobre terminalidade, sem superestimar a sobrevida, estão associadas a melhor qualidade de vida dos pacientes e permite que eles aproveitem o tempo da sua vida de acordo com seus objetivos, valores e prioridades.
Pacientes preferem receber notícias difíceis pessoalmente e com a atenção plena dos médicos. A comunicação deve ser feita com honestidade, linguagem clara e simples, sem uso de termos técnicos ou jargões e com tempo para que os pacientes possam tirar suas dúvidas. Na comunicação, os médicos precisam estar preparados para lidar com expectativas irrealistas sobre as intervenções, muitas vezes estimuladas por representações pouco fidedignas de questões médicas nas mídias.
Há várias abordagens estruturadas para comunicação de más notícias, como o SPIKES, ABCDE e BREAKS. Todos eles fazem um sumário dos elementos necessários para se conduzir uma conversa difícil de forma eficaz e compassiva. A seguir, vamos detalhar as seis etapas do protocolo SPIKES.
Leia mais: Caso clínico: muito além da hepatite c
Protocolo SPIKES
Setting (Planejamento da entrevista)
Assegure um local com privacidade e idealmente livre de interrupções (se for esperado alguma interrupção, avise ao paciente antes) e pergunte ao paciente quem ele deseja que participe da conversa. Antes de começar, revise a história dele.
Caso ainda não esteja se sentindo confiante e preparado, você pode lançar mão do ensaio mental. O ensaio mental é uma maneira interessante de se preparar para tarefas desafiadoras e pode ser feito revisando o plano para contar ao paciente e as possíveis respostas às reações emocionais ou perguntas difíceis.
Busque se conectar com o paciente (ex.: sentar-se, fazer contato visual, estender a mão ou tocar o braço do paciente caso ele se sinta confortável com contato físico).
Perception (Percepção)
Esta etapa poderia ser resumida na frase “antes de falar, pergunte”. Neste momento você deve determinar o que o paciente sabe sobre sua condição antes de começar a falar. Comece com perguntas abertas como “o que você entende sobre o que está ocorrendo?”.
Corrija mal-entendidos e vá preparando o terreno, percebendo se há negações, expectativas não realistas ou pensamentos mágicos. Ajuste as informações a compreensão do paciente.
Invitation (Convite)
Peça permissão ao paciente para conversar sobre sua situação. Nesse momento também é importante estabelecer o quanto o paciente quer saber sobre sua condição.
Knowledge (Conhecimento)
Forneça as informações aos poucos, sempre checando se o paciente entendeu, dando espaço para perguntas. Evite termos técnicos ou jargões.
Alguns lugares recomendam uma frase de abertura indicando que você vai dar uma notícia ruim (algo como sinto muito em dizer isto ou infelizmente, eu tenho notícias difíceis para compartilhar).
Evite frases como “não há mais nada a fazer” ou “você tem câncer e a menos que faça o tratamento imediatamente, vai morrer”, pois é provável que o paciente se sinta sozinho e com raiva e tenderá a culpar você, o portador da má notícia, pela situação.
Emotions (Emoções)
As reações emocionais podem ser diversas, como choro, raiva, negação, silêncio e incredulidade. Você deve aceitar a resposta emocional do paciente, ainda que discorde dela.
Demonstre apoio, usando expressões empáticas e validações (ex.: este é um momento difícil para você) e frases de suporte (ex.: eu estou aqui para te ajudar). Antes de dar mais informações, dê espaço para as respostas emocionais dos pacientes.
Strategy and Summary (Estratégia e Resumo)
Nesse momento você deve resumir a conversa, explorar as opções e determinar os objetivos específicos do paciente. Mesmo diante de prognósticos ruins, a maior parte dos pacientes deseja saber os próximos passos e isso ajuda a controlar a ansiedade. Marcar uma próxima consulta, um telefonema, um exame são formas possíveis de estabelecer um plano futuro.
Um dos momentos mais difíceis da comunicação é aquele no qual precisamos lidar com as emoções que surgem no curso da conversa. Para isso, temos uma técnica sintetizada no acrônico NURSE (nomear a emoção, compreender, respeitar, apoiar e explorar, do inglês name, understand, respect, support, explore). Abaixo, exemplos de cada uma das estratégias contidas no acrônimo.
- Nomear a emoção: reconheça e nomeie a emoção. Se o paciente diz “não acredito que é câncer”, o médico pode responder nomeando a emoção “eu imagino que isso é chocante”;
- Compreensão: demonstre que você está entendendo o que o paciente está sentindo. Para tal o médico pode dizer “imagino que seja muito difícil ouvir essa notícia”;
- Respeitar: mostre respeito pelos sentimentos do paciente. Dizer “eu admiro a forma como você está lidando com essa situação” é uma forma possível de demonstrar respeito;
- Apoio: ofereça apoio e demonstre que está ao lado dele. Frases como “estarei aqui para ajudar a processar tudo isso e faremos um plano juntos” é um exemplo de como fazê-lo;
- Explorar: explore os sentimentos do paciente para tentar entendê-los melhor. Perguntas como “você pode me contar mais sobre o que você está sentindo ou o que está deixando você mais preocupado?” são uma opção.
Resumo das recomendações
- A quantidade de informações que as pessoas desejam sobre seu diagnóstico varia;
- Reconheça que suas emoções e estados internos interferem na forma como você interage com pacientes, familiares e colegas;
- Comunique notícias difíceis em um ambiente com privacidade e sem interrupções. Familiares ou outras pessoas que o paciente desejar devem participar desse encontro;
- Não use termos técnicos ou jargões médicos;
- Evite ser direto, dê tempo para os pacientes expressarem suas emoções;
- Responda as emoções dos pacientes assim que elas surgirem e de forma empática. Se você não estiver entendendo o que o paciente está sentindo, pergunte sobre.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.