Uma comunicação clínica adequada na consulta médica é essencial para garantir um atendimento de qualidade, tanto no sentido de resultados em saúde, quanto de satisfação do paciente.
No entanto, a habilidade de comunicação dos médicos é um fator ainda mais importante em consultas com pacientes com baixa escolaridade. É necessário, nesses casos, um cuidado ainda maior para evitar barreiras na compreensão e garantir que o paciente participe ativamente do seu cuidado.
Cuidados na abordagem
Toda consulta médica é um encontro entre dois especialistas: o médico, especialista em medicina, e o paciente, especialista em si mesmo. No caso de pacientes com baixa escolaridade, respeitar essa perspectiva é essencial, pois a maneira de se expressar pode ser muito diferente entre os dois.
Assim, uma abordagem que privilegie a escuta ativa, a empatia e uma relação “horizontal” entre médico e paciente torna-se ainda mais necessária para um atendimento realmente eficaz.
Escutar ativamente o paciente significa permitir que ele relate sua queixa com suas próprias palavras, sem interrupções iniciais. É fundamental demonstrar interesse genuíno por meio de contato visual, postura aberta e sinais de atenção, como acenos de cabeça e expressões faciais que indiquem envolvimento.
Além disso, procurar manter uma relação médico-paciente mais horizontalizada – onde o médico é menos um “detentor do saber” e mais um facilitador de cuidados em saúde – contribui para que o paciente não se sinta inferiorizado ou inseguro, o que poderia dificultar a comunicação e prejudicar a consulta.
Pequenos gestos, como chamar o paciente pelo nome e não demonstrar pressa, podem fazer toda a diferença.
Ambiente acolhedor e seleção das palavras
Também é essencial evitar qualquer atitude que possa ser interpretada como discriminatória ou preconceituosa. O ambiente médico, em muitas situações, pode parecer intimidador, principalmente para pacientes com pouca escolaridade. Cabe ao profissional criar um espaço acolhedor e respeitoso, sem julgamentos à maneira de ser ou de se expressar.
Outro ponto importante nesses casos, a escolha das palavras pode ter a capacidade de influenciar diretamente a compreensão do paciente sobre seu próprio estado de saúde e sobre o tratamento recomendado. Deve-se sempre evitar jargões médicos e termos excessivamente técnicos, preferindo uma linguagem simples e direta.
Quando o uso de termos técnicos for necessário, é importante explicá-los, podendo-se utilizar de analogias e exemplos do cotidiano, facilitando a compreensão.
Técnica da sumarização
A técnica da sumarização também é uma estratégia que se mostra ainda mais valiosa nesses casos. Ao final da primeira etapa da consulta, após o paciente trazer suas queixas e a história ser colhida, o médico pode sintetizar o que foi dito, de volta para o paciente, e verificar se compreendeu corretamente.
Por exemplo: “Então, seu João, o senhor veio hoje por causa de uma dor de cabeça, também quer ver os exames de sangue e acompanhar a pressão, certo?”. Essa abordagem permite ajustes pelo paciente e reforça a segurança na comunicação.
Adesão ao tratamento
Um dos grandes desafios no atendimento a pacientes que podem ter dificuldade de compreensão é em relação à adesão ao tratamento. O paciente deve compreender e concordar em realizar o tratamento proposto.
Perguntar diretamente se ele entendeu e pedir que repita a orientação pode aumentar as chances de adesão. Sempre que possível, é benéfico optar por esquemas terapêuticos simplificados, com menos tomadas diárias e menor risco de efeitos colaterais.
Além disso, é recomendável fornecer orientações detalhadas junto à receita, evitando abreviações e usando uma linguagem acessível. Para pacientes não alfabetizados, pode-se utilizar ilustrações, como um sol para representar o horário da manhã e uma lua para indicar a noite.
Pacientes com baixa escolaridade frequentemente enfrentam desafios financeiros que impactam diretamente a adesão ao tratamento. O médico deve manter uma postura compreensiva, permitindo que o paciente compartilhe suas dificuldades sem medo de julgamento.
Em vez de repreender um paciente que não tomou a medicação, é fundamental entender os motivos e buscar soluções adequadas. Sempre que possível, deve-se priorizar medicamentos disponíveis no SUS ou na Farmácia Popular. Caso não haja alternativas gratuitas, buscar opções mais acessíveis e, quando apropriado, indicar medicamentos genéricos.
Outro ponto importante é, sempre que possível, envolver os familiares no processo de cuidado, especialmente se houver um acompanhante na consulta com um maior grau de instrução. Esse apoio pode auxiliar o paciente a lembrar as orientações médicas e lidar melhor com eventuais dificuldades no tratamento.
Materiais escritos e didáticos
Por fim, materiais escritos e didáticos podem ser um recurso valioso para reforçar as orientações médicas. O uso de cartilhas, panfletos e vídeos educativos, especialmente aqueles disponibilizados pelo Ministério da Saúde, pode ajudar o paciente a compreender melhor sua condição e as medidas necessárias para o seu cuidado.
Técnicas simples, como ilustrações e fluxogramas, também são úteis para pacientes com dificuldades de leitura.
Conclusão
Portanto, atender pacientes com baixa escolaridade exige do médico uma abordagem cuidadosa e atenta, que priorize a escuta ativa, o uso de uma linguagem acessível e a simplificação das orientações.
A criação de um ambiente acolhedor, sem julgamentos, contribui para que o paciente se sinta à vontade para expressar suas dúvidas e dificuldades.
A aplicação dessas boas práticas não apenas melhora a relação médico-paciente, mas também impacta diretamente na adesão ao tratamento e nos desfechos clínicos. Afinal, comunicar-se bem não é apenas transmitir informações corretas, mas garantir que elas sejam compreendidas e aplicadas da melhor forma para a saúde do paciente.
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