Antes mesmo que um médico diga “bom dia”, ele já foi escutado. Antes das palavras, o corpo fala. A roupa, a postura, o olhar. Tudo isso comunica e na medicina, onde cada encontro pode significar um divisor de águas na vida de alguém, a forma como chegamos importa.
Lembro, durante a faculdade, que tive um professor que misturava sabedoria e sarcasmo com maestria, se algum dos meus antigos colegas lerem o texto, saberão exatamente de quem estou falando. Era daqueles que fazia diagnósticos que ninguém pensou e nos levava a amar – e às vezes odiar – a medicina e a clínica médica. Mas uma fala dele me marcou.
Ele dizia, com aquele humor ácido, que deveríamos evitar roupas curtas ou decotadas, não por moralismo, mas por segurança. Que os meninos deviam abandonar os shorts e todos, sem exceção, deveriam calçar sapatos fechados — por ética, por higiene e, principalmente, por respeito ao ambiente hospitalar. Na época, achamos até meio exagerado e clichê. Hoje, entendo.
Entendo porque medicina é cuidado. E o cuidado começa na apresentação.
A presença comunica: credibilidade
Anos depois, testemunhei outra cena que me ensinou um pouco mais. Uma jovem médica — inteligente, bem formada, muito querida pelos pacientes — costumava ir trabalhar de sapatos informais de borracha – vocês sabem qual -, cabelos sempre soltos e despenteados, camiseta amassada. Um dia, um experiente gestor, daqueles que carregam autoridade e respeito na fala mansa, a chamou para conversar. Com delicadeza e firmeza, disse: “Você é ótima. Mas as pessoas não sabem disso até você abrir a boca. Sua presença precisa comunicar o que você é.”
Não era uma censura — era um cuidado generoso e quase paternal. E foi recebido como tal.
É curioso como, às vezes, se fala de vestimenta médica como se estivéssemos discutindo sobre estética ou etiqueta. Mas estamos falando de credibilidade, empatia e vínculo. O que vestimos afeta diretamente como somos percebidos por pacientes, colegas e gestores. E não se trata de padronizar estilos ou impor uma estética conservadora — trata-se de lembrar que nossa roupa também entra na consulta.
O paciente, muitas vezes fragilizado, não sabe se você é residente ou chefe de equipe. Ele lê o que vê. E o que ele vê precisa dizer: “Você está seguro aqui. Eu sou alguém que se preparou para te ouvir, para te examinar, para cuidar de você.”
Diversos estudos demonstram que a aparência profissional de médicos influencia a percepção de competência, confiança e até de empatia. Uma pesquisa publicada no BMJ Open, por exemplo, revelou que pacientes tendem a confiar mais em médicos cuja apresentação é percebida como “profissional” — o que não exige roupas caras, mas denota zelo, asseio, presença (Rehman et al., 2005).
Não se trata de negar autenticidade. Mas de entender que o ambiente de trabalho — especialmente o hospitalar — é um espaço que nos pede uma versão específica de nós mesmos. Que vestir-se de forma adequada não é uma opressão ao estilo pessoal, mas uma expressão do nosso papel e que podemos ser criativos ao unir nosso estilo à empatia pelo que nos é pedido em nosso ambiente de trabalho.
Contexto é tudo o que importa na escolha da apresentação
Médicos trabalham com dor, com despedidas, com diagnósticos difíceis. Trabalhamos com o íntimo alheio, com o corpo do outro. Não é justo que o nosso desleixo atrapalhe esse vínculo tão delicado.
Claro, existem variações importantes. Um psiquiatra pode, intencionalmente, usar roupas mais neutras para transmitir acolhimento. Um cirurgião não atenderá um pós-operatório de jaleco fechado até o pescoço. Contexto é tudo. Mas existe uma diferença entre intencionalidade e desatenção. Quando a escolha é pensada, ela comunica com clareza. Quando é automática, desleixada, pode confundir.
A medicina está mudando — e isso é bom. Podemos ser mais autênticos, mais humanos e deixar nossas individualidades aparecerem. Mas isso não significa abrir mão do essencial: o paciente precisa saber, já no seu primeiro olhar, que está diante de alguém confiável. Alguém que se importa.
E vestir-se com atenção é uma das primeiras formas de dizer: “Eu me importo.”
Autoria

Ester Ribeiro
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.