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Recentemente, a Sociedade Brasileira de Cardiologia atualizou suas diretrizes de valvopatias. Ao contrário do documento anterior (2011), o atual tem foco exclusivo nas lesões anatomicamente importantes e nas mudanças/updates dos últimos anos. Além disso, o texto está muito objetivo e a maior parte das informações está no formato de gráficos e tabelas. Para quem é especialista na área, recomendamos a leitura do texto completo. Aqui, preparamos uma abordagem prática às principais formas de lesão valvar em nosso meio.
Estenose Mitral (EM)
A principal causa de EM no Brasil é a febre reumática e em segundo lugar vem a etiologia degenerativa, por calcificação do aparelho mitral em idosos. O objetivo inicial é avaliar a gravidade da EM, considerada “importante” pela diretriz quando < 1,5 cm². O ecocardiograma é a principal ferramenta tanto para determinar a etiologia como a gravidade.
É importante na avaliação inicial que você esteja atento a:
- Capacidade funcional
- Hipertensão arterial pulmonar
- Fibrilação atrial
- Área valvar + gradiente no ECO
São estes parâmetros que vão guiar a decisão terapêutica.

Insuficiência ou Regurgitação Mitral
O primeiro passo é determinar se primária, por degeneração do aparelho valvar, ou secundária à dilatação do VE. Nos casos secundários, a cirurgia é exceção, só em situações muito graves e complexas, pois a doença está no miocárdio e não na valva. Em geral é reservado para pacientes CF III ou IV com etiologia isquêmica e que são candidatos à cirurgia de revascularização. A prótese percutânea Mitraclip vendo sendo estudada neste cenário, mas sem dados conclusivos ainda.
Já nos casos primários, é importante determinar se etiologia é reumática ou degenerativa, este última por evolução de prolapso e degeneração mixedematosa. O ecocardiograma é o padrão ouro para avaliação, mas tem mais limitações do que nas lesões estenóticas. Por isso, em casos duvidosos de dissociação clínico-ecocardiográfica, pode ser necessário complementar com ventriculografia/estudo hemodinâmico ou ressonância magnética.

Estenose Aórtica (EAo)
Ao contrário das lesões mitrais, a etiologia degenerativa é a mais comum, seguido das alterações congênitas (valva bicúspide). A tríade de sintomas é dispneia, angina e síncope, como já conhecida dos livros-texto e apostilas. Na diretriz atual, a EAo é considerada importante quando no ECO há área valvar ≤ 1,0 cm² (ou ≤ 0,6 cm²/m², indexado) e/ou velocidade do jato regurgitante > 4,0 m/s e/ou gradiente médio VE-Ao > 40 mmHg.
A indicação de intervenção é quando há sintomas, sendo as opções a cirurgia de troca valvar ou a prótese percutânea. Este última, chamada TAVI, vem tendo as indicações expandidas recentemente. No início, era reservada apenas aos pacientes com contraindicação à cirurgia. Posteriormente, passou a ser realizada nos pacientes de alto-risco e agora pode ser colocada mesmo naqueles de risco intermediário! Leia mais sobre a TAVI em nossa reportagem sobre o tema!
Contudo, a EAo tem três cenários especiais:
- Paciente assintomático: os sintomas podem estar mascarados caso seja uma pessoa pouco ativa. Por isso, é recomendado um teste ergométrico, em ambiente hospitalar, para avaliação de capacidade funcional em indivíduos assintomáticos com EAo grave no ECO. Além disso, é possível a cirurgia (classe IIa) em pacientes assintomáticos mas com marcadores de gravidade no ECO: área valvar ≤ 0,7 cm² e/ou velocidade do jato regurgitante > 5,0 m/s e/ou gradiente médio VE-Ao > 60 mmHg.
- Paciente com baixa fração de ejeção (< 50%): o gradiente no ECO pode ser subestimado, aparecendo um gradiente menor que o real. Por isso, indica-se o ecocardiograma de estresse com dobutamina, para avaliar a área valvar e o gradiente com uma FE otimizada. Se houver aumento da FE (≥ 20% no volume ejetado e/ou ≥ 10 mmHg no gradiente médio) sem aumento da área valvar (≤ 0,2 cm² de incremento com dobuta), configura-se como EAo grave e há indicação para intervenção.
- Paciente com baixo gradiente (< 40 mmHg), fração de ejeção normal (> 50%) e área valvar reduzida (< 0,7 cm²): se houver muita calcificação, medida pela densidade na TC, é provável que a EAo seja importante e considere avaliação funcional e/ou cirurgia, dependendo da avaliação clínica e capacidade funcional.
Insuficiência Aórtica
Apresenta como etiologias mais comuns reumática, degenerativa, congênita (bicúspide) e por dilatação secundária a doenças na aorta. Assim como na IM, o ECO pode apresentar limitações na avaliação das lesões regurgitante e ser necessário complementar com ventriculografia/estudo hemodinâmico e/ou RM cardíaca. Nestes pacientes, os sintomas podem ser tardios e é muito importante o acompanhamento do indivíduo mesmo se assintomático, a fim de intervir antes que a dilatação ventricular seja irreversível. O tratamento disponível é a cirurgia de troca valvar, sendo o implante percutâneo bem menos desenvolvido que na EAo.
Está indicada intervenção quando há:
- Sintomas
- FE < 50%
- Diâmetro sistólico do VE > 50 mm (ou 55mm, se reumático)
- Diâmetro diastólico do VE > 70 mm (ou 75mm, se reumático)
Lembrando que a troca valvar pode ser necessária em pessoas com doença da aorta ascendente, como parte da cirurgia na aorta.
Outras observações:
- Insuficiência tricúspide: a maior parte dos casos é funcional/secundária, tanto a cardiopatias do lado esquerdo como a cor pulmonale/hipertensão pulmonar. É indicada cirurgia de plastia quando o paciente irá operar outra lesão valvar e haja IT moderada a grave e/ou dilatação do anel ≥ 40 mm. A disfunção sistólica grave do VD é uma contraindicação relativa à cirurgia.
- Não há validação para uso dos novos anticoagulantes orais (NOAC ou DOAC) nas lesões valvares, seja FA ou prótese mecânica, sendo indicado apenas enoxaparina ou varfarina.
- A troca de uma prótese valvar é indicada quando há disfunção importante sintomática e/ou anemia hemolítica refratária.
- A trombose da prótese valvar é mais comum quando ela é mitral e mecânica. O tratamento de escolha é a trombólise, sendo a cirurgia para casos selecionados.
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Referências:
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