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Cardiologia22 dezembro 2021

Uso de maconha tem impacto no risco de sangramento pós-angioplastia?

Um estudo buscou descrever as características de usuários da maconha e desfechos intra-hospitalares após intervenção coronariana percutânea.

O uso da maconha vem aumentando nos últimos anos em todo o mundo, tanto de forma medicinal quanto recreativa, especialmente nos lugares em que há legalização. Tal constatação torna importante a avaliação dos benefícios e prejuízos da substância. Há dados na literatura sobre o seu impacto cardiovascular. Análises prévias de indivíduos com infarto agudo do miocárdio (IAM) mostram que os usuários de maconha tendem a ter menor número de fatores de risco cardiovascular (com exceção do tabagismo), incluindo menor faixa etária. Tendo isso em mente, é plausível pensar que o uso da droga seja um fator de risco para aterosclerose. Acredita-se que a ativação dos receptores canabinoides possa ter relação com a fisiopatologia da aterosclerose e com a precipitação de síndrome coronariana aguda. 

Além de maior o risco de IAM, alguns autores mostram que o uso de maconha se associa ao pior prognóstico após o evento isquêmico, incluindo maior taxa de mortalidade (seja por qualquer causa seja por causa cardiovascular). No entanto, os mecanismos envolvidos ainda não são totalmente conhecidos. 

Em agosto de 2021 foi publicado um estudo norte-americano cujo objetivo foi descrever as características da população usuária de maconha e avaliar a associação entre o uso da droga e os desfechos intra-hospitalares após intervenção coronariana percutânea.

maconha

Características do estudo 

Tratou-se de estudo retrospectivo com pacientes submetidos à angioplastia entre 2013 e 2016. Os dados foram coletados da The Blue Cross Blue Shield of Michigan Cardiovascular Consortium (BMC2), empresa colaborativa que mantém registro prospectivo de todos os indivíduos submetidos ao procedimento em 48 hospitais não federais de Michigan. Definiu-se uso de maconha como o uso na forma inalada em qualquer momento no mês que antecedeu à angioplastia. A informação sobre uso de maconha foi retirada dos registros médicos, não tendo havido instrução específica para questionamento sobre o uso. Vale ressaltar que pode ter havido um viés de memória, uma vez que nem todos os usuários de maconha podem ter relatado o uso.

Foram registradas 113.477 angioplastias no período analisado. No entanto, em apenas 3.970 delas (3,5%), havia relato de uso de maconha. A fim de tornar os dois grupos (uso ou não da droga) mais “homogêneos” e reduzir o viés de seleção, foi feito um pareamento (utilizando escore de propensão), chegando-se a 3.803 indivíduos em cada braço. 

Antes do pareamento, algumas características eram distintas entre os grupos. Por exemplo:

  • Os pacientes que relataram uso de maconha tinham mediana de idade inferior aos demais (53,85 x 65,81 anos); 

  • A taxa de tabagismo foi maior no grupo dos usuários da droga (73% x 26,8%);

  • História pregressa de cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM) e/ou insuficiência cardíaca (IC) foi mais frequente entre os indivíduos sem relato do uso de maconha (18,4% x 9,8% para CRVM e 17,8% x 12,8% para IC).

A diferença de idade entre os grupos corrobora a ideia de a maconha ser um fator de risco cardiovascular, visto que a idade avançada é um importante fator de risco de doença coronariana e a mediana de idade dos pacientes que usaram maconha foi 12 anos menor do que a dos demais pacientes. 

Os desfechos primários foram: morte por qualquer causa, acidente vascular encefálico (AVE), injúria renal aguda (IRA), necessidade de transfusão e sangramento. 

Achados do estudo

Os autores perceberam que os indivíduos que tinham feito uso de maconha apresentaram maior taxa de sangramento (adjusted odds ratio 1,54 – IC 95%: 1,20-1,97 – p < 0,001) e de AVE (adjusted odds ratio 11,01 – IC 95%: 1,32-91,67 – p = 0,026). Por outro lado, houve menor incidência de IRA nesse grupo (adjusted odds ratio 0,61 – IC 95%: 0,42-0,87 – p = 0,007). Não foi observada diferença na necessidade de transfusão (adjusted odds ratio 1,00 – IC 95%: 0,69-1,44 – p = 0,876) e na taxa de mortalidade (adjusted odds ratio 0,94 – IC 95%: 0,54-1,62 – p = 1,0).

Em relação ao sangramento pós-angioplastia, os indivíduos não expostos à droga tiveram incidência de 3,4%, enquanto o grupo comparador teve incidência de 5,2%. Uma questão que merece ser destacada, no entanto, foi a diferença de manejo entre os pacientes, e notou-se que heparina não fracionada e antiagregantes plaquetários foram utilizados com maior frequência nos usuários de maconha, o que pode ter influenciado os resultados.

Além disso, o estudo apresenta outras limitações: 

  • Apesar do ajuste de fatores conhecidos de confundimento, outros fatores não corrigidos podem ter influenciado os resultados;
  • O uso real de maconha pode ter sido subestimado na população devido ao método de coleta de dados e à ilegalidade do uso recreativo no período analisado;
  • Pode ser que haja efeito dose-dependente, que não pode ser analisado pela falta do dado sobre quantidade e formulação utilizada;
  • Forma de coleta de dados e fato de ser restrito a um estado americano podem dificultar generalização dos resultados.

Leia também: Consumo de maconha na gestação e o risco de autismo em crianças

Discussão e conclusão

Os pacientes que reportaram uso de maconha eram, em média, dez anos mais jovens, tinham menos fatores de risco cardiovascular e apresentaram mais IAM com supra ST. Os desfechos pós-angioplastia sugerem que o uso da droga pode estar associado a maior risco de sangramento e AVE e a menor risco de IRA após o procedimento. 

Ressalta-se que a maior taxa de tabagismo entre os usuários de maconha e a aparente maior propensão ao uso de outras substâncias podem ter implicado em viés de confundimento, apesar do pareamento. 

Apesar das limitações, o estudo chama atenção para a necessidade de melhor entendimento dos efeitos cardiovasculares relacionados à maconha.

Referências bibliográficas:

  • YooSang Gune K., et al. Marijuana use and in-hospital outcomes after percutaneous coronary intervention in Michigan, United States. Cardiovascular Interventions 14.16 (2021): 1757-1767. doi10.1016/j.jcin.2021.06.036
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