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Cardiologia28 julho 2025

Sobreposição cardiovascular-renal-metabólica e função física na IC idosa

Sobreposição CKM em idosos com IC piora função física e prognóstico. Estudo aponta necessidade de abordagem personalizada. Confira!
Por Juliana Avelar

A insuficiência cardíaca (IC) resulta em hospitalização de aproximadamente 1 milhão de pacientes anualmente devido a exacerbações e complicações. A American Heart Association introduziu o termo “síndrome cardiovascular-renal-metabólica (CKM)” para enfatizar as relações complexas e interconectadas entre as condições cardiovasculares, renais e metabólicas, como o diabetes tipo 2. Essas doenças—incluindo a doença cardiovascular aterosclerótica (DCVA), a doença renal crônica (DRC) e o diabetes mellitus tipo 2 (DM2)—não apenas estão entre as principais causas de morte e incapacidade no mundo, mas também compartilham mecanismos patológicos comuns. 

Por meio de vias compartilhadas de início e progressão da doença, as condições CKM frequentemente coexistem e se agravam mutuamente, destacando sua natureza sobreposta e mutuamente reforçadora. Embora a IC seja caracterizada principalmente por disfunção física causada por disfunção cardíaca, o impacto das condições CKM sobrepostas na função física em pacientes com IC permanece pouco compreendido. Além disso, vários estudos examinaram a influência da sobreposição CKM nos desfechos em pacientes com IC. No entanto, esses ensaios clínicos randomizados focaram predominantemente em populações mais jovens, frequentemente excluindo idosos com fragilidade ou multimorbidade.  

Essa exclusão limita a generalização dos achados, pois pacientes mais velhos geralmente apresentam reservas fisiológicas reduzidas, respostas alteradas ao tratamento e uma maior carga de comorbidades, incluindo condições CKM.  

Nesse contexto, foi publicada recentemente no European Journal of Preventive Cardiology uma análise pós hoc dos estudos FRAGILE-HF e SONIC-HF que teve como objetivo investigar como a sobreposição CKM afeta a função física e o prognóstico em adultos idosos hospitalizados com IC. 

Métodos 

Este estudo envolveu uma subanálise post hoc dos dados derivados do estudo FRAGILE-HF, que foi um estudo prospectivo, multicêntrico e observacional realizado em 15 hospitais no Japão. O estudo incluiu todos os pacientes com idade ≥65 anos que foram hospitalizados por descompensação de IC.  

Os autores usaram a coorte SONIC-HF como coorte de validação independente. O estudo SONIC-HF é outro estudo prospectivo, multicêntrico e observacional que investigou a relevância prognóstica da massa e função muscular usando ultrassom e medidas antropométricas. Os critérios de inclusão e exclusão foram idênticos aos do estudo FRAGILE-HF, garantindo a comparabilidade entre as coortes.  

Avaliação do status cardiovascular, renal e metabólico 

Para esta análise, a população do estudo foi categorizada em grupos CKM com base no número de condições CKM sobrepostas na linha de base. As condições consideradas foram DCVA, DRC e DM2, segundo definições já estabelecidas. A DCVA foi definida como a presença de estenose coronariana (>50%) confirmada por cateterismo ou tomografia computadorizada; teste de esforço positivo; histórico de intervenção coronária percutânea, cirurgia de revascularização do miocárdio, AVC ou doença arterial periférica. 

A DRC foi definida como histórico de DRC ou uma taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) <60 mL/min/1,73 m² na alta, usando a fórmula da CKD-EPI. O DM2 foi definido como histórico de DM2 ou nível de HbA1c ≥6,5% na alta.  

Avaliação da função física 

A função física foi avaliada por: força muscular, desempenho físico, massa muscular e teste de caminhada de 6 minutos (TC6). A força de preensão manual foi medida com dinamômetro. Participantes sentados com o cotovelo a 90° realizaram o teste alternadamente com as duas mãos. O maior valor foi registrado. 

O Short Physical Performance Battery (SPPB) foi usado para avaliar o desempenho físico, com três componentes: equilíbrio estático, velocidade de marcha e teste de sentar e levantar da cadeira. Cada componente foi pontuado de 0 a 4, totalizando 0 a 12 pontos. 

A velocidade da marcha foi medida em 4 metros. O paciente caminhava em ritmo habitual e o tempo mais rápido entre duas tentativas era registrado. Foi permitido uso de auxílios. 

A massa muscular foi avaliada por bioimpedância (Tanita BC-622), calculando-se o índice de massa muscular apendicular (massa total dos membros dividida pela altura ao quadrado). 

Desempenho físico reduzido foi definido com base nos critérios do Asian Working Group for Sarcopenia 2019: velocidade de marcha <1,0 m/s, tempo para 5 repetições do teste da cadeira ≥12 s, ou SPPB ≤9. O ponto de corte do TC6 foi <300 m. 

Desfechos 

Foi realizada avaliação prospectiva do prognóstico em 2 anos após a alta: até março de 2020 (FRAGILE-HF) e dezembro de 2021 (SONIC-HF). O desfecho primário foi composto por mortalidade por todas as causas e rehospitalização por IC. Após a alta, os pacientes compareceram a consultas ambulatoriais a cada 3 meses. Para ausentes, foram feitas entrevistas telefônicas para obtenção de informações prognósticas. 

Resultados 

Do FRAGILE-HF, 1113 pacientes com idade mediana de 81 anos com dados completos de avaliação CKM foram incluídos na análise. 

De acordo com as definições das condições CKM: 

  • 193 pacientes (17,3%) não apresentavam condições CKM, 
  • 370 (33,2%) apresentavam uma condição, 
  • 367 (33,0%) apresentavam duas condições, e 
  • 183 (16,5%) apresentavam três condições. 

Para análise, os pacientes foram agrupados em três categorias: 0, 1 e 2–3 condições CKM. Características comuns associadas a CKM incluíram idade mais avançada, menor hemoglobina e maior prevalência de hipertensão. Não houve diferenças significativas na proporção de pacientes com classe funcional NYHA III/IV ou nos níveis de BNP. 

Em relação à função física, pacientes com condições CKM sobrepostas apresentaram velocidades de marcha mais lentas, maior tempo no teste da cadeira (cinco repetições), escores SPPB mais baixos e distância menor no TC6. 

Durante o seguimento de 2 anos, o desfecho primário ocorreu em 488 pacientes (43,8%). A distribuição por número de condições CKM foi: 

  • 58 (30,0%) com 0 condições, 
  • 146 (39,5%) com 1 condição, 
  • 284 (51,6%) com 2–3 condições. 

Análise de regressão de Cox ajustada confirmou associação significativa de forma escalonada. 

Na coorte de validação SONIC-HF, foram incluídos 558 pacientes com idade mediana de 80 anos foram incluídos. A distribuição de CKM foi semelhante: 

  • 58 (10,4%) sem CKM, 
  • 154 (27,6%) com 1, 
  • 203 (36,4%) com 2, 
  • 143 (25,6%) com 3 

Agrupados em 0, 1 e 2–3 CKM, os resultados também mostraram associação com maior incidência do desfecho. 

Discussão 

Este estudo fornece importantes insights clínicos ao examinar a relação entre a sobreposição de condições CKM, a função física e o prognóstico em uma população vulnerável de pacientes idosos hospitalizados por IC. Com uma amostra robusta de 1113 indivíduos, os achados são altamente relevantes para a prática clínica, especialmente dada a escassez de pesquisas focadas nesse grupo específico. 

Três achados principais emergiram: (i) as condições CKM coexistem frequentemente com IC em idosos, com metade apresentando mais de uma condição CKM; (ii) o número de condições CKM sobrepostas associou-se inversamente à função física, independentemente de idade, sexo, comorbidades e gravidade da IC; e (iii) o número de condições CKM sobrepostas associou-se independentemente à mortalidade  

Implicações prognósticas das condições CKM em pacientes com IC 

Pacientes com maior sobreposição CKM apresentaram pior prognóstico (maior mortalidade e readmissões). Isso pode ser atribuído a efeitos sinérgicos das condições CKM, como congestão sistêmica, estresse miocárdico e disfunções renal/metabólica. 

Ensaios como TOPCAT, PARAGON-HF e DELIVER confirmaram associação entre maior número de condições CKM e eventos adversos. No entanto, esses estudos incluíram populações mais jovens. Este estudo, ao focar em idosos com média de 80 anos, destaca a importância de avaliar a sobreposição CKM em pacientes mais vulneráveis. 

Limitações 

Por ser uma análise pós hoc de coorte prospectiva, há riscos de viés de seleção e fatores não mensurados. No entanto, análises de sensibilidade e validação em coorte independente reforçam a robustez dos achados. Além disso, análise transversal não permite inferir causalidade entre CKM e função física. Análises longitudinais são necessárias. 

A amostra exclusivamente japonesa limita a generalização para populações ocidentais, dado o contexto de saúde distinto. Contudo, a prevalência de CKM foi semelhante à observada em coortes ocidentais. 

Implicações para a prática clínica 

Este estudo destaca o papel crítico de considerar o número de condições CKM sobrepostas no manejo de pacientes idosos com IC. A triagem de idosos com risco de quedas é essencial para prevenção, dado que a função física reduzida está fortemente associada a maior risco de quedas e pior qualidade de vida. Os achados sugerem que a presença de múltiplas condições CKM pode servir como ferramenta de triagem valiosa para identificar declínio funcional. 

Nos contextos ambulatoriais, identificar pacientes com múltiplas condições CKM permite detectar precocemente indivíduos em risco de comprometimento funcional. A identificação precoce possibilita a implementação de intervenções, como o treinamento resistido, que é eficaz para prevenir o declínio físico em idosos.  

Além disso, pacientes com maior número de condições CKM sobrepostas apresentam risco aumentado de pior prognóstico, incluindo maior mortalidade e readmissões. Monitoramento regular e estratégias proativas, como consultas mais frequentes e ajustes individualizados na terapêutica, podem prevenir eventos adversos nesses pacientes de alto risco.  

Conclusão 

Pacientes idosos com IC que apresentam maior sobreposição de condições CKM demonstram função física significativamente pior e pior prognóstico. Estudos prospectivos adicionais são necessários para explorar relações causais e avaliar intervenções direcionadas para essa população de alto risco. 

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Referências bibliográficas

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